Samuel Pessoa: As manifestações da rua e o direito à meia-entrada

imagesA interpretação de André Lara Resende sobre as causas do mal estar contemporâneo  recebeu algumas críticas, entre as quais a do economista Samuel Pessoa, que transcrevo a seguir:

Simon,
Há três pontos do texto de André que discordo.

Primeiro é considerar que o nacional desenvolvimentismo era “um projeto que combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada.” Poderia ser isto na legislação mas certamente não foi isto na prática. Ao longo dos anos 30 até o final dos anos 70 os gastos do Estado brasileiro com as rubricas sociais eram muito pequenos. Não é possível afirmar que um Estado que aceitava taxas líquidas de matrículas de 40% a 30% no ensino fundamental tinha alguma rede de proteção social. Simplesmente não consigo enxergar qualquer rede de proteção social minimamente abrangente antes da redemocratização. A construção de um Estado de bem estar social é um legado da constituição cidadã.

Este ponto é importante pois somente com ele nós entenderemos o papel profundo e essencial e importante que teve a redemocratização no desenho de nossa instituições atuais. Parece-me que André não consegue enxergar esta profunda transformação que ocorreu por aqui depois que nós nos tornamos urbanos e que todos os brasileiros, inclusive os analfabetos (este ponto é muito importante), passaram a votar.

Confesso que quando leio André escrever que o Estado nacional desenvolvimentista “combina rede de proteção social” pensando nas cinco décadas de 30 até 70 lembro-me de minha avó triste com a queda da qualidade educação pública e dos hospitais públicos. Ela não tinha a menor ideia que provavelmente menos de 2% da população era atendida…

Minha segunda discordância refere-se ao parágrafo: “Apesar de extrair da sociedade mais de um terço da renda nacional, o Estado perdeu a capacidade de realizar seu projeto. Não o consegue entregar porque, apesar de arrecadar 36% da renda nacional, investe menos de 7% do que arrecada, ou seja, menos de 3% da renda nacional. Para onde vão os outros 93% dos quase 40% da renda que extrai da sociedade? Parte, para a rede de proteção e assistência social, que se expandiu muito além do mercado de trabalho organizado, mas, sobretudo, para sua própria operação. O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números. O Executivo, com 39 ministérios ausentes e inoperantes; o Legislativo, do qual só se tem más notícias e frustrações; o Judiciário pomposo e exasperadoramente lento.”

Tenho duas discordâncias com relação ao diagnóstico acima. A primeira é que não é verdade de que a maior parte da receita do Estado vai “sobretudo para sua própria operação.” Esta afirmação vai ao encontro das ruas quando estas afirmam que o combate à corrupção e a redução dos desperdícios liberaria recursos para melhorar a qualidade da saúde e da educação. Não concordo com esta afirmação pois, parece-me que não temos no Brasil funcionários públicos em excesso e também, apesar dos salários serem maiores do que a média paga pelo setor privado, não explica o problema. Os gastos excessivos de nosso Estado devem-se à enorme quantidade de benefícios que nosso Estado, por meio do Congresso Nacional, outorga a indivíduos e às enormes amarras legais que há para melhorar a gestão dos serviços públicos básicos de justiça, segurança, saúde e educação. Estes dois pontos, benefícios e amarras legais, são bem diferentes de “sobretudo para sua própria operação.”

A segunda discordância ao diagnóstico de André é que o diagnóstico trata o Estado como se ele fosse uma entidade apartada da sociedade. Infelizmente este não é o caso. Não existe uma pequena classe (ou estamento) de onde se originam os ocupantes do Estado e o resto da sociedade é constituída de pessoas que trabalham que nem escravos para manter a vaca bem alimentada para que não falte leite em seu úbere de onde se alimenta os membros do estamento. É possível que esta fosse uma descrição correta de nossa sociedade no período colonial, ou no império ou mesmo na república velha, ou até mesmo em períodos mais recentes. Após algumas décadas de redemocratização, em que avançamos muito na construção de um Estado relativamente impessoal no qual a ocupação de vagas no serviço público ocorre por meio de concursos públicos bastante concorridos e eficientes na seleção dos melhores candidatos, me parece que a descrição de André não se sustenta. O mesmo se aplica ao legislativo: temos uma democracia vibrante e muito competitiva com livre entrada no jogo da política. Não há estamento fechado na política. Parece-me que André não se deu conta (e penso que as massas na rua também não se deram conta) é que provavelmente muitos dos que foram às ruas são filhos ou netos de pessoa que recebem pensão por morte vitalícia, por exemplo e outros que recebem e acumulam benefícios. Vários eram funcionários da saúde cuja demanda é que a carreira da saúde se transforme em uma carreira de Estado como as do judiciário (você pode imaginar a consequência desta medida para o gasto público). Outras devem ser filhos de indivíduos com aposentadoria por invalidez ou usufruindo auxílio doença ou seguro desemprego (vários fraudando o programa, isto é, forçando a demissão para ficar algum tempo na informalidade acumulando salário com o benefício). Outros, alguns poucos, devem ter pais que de alguma forma se beneficiam da bolsa empresários do BNDES e alguns outros, também poucos, devem ter pais ou avós que se beneficiam do programa de reparação dos excessos da ditadura (sabemos que apesar da ditadura brasileira ter matado ou torturado uma fração do que se matou ou torturou na Argentina ou no Chile gastamos com reparação um múltiplo do que eles gastam, somente para termos mais um exemplo de como nós mesmos distribuímos de forma pródiga benefícios e vitaliciedades a indivíduos).

Poderia continuar, na linha do texto de Marcos e Zeina, citando os indivíduos que se beneficiam de empréstimos direcionadas com taxas menores do que as de mercado, que são custeados pelos empréstimos mais caros sobre outros ou por poupança forçada (FGTS) sobre outros, pessoas que tiveram uma boa educação no sistema S custeada por impostos sobre a folha de salários de outros ou de pessoas que trabalham no sistema S, etc. Ou seja nós criamos uma infinidades de meias entradas. Minha discordância com André é que é a própria sociedade, e não um estamento apartado da sociedade, que se beneficia das meias entradas. Este erro penso eu é cometido também pelas ruas quando creem que combatendo a corrupção e as ineficiências do Estado sobrará dinheiro para que tenhamos serviços de saúde e educação muito melhores.

O problema é que muita meia entrada introduz ineficiência no sistema e o  crescimento  se reduz. É isto que Marcos, Zeina e eu chamamos de rent-seeking. Infelizmente não há um grupo pequeno de pessoas, um estamento, que é o beneficiário das transferências e se eu, de alguma forma, conseguir eliminar este grupo (ou os benefícios a este grupo) tudo estaria resolvido. Trata-se de um complexo problema de ação coletiva a lá Mancur Olson. Cada um enxerga o benefício advindo pela sua meia entrada como de primeira ordem. O custo sobre si mesmo e os demais de sua meia entrada é de segunda ordem. Todos querem manter a sua meia entrada e eliminar as dos demais. Um acordo possível, se nós conseguirmos ter instituições de negociação abrangentes, é eliminar as meias entradas de todos. No novo equilíbrio o crescimento se acelera e todos ganhamos. Trata-se de um complexo problema de ação coletiva que, de fato, nossa democracia está resolvendo muito lentamente. Meu otimismo, e neste ponto discordo de Marcos, é que eu avalio que está resolvendo. Acho a regulamentação do fundo de pensão de funcionário público um enorme passo nesta direção. O processo é muito lento e exasperante mas é muito melhor do que tudo que conheço nos quinhentos anos de história dos tristes trópicos.

Esta tendência a criar meia entrada para indivíduos, que desde Faoro sabemos que é constitutiva de nosso Estado, se potencializou com a democratização da sociedade. A democratização pressionou o legislativo a criar meia entrada para todos. De certa forma podemos dizer que a redemocratização tornou a atividade de rent-seeking competitiva e sabemos que rent-seeking competitivo é pior do que monopólio nesta atividade. Evidentemente a democracia também criou fóruns abrangentes de negociação. Se estes funcionarem bem podem contribuir para que a sociedade resolva (ou minore) o problema de ação coletiva associado à meia entrada e acabe reduzindo rent-seeking. Um resultado na direção positiva da redemocratização em reduzir rent-seeking é a intolerância com a inflação. Ou seja, o rent-seeking competitivo pode existir desde que encontre formas mais claras e transparentes (do que a inflação) de financiamento. E quando há formas claras e transparentes de financiamento fica mais fácil resolver o problema da ação coletiva. Este é o motivo que avalio que a agenda mais importante com relação à reforma tributária é elevar a transparência. É a forma de ajudar a sociedade a resolver o problema de ação coletiva.

Penso que na rua podemos localizar duas forças contrárias que provavelmente ocorrem simultaneamente. Por um lado as ruas podem estar dizendo ‘eu quero a minha meia entrada.’ Seria o caso extremo do processo de democratização da meia entrada. Por outro lado, se o sistema político entender bem as dificuldades do desenvolvimento econômico no Brasil hoje as ruas podem ser um embrião de um mecanismo abrangente olsoniano de negociação social de redução das meias entradas para todos com vistas a potencializar o bem estar de todos.

Minha terceira discordância com André está em associar os movimentos das ruas às necessidades de moderar a demanda por crescimento econômico em função das limitações de recursos naturais do planeta. Confesso que tenho muita dificuldade em entender em que ponto as duas agendas se encontram. Acho que o Brasil ainda é um país em que a renda não é muito elevada e as aspirações de todos são por ganhos de renda. O que ocorreu foi que o contrato social da redemocratização bateu em um de seus limites – a incapacidade dele gerar bens de consumo coletivo – e a população apontou o problema aos políticos. Era previsível que este ponto iria chegar em algum momento. Pensava que a agenda da incapacidade do contrato social gerar bens de consumo coletivo ficaria para 2018 mas parece que o tema terá que ser tratado no ano próximo.

Bem, estes eram meus comentários ao texto de André,

 

 

André Lara Resende: O Mal-Estar Contemporêano

De tudo que li nestas semanas sobre o sentido das manifestações de rua no Brasil, este texto de André Lara Resende, Publicado no Valor Econômico de 5 de julho, é provavelmente o que melhor interpreta o que vem ocorrendo, e por isto precisa ser lido com muita atenção e compartido. Estou fazendo minha parte.

O mal-estar contemporâneo

Por André Lara Resende 

Nenhuma liderança soube captar e expressar o mal-estar contemporâneo. Este é provavelmente o seu elemento novo: a internet viabiliza a mobilização antes que surjam as lideranças

Na tentativa de interpretar o protesto das ruas nas grandes cidades brasileiras, há uma natural tentação de fazer um paralelo com os movimentos similares nos países avançados, sobretudo da Europa, mas também nos EUA – Occupy Wall Street – assim como com os da chamada Primavera Árabe. As condições objetivas são, contudo, muito distintas. A Primavera Árabe é um fenômeno de países totalitários, onde não há representação democrática. Não é o caso do Brasil. Na Europa, sobretudo nos países mediterrâneos periféricos mais atingidos pelos efeitos da crise financeira de 2008, houve uma drástica piora das condições de vida. O desemprego, especialmente entre os jovens, subiu para níveis dramáticos. Mais uma vez, não é o caso do Brasil.

Nem os críticos mais radicais ousariam argumentar que o Brasil de hoje não se enquadra nos moldes das democracias representativas do século XX. Podem-se culpar os desacertos da política econômica nos últimos seis anos. Embora devam ficar mais evidentes daqui para a frente, os efeitos negativos da incompetência da política econômica só muito recentemente se fizeram sentir. Fato é que, desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros. Nos últimos 20 anos, houve ganho substancial de renda entre os mais pobres. Ao contrário do que ocorreu em outras partes do mundo, até mesmo nos países avançados, a distribuição de renda melhorou. O desemprego está em seu mínimo histórico.

É verdade que a inflação, especialmente a de alimentos, que se faz sentir mais intensamente pelos assalariados, está em alta. Por mais consciente que se seja em relação aos riscos, políticos e econômicos, da inflação, é difícil atribuir à inflação o papel de catalisadora do movimento das ruas nas últimas semanas. Só agora a taxa de inflação superou o teto da banda – excessivamente generosa, é verdade – da meta do Banco Central.

Os dois elementos tradicionais da insatisfação popular – dificuldades econômicas e falta de representação democrática – definitivamente não estão presentes no Brasil de hoje. Inflação, desemprego, autoritarismo e falta de liberdade de expressão não podem ser invocados para explicar a explosão popular. O fenômeno é, portanto, novo. Procurar interpretá-lo de acordo com os cânones do passado parece-me o caminho certo para não o compreender.

O movimento de maio de 1968 na França tem sido lembrado diante das manifestações das últimas semanas. O paralelo se justifica, pois maio de 68 é o paradigma do movimento sem causas claras nem objetivos bem definidos, uma combustão espontânea surpreendente, que ocorre em condições políticas e econômicas relativamente favoráveis. Movimento que, uma vez detonado, canaliza um sentimento de frustração difusa – um “malaise”- com o estado das coisas, com tudo e todos, com a vida em geral.

A novidade mais evidente em relação a maio de 68 na França é a internet e as redes sociais. Embora não tivesse expressão clara na vida pública francesa, a insatisfação difusa poderia ter sido diagnosticada, ao menos entre os universitários parisienses. No Brasil de hoje, a irritação difusa podia ser claramente percebida na internet e nas redes sociais. O movimento pelo passe livre fez com que este mal-estar transbordasse do virtual para a realidade das ruas. Tanto os universitários franceses de 68, quanto os internautas do Brasil de hoje, não representam exatamente o que se poderia chamar de as massas ou o povão, mas funcionam igualmente como sensores e catalisadores de frustrações comuns.

Quais as causas do mal-estar difuso no Brasil de hoje, que transbordou da internet para a realidade e levou a população às ruas?

Parecem ter dois eixos principais. O primeiro, e mais evidente, é uma crise de representação. A sociedade não se reconhece nos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – em todas suas esferas. O segundo é que o projeto do Estado brasileiro não corresponde mais aos anseios da população. O projeto do Estado, e não do governo, é importante que se note, pois a questão transcende governos e oposições. Este hiato entre o projeto do Estado e a sociedade explica em grande parte a crise de representação.

O Estado brasileiro mantém-se preso a um projeto cuja formulação é do início da segunda metade do século passado. Um projeto que combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada. A rede de proteção social inspirou-se nas reformas das economias capitalistas da Europa, entre as duas Grandes Guerras, reforçadas após a crise dos anos 1930. Foi introduzida no Brasil por Getúlio Vargas, para a organização do mercado de trabalho, baseado no modelo da Itália de Mussolini. A industrialização forçada através da substituição de importações, introduzida por Juscelino Kubitschek nos anos 1950, e reforçada pelo regime militar nos anos 1970, tem raízes mais autóctones. Suas origens intelectuais são o desenvolvimentismo latino-americano dos anos 1950, que defendia a ação direta do Estado, como empresário e planejador, para acelerar a industrialização.

Não nos interessa aqui fazer a análise crítica do projeto desenvolvimentista que, com altos e baixos, aos trancos e barrancos, cumpriu seu papel e levou o país às portas da modernidade neste início de século. Basta ressaltar que o desenvolvimentismo, em seus dois pilares – a industrialização forçada e a rede de proteção social – dependem da capacidade do Estado de extrair recursos da sociedade. Recursos que devem ser utilizados para financiar o investimento público e os benefícios da proteção social.

Diante da baixa taxa de poupança do setor privado e da precariedade da estrutura tributária do Estado, a inflação transferiu os recursos da sociedade para o Estado, até que nos anos 1980 viesse a se tornar completamente disfuncional. Com a inflação estabilizada, a partir do início dos anos 1990, o Estado se reorganizou para arrecadar por via fiscal também os recursos que extraía através do imposto inflacionário. A carga fiscal passou de menos de 15% da renda nacional, no início dos anos 1950, para em torno de 25%, nas décadas de 1970 a 90, até saltar para os atuais 36%, depois da estabilização da inflação. O Brasil tem hoje uma carga tributária comparável, ou mesmo superior, à das economias mais avançadas.

O projeto do PT no governo revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional- desenvolvimentismo

Apesar de extrair da sociedade mais de um terço da renda nacional, o Estado perdeu a capacidade de realizar seu projeto. Não o consegue entregar porque, apesar de arrecadar 36% da renda nacional, investe menos de 7% do que arrecada, ou seja, menos de 3% da renda nacional. Para onde vão os outros 93% dos quase 40% da renda que extrai da sociedade? Parte, para a rede de proteção e assistência social, que se expandiu muito além do mercado de trabalho organizado, mas, sobretudo, para sua própria operação. O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números. O Executivo, com 39 ministérios ausentes e inoperantes; o Legislativo, do qual só se tem más notícias e frustrações; o Judiciário pomposo e exasperadoramente lento.

O Estado foi também incapaz de perceber que seu projeto não corresponde mais ao que deseja a sociedade. O modelo desenvolvimentista do século passado tinha dois pilares. Primeiro, a convicção de que a industrialização era o único caminho para escapar do subdesenvolvimento. Países de economia primário-exportadora nunca poderiam almejar alcançar o estágio de desenvolvimento das economias industrializadas. Segundo, a convicção de que o capitalismo moderno exige a intervenção do Estado em três dimensões: para estabilizar as crises cíclicas das economias de mercado; para prover uma rede de proteção social; e, no caso dos países subdesenvolvidos, para liderar o processo de industrialização acelerada. As duas primeiras dimensões da ação do Estado são parte do consenso formado depois da crise dos anos 1930. A terceira decorre do sucesso do planejamento central soviético em transformar uma economia agrária, semifeudal, numa potência industrial em poucas décadas. A proteção tarifária do mercado interno, com o objetivo de proteger a indústria nascente e promover a substituição de importações, completava o cardápio com um toque de nacionalismo.

O nacional- desenvolvimentismo, fermentado nos anos 1950, teve sua primeira formulação como plano de ação do governo na proposta de Roberto Simonsen. Embora sempre combatido pelos defensores mais radicais do liberalismo econômico, como Eugênio Gudin, autor de famosa polêmica com Roberto Simonsen, e posteriormente por Roberto Campos, foi adotado tanto pela esquerda, como pela direita. Seu período de maior sucesso foi justamente o do “milagre econômico” do regime militar.

Na década de 1980, a inflação se acelera e se torna definitivamente disfuncional. As sucessivas e fracassadas tentativas de estabilização passam a dominar o cenário econômico. Com a estabilização do real, a partir da segunda metade da década de 1990, ainda com algum constrangimento em reconhecer que o nacional-desenvolvimentismo já não fazia sentido num mundo integrado pela globalização, o país parecia estar em busca de novos rumos. A vitória do PT foi, sem dúvida, parte da expressão desse anseio de mudança.

Nos dois primeiros anos do governo Lula, a política econômica foi essencialmente pautada pela necessidade de acalmar os mercados financeiros, sempre conservadores, assustados com a perspectiva de uma virada radical à esquerda. A partir daí, o PT passou a pôr em prática o seu projeto. Um projeto muito diferente do que defendia enquanto oposição. O projeto do PT no governo, frustrando as expectativas dos que esperavam mudanças, muito mais do que o aparente continuísmo dos primeiros anos do governo Lula, revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional-desenvolvimentismo, inspirado no período em este que foi mais bem-sucedido: durante regime militar. A crise internacional de 2008 serviu para que o governo abandonasse o temor de desagradar aos mercados financeiros e, sob pretexto de fazer política macroeconômica anticíclica, promovesse definitivamente a volta do nacional-desenvolvimentismo estatal.

O PT acrescentou dois elementos novos em relação ao projeto nacional-desenvolvimentista do regime militar: a ampliação da rede de proteção social, com o Bolsa Família, e o loteamento do Estado. A ampliação da rede de proteção social se justifica, tanto como uma inciativa capaz de romper o impasse da pobreza absoluta, em que, apesar dos avanços da economia, grande parte da população brasileira se via aprisionada, quanto como forma de manter um mínimo de coerência com seu discurso histórico. Já a lógica por trás do loteamento do Estado é puramente pragmática. Ao contrário do regime militar, que não precisava de alianças difusas, o PT utilizou o loteamento do Estado, em todas suas instâncias, como moeda de troca para compor uma ampla base de sustentação. Sem nenhum pudor ideológico, juntou o sindicalismo de suas raízes com o fisiologismo do que já foi chamado de Centrão, atualmente representado principalmente pelo PMDB, no qual se encontra toda sorte de homens públicos, que, independentemente de suas origens, perderam suas convicções ao longo da estrada e hoje são essencialmente cínicos.

Há ainda um terceiro elemento do projeto de poder do PT. Trata-se da eleição de uma parte do empresariado como aliada estratégica. Tais aliados têm acesso privilegiado ao crédito favorecido dos bancos públicos e, sobretudo, à boa vontade do governo, para crescerem, absorverem empresas em dificuldades, consolidarem suas posições oligopolísticas no mercado interno e se aventurarem internacionalmente como “campeões nacionais”.

A combinação de um projeto anacrônico com o loteamento do Estado entre o sindicalismo e o fisiologismo político, ao contrário do pretendido, levou à sobrevalorização cambial e à desindustrialização. Só foi possível sustentar um crescimento econômico medíocre enquanto durou a alta dos preços dos produtos primários, puxados pela demanda da China. A ineficiência do Estado nas suas funções básicas – segurança, infraestrutura, saúde e educação – agravou-se significativamente. Ineficiência realçada pela redução da pobreza absoluta na população, que aumentou a demanda por serviços de qualidade.

A insatisfação difusa dos protestos pode vir a ser catalizadora de uma mudança profunda de rumo, que abra o caminho para um novo desenvolvimento (na foto, manifestantes sobem ao teto do Congresso)

Loteado e inadimplente em suas funções essenciais, enquanto absorvia parcela cada vez maior da renda nacional para sua própria operação, o Estado passou a ser visto como um ilegítimo expropriador de recursos. Não apenas incapaz de devolver à sociedade o mínimo que dele se espera, mas também um criador de dificuldades. A combinação de uma excessiva regulamentação de todas as esferas da vida, com a truculência e a arrogância de seus agentes, consolidou o estranhamento da sociedade. Em todas as suas esferas, o Estado deixou de ser percebido como um aliado, representativo e prestador de serviço. Passou a ser visto como um insaciável expropriador, cujo único objetivo é criar vantagens para os que dele fazem parte, enquanto impõe dificuldades e cria obrigações para o resto da população. O contraste da realidade com o ufanismo da propaganda oficial só agravou o estranhamento e consolidou o divórcio entre a população e os que deveriam ser seus representantes e servidores.

A insatisfação com a democracia representativa não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. As razões dessa insatisfação ainda não estão claras, mas é possível que o modelo de representação democrática, constituído há dois séculos para sociedades menores e mais homogêneas, tenha deixado de cumprir seu papel num mundo interligado de 7 bilhões de pessoas, e precise ser revisto. O debate público deslocou-se das esferas tradicionais da política para a internet e as redes sociais. Ameaçada pelo crescimento da internet e habituada ao seu papel de agente da política tradicional, a mídia não percebeu que o debate havia se deslocado.

No caso brasileiro, perplexa com sua aparente falta de repercussão e pressionada financeiramente pela competição da internet, uma parte da mídia desistiu do jornalismo de interesse público e passou a fazer um jornalismo de puro entretenimento. Mesmo os que resistiram, cederam, em maior ou menor escala, à lógica dos escândalos. Foram incapazes de compreender a razão da sua falta de repercussão, pois não se deram conta de que o público e o debate haviam se deslocado para a internet. Surpreendida pelo movimento de protestos, num primeiro momento, a mídia não foi capaz de avaliar a extensão da insatisfação. Transformou-se ela própria em alvo da irritação popular. Em seguida, aderiu sem convencer, sempre a reboque do debate e da mobilização através da internet. A favor da mídia, diga-se que ninguém foi capaz de captar a insatisfação latente antes da eclosão do movimento das ruas. As pesquisas apontavam, até muito recentemente, grande apoio à presidente da República, considerada praticamente imbatível, até mesmo por seus eventuais adversários nas próximas eleições. Nenhuma liderança soube captar e expressar o mal-estar contemporâneo. Este é provavelmente o seu elemento novo: a internet viabiliza a mobilização antes que surjam as lideranças. Tanto as possibilidades como os riscos são novos.

O projeto nacional-desenvolvimentista combina o consumismo das economias capitalistas avançadas com o produtivismo soviético. Ambos pressupõem que o crescimento material é o objetivo final da atividade humana. Aí está a essência de seu caráter anacrônico. Os avanços da informática permitiram a coleta de um volume extraordinário de evidências sobre a psicologia e os componentes do bem-estar. A relação entre renda e bem-estar só é claramente positiva até um nível relativamente baixo de renda, capaz de atender às necessidades básicas da vida. A partir daí, o aumento do bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional.

Os estudos da moderna psicologia comprovam aquilo que de uma forma ou de outra, mais ou menos conscientemente, intuímos todos: nossa insaciabilidade de bens materiais advém do fato de que o bem-estar que nos trazem é efêmero. Para manter a sensação de bem-estar, precisamos de mais e novas aquisições. O consumismo material tem elementos parecidos com o do uso de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psicológica.

No mundo todo, a população parece já ter intuído a exaustão do modelo consumista do século XX, mas ainda não encontrou nas esferas da política tradicional a capacidade de participar da formulação das alternativas. Apegada a fórmulas feitas, a política continua pautada pelos temas e objetivos de um mundo que não corresponde mais à realidade de hoje. As grandes propostas totalizantes já não fazem sentido. O nacionalismo, a obsessão com o crescimento material, a ênfase no consumo supérfluo, os grandes embates ideológicos, temas que dominaram a política nos últimos dois séculos, perderam importância. Hoje, o que importa são questões concretas, relativas ao cotidiano, questões de eficiência administrativa para garantir a qualidade de vida.

É significativo que os protestos no Brasil tenham começado com a reivindicação do passe livre nos transportes públicos urbanos. A questão da mobilidade nas grandes metrópoles é paradigmática da exaustão do modelo produtivista-consumista. A indústria automobilística foi o pilar da industrialização desenvolvimentista e o automóvel o símbolo supremo da aspiração consumista. O inferno do trânsito nas grandes cidades, que se agrava quanto mais bem-sucedido é o projeto desenvolvimentista, é a expressão máxima da completa inviabilidade de prosseguir sem uma revisão profunda de objetivos. Ao que parece, a sociedade intuiu a falência do projeto do século passado antes que o Estado e aqueles que deveriam representá-la – governo e oposição, Executivo, Legislativo e imprensa – tenham se dado conta de que hoje trabalham com objetivos anacrônicos.

A insatisfação difusa dos protestos pode vir a ser catalizadora de uma mudança profunda de rumo, que abra o caminho para um novo desenvolvimento, não mais baseado exclusivamente no crescimento do consumo material, mas na qualidade de vida. Para isso, é preciso que surjam lideranças capazes de exprimir, formular e executar o novo desenvolvimento.

André Lara Resende é economista. Este texto será apresentado na Festa Literária de Paraty (Flip), em debate com o filósofo Marcos Nobre, que ocorre neste sábado.

Geraldo Martins: Duas Verdades e Oito Mentiras

Ponto de vista de Geraldo M. Martins ( educador, sociólogo e administrador. Atualmente, coordenador da Pastoral da Ecologia da Diocese da Campanha. gemartins@uol.com.br)

DUAS VERDADES E OITO MENTIRAS

Penso que a maioria dos brasileiros deve ter ficado decepcionada com pronunciamento da Presidente Dilma na noite dessa sexta feira, 21 de junho. Minha expectativa era de que nossa Chefa de Estado anunciaria algo mais contundente para responder aos anseios que o povo vem progressivamente manifestando nas ruas. Esperava por exemplo o anúncio de sua convincente decisão de que estaria enviando ao Congresso, com urgência urgentíssima, um projeto de emenda constitucional para convocação imediata de uma Assembleia Constituinte exclusiva para que possamos ter a esperada reforma política. Podia até ser uma medida heroica, pois todo mundo sabe da falência moral e representativa da maioria dos parlamentares. Mas, pelo menos estaria ficando ao lado do clamor popular. Por isso, foi um discurso longo e decepcionante que pode ser resumido em duas verdades e oito mentiras.

VERDADE 1 – VIOLÊNCIA – Ninguém discordará da convocação da Presidente: “Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil”. Foi também o apelo da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB. Apenas teria que ser complementada que essa vergonha não esta só nas depredações ocorridas nas manifestações. Haveria de ser incluída a violência gigantesca contra as populações indígenas, contra o meio ambiente, contra os direitos humanos e uma lista enorme de outras como a violência do trânsito, do tráfico, da carga tributária, da falta de atendimento médico que matam diariamente mais de mil pessoas.

VERDADE 2 – DEMOCRACIA – Ninguém poderá discordar também que a democracia precisa ser fortalecida, defendida e aprimorada. Dilma se lembrou da sua geração afirmando que “O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático”, mesmo tendo que pegar em armas, assaltar bancos e partir para a guerrilha. Sem dúvida, a democracia e seu corolário, a liberdade é o maior valor e a maior conquista da sociedade para a convivência cívica. Ruy Barbosa já sentenciava: A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras. Mas também não podemos nos iludir com uma falsa democracia sequestrada e vilipendiada pelos donos do poder, pelos políticos e por todas as formas de corrupção. Indiscutivelmente, não temos uma democracia participativa.

ENGANAÇÃO 1 – REFORMA POLÍTICA – Reconhecendo que um dos principais focos dos protestos é a rejeição do sistema político vigente que está falido e extremamente corrompido, a Presidente prometeu que agora vai se esforçar para promover uma ampla reforma política. Mas o que fez o governo até agora? Esse é o mote de todas aas campanhas eleitorais e nessa última foi veementemente defendida pela candidata. Bom, agora até faz sentido, pois a campanha para 2014 já está nas ruas. Mas não deixa de ser uma tremenda enganação. Se a promessa fosse uma prioridade para valer, teria defendido e anunciado uma imediata convocação de uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE ESPECÍFICA para tratar dessa reforma. Uma representação política autêntica precisa ter legitimidade e não apenas o cumprimento das formalidades eleitorais.

ENGANAÇÃO 2 – GASTOS COM A COPA DO MUNDO – A Presidente minimizou os gastos afirmando que o dinheiro não saiu dos cofres públicos, mas das empresas e dos Estados. Ora o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a imprensa já se fartaram de denunciar o superfaturamento, os custos elevados e os desvios de recursos públicos para obras dos estádios, aeroportos, etc. O pior é que a maioria delas foram obras faraônicas e afrontosas diante de muitas carências da população principalmente nas áreas de saúde de saneamento.

ENGANAÇÃO 3 – MOBILIDADE URBANA – Dilma anunciou que convidará governadores e prefeitos para aperfeiçoar as instituições e anunciar novos planos de ação, como o Plano Nacional de Mobilidade Urbana. Ora, para a realização da Copa estão sendo gastos 12 bilhões de reais contemplando apenas os acessos viários de carros para estádios, hotéis e aeroportos. Nenhuma prioridade foi dada ao transporte coletivo para as massas de trabalhadores urbanos. As ruas estão congestionadas. Além do preço das passagens, há que se pagar um enorme desperdício de tempo. Quem estimulou o transporte individual isentando os carros do IPI?

ENGANAÇÃO 4 – AS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS – O discurso defendeu os partidos e o sistema eleitoral sem os quais não poderia haver uma verdadeira democracia. Mas será que o voto é realmente livre? Não vivemos sob uma ditadura dos partidos que impigem aos eleitores seus candidatos? Por outro lado, é impossível ignorar o anacronismo e o abastardamento do regime presidencialista que depende de coalizões espúrias e barganhas interesseiras e nefastas, como é hoje chamado o peemedemismo e os partidos de mentirinha, segundo o Ministro Barbosa.

ENGANAÇÃO 5 – LIVRE ACESSO Á INFORMAÇÃO – Mais uma conversa para engamelar, pois a Lei de Acesso à Informação já existe há tempo para todos os poderes da República e governos estaduais e municipais. Porque estão o Planalto decreta sigilo sobre todas as informações de gastos das viagens presidenciais ao exterior? Porque o governo apoia a PEC 37,  já conhecida como PEC da impunidade, pois pretende tirar o poder de investigação do Ministério Público?. Caso seja aprovada, ela inviabilizará algumas investigações como: desvio de verbas, crime organizado, abusos cometidos por agentes dos Estados e violações de direitos humanos. E depois, a presidente fala em tom solene que “a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor”.

ENGANAÇÃO 6 – ROYALTIES PARA A EDUCAÇÃO – Essa ladainha já rola desde o primeiro mandato de Lula. Quem vai acreditar que o Congresso Nacional irá destinar 100% dos royalties para a educação? Seria essa a fórmula salomônica de resolver a disputa entre os estados produtores e não produtores? Como explicar essa prioridade se o governo está financiando universidades na África?

ENGANAÇÃO 7 – MELHORIA DO SUS – A presidente prometeu “trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde”. Só se forem médicos desempregados na Europa ou de países em crise econômica que estejam dispostos a aceitar a remuneração miserável que os médicos brasileiros recebem e por isso se veem forçados a abandonar o SUS para sobrevirem. E o que dizer do estado caótico dos hospitais com suas filas enormes de pacientes sem atendimento? Imaginem quantos hospitais não poderiam ter sido construídos e equipados com os gastos de apenas um dos estádios megalomaníacos?

ENGANAÇÃO 8 – COMBATE À CORRUPÇÃO – Bom, essa mentira não precisa de comentários. Basta ver as negociatas com congressistas e a leniência com as obras superfaturadas. Não seria enganação se a presidente anunciasse que iria reduzir pela metade os quarenta ministérios que expressam uma autêntica corrupção institucional.

 

Internacionalização dos doutorados brasileiros

University World News, uma publicação internacional sobre o ensino superior, publicou uma série três matérias de  sobre a mobilidade internacional dos estudantes de doutorado, cujo número  mais recente pode ser visto aqui.  Esta é a nota que preparei sobre a situação brasileira:

Os doutorados no exterior aumentam e diminuem, mas a maioria retorna

Com 190 milhões de habitantes e cerca de 592 mil residentes estrangeiros, o Brasil é uma sociedade relativamente fechada, apesar de uma longa história de comércio de escravos africanos até meados do século 19 e grandes fluxos de imigrantes portugueses, italianos e japoneses, alemães até a Primeira Guerra Mundial. Hoje, a maioria dos imigrantes vêm de Portugal, Japão, Itália, Espanha e países fronteiriços como Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai. Cerca de um quinto – 140 mil – têm diplomas de ensino superior,e são principalmente de Portugal, Itália, Argentina e Espanha, de acordo com dados do Censo Demográfico de 2010.

Brasil tem formado cerca de 12.000 doutores por ano em suas universidades, ccomparado com 4.000 em 1998, que principalmente no sector do ensino superior e da pesquisa (77%). A maioria dos títulos são obtidos nas principais universidades do Brasil, incluindo as universidades estaduais de São Paulo e Campinas e as universidades federais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, de acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Entre 1996 e 2006, de acordo com estudo publicado pela CGEE (CGEE 2010), as instituições brasileiras formaram cerca de  50.000 doutores. Destes, apenas 680 foram de pessoas nascidas fora do país, sendo o maior número da Argentina (126), Portugal (80) e Chile (59).

Estudantes brasileiros no exterior

Há também um constante fluxo de brasileiros indo obter seus diplomas no exterior, principalmente com bolsas de agências nacionais. No início de 1990, as agências brasileiras apoiavam cerca de 2.000 estudantes de doutorado por ano no exterior. Na medida em que o número de programas de doutorado no país aumentou, o número de bolsas de doutorado para estudos no exterior caiu, mas outros tipos de bolsas de estudo foram introduzidas. Em 2009, havia 3.760 brasileiros com bolsas de estudo no exterior, 783 deles em programas de doutoramento, 1910 em programas “sanduíche” – estudantes matriculados em cursos de doutorado no Brasil vão para o exterior por um ano ou mais – e 1067 em atividades de pós-doutorado.

Em 2011, o governo brasileiro anunciou o programa “Ciência Sem Fronteiras”, que pretendia enviar 100 mil estudantes ao exterior em quatro anos. A maioria dessas bolsas é para períodos de curta duração para estudantes de graduação, mas cerca de 10 mil era para programas de doutoramento – 2500 por ano – o que significa um retorno aos níveis do início da década de 1990 (Castro, Barros, Ito-Adler, e Schwartzman 2012). O programa é limitado às ciências naturais e tecnologia, partindo do princípio de que as ciências sociais e humanas continuariam a receber apoio de fora do programa.

Dados recentes mostraram que o ‘Ciência sem Fronteiras’ já tinha fornecido 22.000 bolsas, das quais 5.000 para o estudo nos EUA, 3.000 em Portugal e 2.500 em Espanha. Do total, apenas 825 eram para programas de doutorado completo, e 2.300 para pós-doutorados.

Dados do Instituto de Educação Internacional nos Estados Unidos mostram que, em 2011-12, havia cerca de 9.000 estudantes brasileiros nos EUA, marcando um aumento pequeno, mas constante, mas ainda muito aquém do número de estudantes da China, Índia, Coréia e até mesmo do México.

A fuga de cérebros não tem sido um problema

Em contraste com a Índia, China e, na América Latina, México e Argentina, o Brasil não sofre de um fluxo regular de cidadãos educados para o exterior. No passado, a maioria dos brasileiros que iam ao exterior para estudos de doutoramento com bolsas mantinham seus empregos e voltavam para melhores posições em suas instituições de origem (Glaser e Habers 1978). Na década de 1980, quando a economia estagnou, milhares de brasileiros se mudaram para os Estados Unidos, Portugal e Japão – os dekaseguis – para trabalho temporário em atividades não-qualificadas, e muitos voltaram como a economia melhorou a partir de década de 1990 (Carvalho, 2004).

A estimativa é que agora existem cerca de 1,5 milhões de brasileiros no exterior. Hoje, quem vai para o exterior com bolsas do governo têm que concordar em voltar ou pagar suas bolsas, e acordos internacionais impedem que eles obtenham status de residente nos países do estudo. No entanto, não há nenhuma garantia de que eles vão encontrar trabalho adequado ao voltar, embora haja bolsas de estudo que podem ser concedidas para recém doutores dispostos a trabalhar em universidades públicas.

Survey of Earned DoctoratesOs dados mais recentes do da Academia Nacional de Ciências dos EUA mostra que, dos 149 novos doutores brasileiros com vistos temporários em os EUA, 42% pretendiam ficar nos – uma proporção menor do que a de outros países latino-americanos (Argentina, México, Venezuela e Colômbia), todos com cerca de 60%, ou para a Índia ou a China, com cerca de 80% com a intenção de ficar. Não é certo que aqueles que estão pretendem ficar exterior vão realmente fazê-lo, mas, em újltima análise, não são sanções ou multas, mas a criação de oportunidades adequadas de trabalho, que vão trazer os que estudam no exterior de volta para casa.

Referências

Carvalho, José Alberto Magno (2004) “Migrações Internacionais do Brasil da nas Ultimas Duas Décadas do Século XX:. Algumas facetas de um Processo Complexo amplamente Desconhecido” Migrações Internacionais ea Previdência social: 11.

Castro, Claudio De Moura, Hélio Barros, James Ito-Adler e Simon Schwartzman (2012), “Cem Mil Bolsistas no exterior.” Interesse Nacional: 25-36.

CGEE (2010) “Doutores 2010: Estudos da Demografia da base de tecnico-scientifica brasileira”. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, em Brasília.

Glaser, William A e G Habers Christopher (1978), a fuga de cérebros: Emigração e Retorno; resultados de uma pesquisa comparativa multinacional UNITAR de profissionais de países em desenvolvimento que estudam no exterior. Oxford, New York: Pergamon Press

Universidades: nacionais, regionais?

regiao
Dados do Censo do Ensino Superior 2011

Dados publicados recentemente pelo Ministério da Educação, e analisados em matéria do jornal O Globo, mostraram que São Paulo é o Estado que mais envia candidatos selecionados pelo sistema unificado de seleção (SISU, baseado no ENEM) para outras regiões do país.  Os dados mostram também que a área de medicina é a aquela em que mais estudantes migram de estado, 46%, o triplo da média geral (O Globo  17 e  25/5/2013).

 Interpretei isto como podendo significar que, ao invés de facilitar a mobilidade de estudantes de regiões mais pobres para outras mais desenvolvidas, tornando o ensino superior mais equânime deste ponto de vista, o SISU poderia estar tendo o efeito oposto, ao permitir que estudantes do Estado mais rico ocupassem as vagas nas universidades regionais, reduzindo assim as oportunidades de estudo da população local.

Esta conjectura levantou uma série de questões que precisam ser mais aprofundadas, algumas das quais estão analisadas em texto disponível  aqui.

Primeiro, qual é ou deveria a função das universidades públicas e, mais especificamente, das universidades federais?  Elas devem ser entendidas como instituições nacionais ou mesmo globais, abertas a estudantes de todas as origens e desenvolvendo trabalhos de pesquisa de valor universal, e neste sentido sua localização geográfica não seria relevante? Ou elas deveriam ser entendidas como instituições voltadas, pelo menos em parte, a atender às demandas de acesso à educação da população local, assim como realizar pesquisas e atividade de extensão de relevância também local ou regional?

A análise sugere que, embora o sistema de seleção unificada do SISU possa estar contribuindo para nacionalizar em certa medida as universidades federais, isto não chega a alterar o fato de que as instituições de ensino superior brasileiras sejam predominantemente locais, do ponto de vista da mobilidade dos estudantes, que é o que estes dados permitem ver. Existem diferenças em relação aos estados menores e de fronteira, que recebem e enviam mais estudantes para outras partes, e também por áreas de conhecimento, com destaque para a área de medicina e odontologia, que tende a operar em um marco mais nacional na seleção dos estudantes, em prejuízo dos estudantes de origem local.

Seriam necessários dados sobre pesquisas, atividades de extensão e emprego dos alunos formados para saber se, além de atender predominantemente à população local, as instituições de ensino superior estão atendendo de outras formas as necessidades e temas regionais, e contribuindo ou não para fixar os estudantes nos locais em que se formam. É possível supor que, além do SISU, outros mecanismos estão atuando para nacionalizar as instituições de ensino superior, incluindo as avaliações do ENADE, idênticas para todo o país, e, no setor privado, a crescente integração das instituições em conglomerados que buscam padronizar os cursos que proporcionam e, assim, ganhar economias de escala.

É um processo que ocorreu também no setor das comunicações, em que os jornais, rádios e estações de TV se integraram a redes nacionais, assim como na área financeira, com os grandes bancos nacionais que absorveram e substituíram os bancos locais, e assim por diante. É um processo inevitável, mas que não elimina o fato de que as pessoas, na sua grande maioria, vivem e permanecem nos locais em que nascem. A pergunta que fica é se, neste processo, a vida local não se esvazia, a capacidade de lidar com as questões do quotidiano, que são também em grande parte locais, se reduz, e se as instituições de ensino superior não deveriam ter alguma responsabilidade em lidar com isto.

Paulino Motter: IDEB Campeão

Escreve Paulino Motter (*):

IDEB campeão: as 10 lições de Foz do Iguaçu

Conhecida nacional e internacionalmente pelos seus atrativos turísticos, especialmente as cataratas e Itaipu, Foz do Iguaçu ganhou na última semana notoriedade pelo bom desempenho das suas escolas municipais no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A sua rede de escolas municipais emplacou os cinco primeiros lugares entre as melhores do Paraná nos anos iniciais do ensino fundamental. Entre as 20 escolas paranaenses com maior IDEB, dez são de Foz.

O município também ganhou destaque na mídia nacional ao classificar três entre as dez melhores escolas públicas do Brasil. Se isso não bastasse, emplacou o primeiro lugar com a Escola Municipal Santa Rita de Cássia, que alcançou 8,6 no IDEB, mesma nota obtida pela Escola Carmelita Dramis Malaguti, do município de Itaú de Minas (MG).

Mas o que mais impressiona não é o fato de Foz concentrar o maior número de escolas entre as melhores do Paraná e do Brasil. Seu feito mais notável e digno de reconhecimento foi ter conseguido um IDEB médio de 7,0 para todas as 51 escolas da sua rede – bem acima das médias do Paraná e do Brasil para o primeiro ciclo do ensino fundamental, de 5,6 e 5,0, respectivamente.

O menor IDEB da rede municipal de Foz do Iguaçu foi de 6,2, nota superior à meta fixada pelo Ministério da Educação (MEC) para ser atingida em 2021. Partindo de um patamar relativamente baixo, em 2005, quando o IDEB médio da sua rede foi de 4,2, o município deu o primeiro salto em 2009, alcançando a nota média de 6,2. O IDEB 2011 veio confirmar a tendência, mostrando que todas as escolas da rede melhoraram significativamente.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, a taxa de evasão foi zero em 2011, resultado que evoca o delicado filme chinês “Nenhum a menos” (1999), dirigido por Zhang Yimou, sobre a jornada extraordinária uma professora de uma precaríssima escola rural que parte à procura de um aluno que havia abandonado a escola para buscar trabalho num grande centro urbano. Sem tanto heroísmo, mas com atendimento individualizado e multidisciplinar, as escolas municipais de Foz conseguiram a proeza de não perder nenhum aluno.

Muitos devem estar se perguntando qual é a fórmula utilizada pelo município para alcançar, num prazo relativamente curto, um aumento tão expressivo e uniforme no IDEB. É possível que nos próximos meses a cidade receba dirigentes municipais de educação de todo o país interessados em conhecer in loco experiência tão exitosa. O prefeito municipal, Paulo Mac Donald Ghisi, que encerra o segundo mandato no dia 31 de dezembro próximo, poderá tornar-se um requisitado palestrante em eventos sobre reformas educacionais.

Antes que gestores municipais de todo o país se disponham a pagar caras consultorias para fazer um estudo de caso sobre o projeto educacional que transformou Foz do Iguaçu em celeiro de escolas de excelência, segundo o IDEB, creio que vale a pena apresentar, ainda que de forma preliminar, os principais ingredientes da receita aplicada com sucesso pela rede municipal. Quem vier a Foz em busca de um modelo inovador de reforma educacional corre o sério risco de ficar desapontado, pois todas as políticas adotadas pelo município já fazem parte de receitas consagradas e testadas com sucesso em outros lugares.

A maior novidade talvez esteja na aposta em medidas convencionais, de eficácia já comprovada, ao invés de inventar projetos mirabolantes e caros. Foz do Iguaçu está demonstrando que é possível universalizar o atendimento e garantir ensino de qualidade investindo apenas 25% das receitas municipais na Educação. Basta uma gestão municipal séria e competente que aplique bem os recursos escassos da educação.

Resumimos aqui 10 lições que podem ser aprendidas com a política educacional que colocou as escolas municipais de Foz do Iguaçu em primeiro lugar no Paraná e entre as melhores escolas públicas do País.

Lição nº 1: Prefeito comprometido com educação de qualidade

A obstinação do prefeito de Foz do Iguaçu, Paulo Mac Donald Ghisi, em promover a melhoria da rede municipal de ensino foi determinante para criar as condições que catapultaram o IDEB. Influenciado pelas idéias de Leonel Brizola, ele transformou a educação na prioridade dos seus dois mandatos consecutivos como prefeito. Trombou até com MEC para criar um modelo próprio de creche. Conseguiu provar que com os mesmos recursos liberados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para construir uma unidade padrão para atender 120 crianças, era possível construir um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) com capacidade para atender mais 300 de crianças. Com a lógica cartesiana de engenheiro, privilegiou soluções práticas e baratas, calculando na ponta do lápis todos os custos da educação. Por exemplo, a merenda escolar servida para as cerca de 30 mil crianças atendidas nas escolas e CMEIs tem um custo unitário de cerca de R$ 0,60, sem incluir mão-de-obra, um quarto do custo de merenda fornecida por terceirizados em outros municípios da região. Quando chegam nas escolas do município pela manhã, nos bairros mais pobres da cidade, as crianças são recebidas com um desjejum básico: pão, goiabada e leite de soja. É assim que começa uma jornada típica de aprendizagem nas escolas da rede municipal que foi o grande destaque do IDEB 2011.

Lição nº 2: Investimentos na melhoria da infraestrutura escolar

A melhoria da infraestrutura da rede municipal de Foz do Iguaçu foi notável nos últimos oito anos. Além de reformar os prédios depreciados herdados das administrações anteriores, o atual prefeito, construtor por profissão, empreendeu um ambicioso plano de ampliação da rede municipal, criando um novo padrão de escola pública, com instalações funcionais e espaços para atividades no contraturno escolar. Nos últimos oito anos, 21 escolas passaram por reformas e ampliações que, em muitas delas, incluiu a construção de quadra poliesportiva. Mas a “menina dos olhos” do alcaide são as cinco novas escolas construídas pela sua administração. Todas as novas escolas são equipadas com piscinas, ginásio de esportes coberto, refeitório e espaços para atividades culturais no contraturno escolar. Igualmente significativos foram os investimentos realizados na ampliação e melhoria da rede de CMEIs: cinco deles passaram por pequenas reformas e 15 foram reformados e ampliados para aumentar a sua capacidade de atendimento. A ampliação da rede de CMEIs contabiliza a construção de quatro novas unidades já em funcionamento, outras três em fase final de construção e outras quatro com recursos já garantidos para início da construção ainda neste ano. Estão planejados outros cinco CMEIs que dependem ainda da liberação de recursos do FNDE.

Lição nº 3: Profissionalização da gestão educacional

A Secretaria Municipal de Educação de Foz do Iguaçu ganhou uma gestão profissional na atual administração, com autonomia para implementar a reforma da rede municipal de ensino. A Secretária Municipal de Educação, Joane Vilela, no cargo desde o início de 2008, é professora da rede municipal e ex-diretora da escola. Com esta experiência, sabia exatamente quais eram as queixas mais comuns das escolas em relação ao órgão central do sistema e tratou logo mudar a sua forma de atuação. Uma das suas primeiras iniciativas foi formar uma equipe multidisciplinar comprometida com o projeto de melhoria da qualidade da educação para prestar apoio às escolas. O segundo passo foi criar uma nova cultura de gestão escolar, baseada no estabelecimento de metas de desempenho para cada escola da rede municipal. O IDEB, criado a partir de 2005, serviu como indicador para mensurar os progressos obtidos. Mas a própria secretária se apressa em esclarecer que as metas vão muito além das melhorias captadas por esse índice: “Os professores estão motivados e dispostos não só a melhorar o índice do IDEB, mas também a qualidade do ensino.”(1) O que ninguém discute é que a Secretaria Municipal de Educação conseguiu mobilizar todas as escolas e seus agentes (diretores, professores, estudantes e pais) para mudar o panorama da educação no município. Os resultados estão aí para o país ver.

Lição nº 4: Autonomia da escola

Um mantra repetido pelos advogados de reformas educacionais é autonomia escolar.
Os sistemas públicos de ensino, sejam estaduais ou municipais, são, em geral, altamente centralizados e burocratizados, o que parece contribuir para o fracasso de muitas tentativas bem intencionadas de reformas de cima para baixo. Em Foz do Iguaçu, as escolas municipais devem seguir as diretrizes da Secretaria Municipal da Educação, mas gozam de autonomia para propor e implementar estratégias e métodos próprios de ensino. Trata-se, obviamente, de uma autonomia limitada, mas suficiente para incentivar duas coisas muito positivas: a liderança proativa das diretoras das escolas e o envolvimento efetivo dos professores no planejamento escolar. A Secretaria Municipal de Educação, por sua vez, atua como facilitadora e provedora de apoio pedagógico às escolas, disponibilizando para isso uma equipe multidisciplinar, com participação de profissionais da área de saúde (psicólogos, assistentes sociais e fonoaudiólogos), para cada uma das cinco regiões da cidade. Este trabalho integrado entre as áreas de educação, saúde e assistência social, viabilizando por meio do Projeto “Construindo a Cidadania”, implantando desde 2009, com verbas federais, tem sido fundamental para manter na escola e garantir a aprendizagem de crianças em situação de vulnerabilidade social. Outra iniciativa importante é o Prêmio Paulo Freire, que já está na sua sexta edição. Idealizado pela Secretaria Municipal de Educação, este prêmio incentiva, reconhece e valoriza o envolvimento dos professores em projetos inovadores orientados para o objetivo de criar novas situações de aprendizagem para os estudantes no desenvolvimento do currículo escolar.

Lição nº 5: Formação e valorização dos professores

Este é o lugar-comum mais repetido por educadores de todos os naipes ideológicos: sem professores bem preparados e motivados não haverá escola de qualidade. O difícil é passar do discurso para uma política efetiva de qualificação e valorização dos professores. Foz do Iguaçu parece ter encontrado o caminho, sem projetos mirabolantes. “Não há como falar de desenvolvimento do aluno sem citar os esforços dos professores, que tiveram iniciativa e boa vontade”, atesta a diretora da Escola Municipal Santa Rita de Cássia, Shirlei Ormenese de Carvalho, ao explicar o primeiro lugar nacional no IDEB. A Secretária Municipal de Educação concorda: “O grande destaque sem dúvida foi a motivação dos professores, a tomada de decisão, fizeram trabalho diferenciado no trabalho coletivo. Tivemos apostilas, realizamos simulados, reforço e equipe multidisciplinar, avaliação por desempenho, nada teria acontecido se não fosse o empenho dos professores”. O reconhecimento dos pais vem na mesma direção, criando um poderoso incentivo ao trabalho docente. Finalmente, não pode ser negligenciada a importância da valorização salarial. Neste quesito, os avanços foram modestos, reconhece a secretária. A principal inovação foi a instituição por lei municipal do 14º salário como prêmio pelo resultado no IDEB. A premiação é dada por escola, o que constitui um poderoso incentivo ao esforço coletivo. Mais um acerto, pois muitas políticas de pagamento por mérito derrapam justamente por pretender premiar o desempenho individual, não levando em conta que uma boa escola é resultado de trabalho em equipe.

Lição nº 6: Engajamento dos pais na vida escolar

Promover a participação dos pais na vida escolar é outra recomendação repetida à exaustão pelas cartilhas sobre reformas educacionais que deram certo em outros países. Como fazer é outros quinhentos. O bom desempenho das escolas municipais de Foz do Iguaçu parece confirmar que o apoio dos pais faz toda a diferença. Com a palavra mais uma vez a diretora da escola campeã nacional do IDEB: “A [nossa] escola é pequena e contamos com muitos alunos de outros bairros, e vemos que os pais motivam, trazendo os alunos em outros horários para as aulas de reforço. É um tratamento recíproco [entre a escola e os pais].” A percepção dos pais também mudou, conforme atesta o depoimento da mãe de uma aluna que passou pela Escola Santa Rita de Cássia: “A gente percebe que os professores são bastante empenhados e isso reflete nos alunos. Minha filha estudou desde cedo na escola e sempre foi muito bem atendida. A escola merece esse prêmio.” Os próprios alunos reconhecem o empenho da escola em atender as suas necessidades e as expectativas dos pais, formando um círculo virtuoso: “Os professores e a diretora trabalhavam muito bem com a gente e queriam nossa melhoria”, recorda uma ex-aluna da Escola Santa Rita de Cássia, que fez a Prova Brasil de 2011.

Lição nº 7: Educação é essencialmente um trabalho coletivo

Uma andorinha só não faz verão, ensina o provérbio popular, que também se aplica com perfeição à educação. Como no futebol, para usar outra metáfora, na educação também não se ganha o jogo sozinho. Uma tentação comum que acomete os políticos demagogos é prometer solução fácil para problema complexo. Definitivamente, melhorar a escola pública não é um problema dos mais fáceis de resolver. Por isso, é melhor desconfiar de promessas milagrosas. Foz do Iguaçu fez o dever de casa, com persistência e obstinação, e agora está começando a colher os resultados. A política educacional adotada no município parte da premissa que uma boa escola se faz mediante esforço e trabalho de equipe. A premiação pelo desempenho no IDEB, na forma de um 14º salário, é para a escola, beneficiando todos os que nela trabalham, da diretora à merendeira. Os professores são estimulados a desenvolver soluções coletivas e criativas. Uma das estratégias mais bem-sucedidas adotada pela Escola Santa Ria de Cássia foi colocar duas professoras para dividir a tarefa de ensinar os alunos do 5º ano, aproveitando melhor as competências de cada uma em disciplinas e áreas específicas do currículo. “Duas professoras vieram com a idéia de dividir as aulas da 4ª série (5º ano), porque tinham mais afinidades com matérias diferentes. Aceitamos o desafio e as turmas responderam muito bem”, relata a diretora, atribuindo a esta iniciativa adotada há três anos os bons resultados que estão sendo colhidos agora.

Lição nº 8: Aulas de reforço no contraturno escolar

Visto com desconfiança por muitos educadores como uma medida paliativa para corrigir deficiência do ensino, o reforço escolar pode ser uma medida eficaz para prevenir atraso na aprendizagem e evitar a reprovação. Uma das características distintivas da Escola Santa Rita de Cássia é a oferta regular de aulas de reforço no contraturno escolar. “Os alunos com dificuldade [de aprendizagem] vinham à escola durante toda a semana receber aulas [de reforço] no contraturno, e os que estavam bem, vinham apenas uma vez, para que ficassem ainda melhor”, repete a diretora, assustada com o súbito estrelado. “Viramos celebridade e ainda bem que é por uma notícia boa”, orgulha-se. Com a oferta regular de aulas de reforço, a taxa de reprovação caiu dramaticamente. “Temos 200 alunos e apena um deles reprovou no ano passado, acho que isso também refletiu na média, que era para ter sido maior ainda”. De fato, o IDEB é um índice composto que leva em conta a taxa de aprovação e a nota obtida pelos alunos na Prova Brasil. Ao derrubar as taxas de reprovação com medidas simples, como aulas de reforço, as escolas municipais de Foz do Iguaçu somaram pontos preciosos no IDEB. E m 2011, a taxa de aprovação no 5º ano foi de 100% em 44 das 51 escolas da rede, sem promoção automática.

Lição nº 9: Uma boa educação começa pela base

A pequena revolução educacional realizada pela atual administração de Foz do Iguaçu tem sido comandada por um prefeito que às vezes insiste em ser turrão e teimoso, sobretudo quando se trata de defender sua convicção férrea de que as desvantagens iniciais de crianças pobres não são um obstáculo intransponível para a aprendizagem e o sucesso escolar. Os resultados alcançados pelas 51 escolas municipais no IDEB 2011 parecem confirmar sua tese. Para prová-la, ele investiu pesadamente na expansão da rede de CMEIs, que hoje atende cerca de 11 mil crianças de 0 a 6 anos. Com excelente infraestrutura física e bom atendimento, as creches do município deixaram de ser “depósito de criança”, para assumir sua função educativa. “Nossas crianças estão sendo alfabetizadas a partir dos dois anos”, exagera o prefeito, um entusiasta do método fônico de alfabetização. Aliás, a ênfase na alfabetização é uma das suas obsessões, a tal ponto que o fundo das piscinas das escolas é decorado com as letras do alfabeto para que as crianças possam ir se familiarizando com elas ludicamente. O que não dá para negar é que este trabalho de base está mudando a trajetória de milhares de crianças de famílias de baixa renda, mitigando desde a primeira infância os impactos que as gritantes desigualdades sociais têm na trajetória escolar. Imodesto com os resultados do IDEB, o prefeito promete desconstruir as “teses acadêmicas” que insistem em mostrar a forte correlação existente entre rendimento escolar e condições socioeconômicas. Na realidade, sua reforma já está demonstrando que uma escola pública de qualidade é o melhor antídoto para o fracasso escolar e a exclusão social.

Lição n 10: O aluno deve ser o centro do processo de ensino-aprendizagem

Parece óbvio ululante que toda escola que se preze deve colocar o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem. Afinal, a missão da escola é educar. O que varia é o que se compreende por uma boa educação. Um risco comum associado a sistemas centralizados de avaliação, como a Prova Brasil, aplicada a cada dois anos para alunos do 5º e do 9º ano do ensino fundamental, é incentivar as escolas a “ensinar para o teste”. As escolas municipais de Foz do Iguaçu sucumbiram a esta tentação e, por incentivo da Secretaria Municipal de Educação, passaram a utilizar apostilas e aplicar simulados da Prova Brasil. A preparação para este teste que – combinado com a taxa de aprovação – serve para calcular o IDEB, pode acarretar o empobrecimento do currículo e resultar numa educação mecanicista que não preparar os estudantes adequadamente para as etapas subsequentes da sua trajetória escolar. A melhor maneira de evitar que isso ocorra é seguindo à risca a posição defendida pela Secretária Municipal de Educação, Joane Vilela, para quem os esforços devem ser direcionados “não só a melhorar os índices do IDEB, mas também a qualidade do ensino”. O próprio MEC reconhece as limitações da metodologia do IDEB para aferir a qualidade do ensino. Portanto, o aumento do IDEB deve vir como reflexo de uma política educacional que coloca o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem e não como finalidade última de uma política que privilegia a preparação para o teste, numa imitação grotesca de cursinhos pré-vestibulares.

O próximo desafio

Os mesmos resultados do IDEB 2011 que trouxeram excelentes notícias para os pais cujos filhos freqüentam as 51 escolas municipais de Foz do Iguaçu, também trazem motivos de grande preocupação. Afinal, o segundo ciclo do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), está a cargo de escolas estaduais que tiveram desempenho sofrível no IDEB. O contraste entre as notas obtidas pelas escolas municipais e estaduais não poderia ser mais alarmante. Enquanto o IDEB das escolas municipais de Foz variou entre 6,2 e 8,6, nas 27 escolas estaduais de ensino fundamental as notas se distribuíram entre 2,4 e 5,8, com a maioria delas situando-se abaixo de 4,0. Uma calamidade!

Um aluno que neste ano está matriculado no 5º ano do ensino fundamental numa escola municipal de Foz do Iguaçu, em 2013 irá obrigatoriamente para uma escola estadual, onde encontrará um nível de ensino significativamente inferior ao que vem recebendo. É o que mostra o IDEB, de forma consistente e contundente. Todo esforço realizado pelas escolas municipais para formar uma base sólida na primeira etapa do ensino fundamental poderá ser perdido, caso seja mantido o brutal desnível entre as duas redes revelado pelo IDEB. O que acontecerá com os alunos que sairão de boas escolas municipais para prosseguir seus estudos em escolas estaduais ruins? Já dá para prever os resultados: aumento das taxas de reprovação e evasão e, como corolário, fracasso escolar. É o que já acontece. No ensino médio, a situação só piora.

O abismo revelado pelo IDEB entre a qualidade de ensino oferecido pelas escolas das redes municipal e estadual de Foz do Iguaçu chama a atenção para um problema que terá que ser enfrentado. A municipalização completa do ensino fundamental é a melhor solução. Uma emenda constitucional poderá facilitar o caminho para esta transição, já que hoje a oferta do ensino fundamental público é responsabilidade compartilhada de Estados e Municípios.

O IDEB pode servir como “medida” da capacidade e competência dos municípios para assumir integralmente o ensino fundamental. Municípios cujas escolas alcancem níveis de desempenho satisfatório no IDEB, como é o caso notório de Foz do Iguaçu, estariam aptos a assumir a gestão das escolas estaduais de ensino fundamental. Obviamente, a transferência de responsabilidade deve vir acompanhada da transferência correspondente de recursos. Com o Fundo de Desenvolvimento de Manutenção da Educação Básica (FUNDEB), os repasses de recursos estão assegurados. Mais complexa será a negociação para cessão em comodato de prédios escolares e transferência de pessoas. Nada que não possa ser resolvido com bom senso e regras claras, que preservem os direitos dos trabalhadores em educação.

O que não dá é para fingir que a situação atual atende aos interesses dos alunos e da sociedade. O Estado deveria se ocupar exclusivamente do Ensino Médio, que vai muito mal, segundo o IDEB, facilitando a transferência das escolas de ensino fundamental para os municípios que, como Foz do Iguaçu, já provaram que sabem gerir melhor as escolas públicas. Este é o desafio que a próxima administração municipal terá que enfrentar. Se o controle das escolas públicas virar objeto de disputa política, os alunos serão as principais vítimas.

——————————————————————————————————————

(*) Paulino Motter, especialista em políticas públicas e gestão governamental, atualmente cedido à ITAIPU Binacional, onde exerce o cargo de consultor do Diretor-Geral Brasileiro. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Educação pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). Foi chefe de gabinete do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), instituição vinculada ao Ministério de Educação, responsável pelo IDEB.

Todas as declarações reproduzidas neste artigo foram extraídas de reportagens publicadas pelos jornais Gazeta do Iguaçu e Gazeta do Povo na edição de 15/08/12, exceto as declarações do prefeito de Foz do Iguaçu, Paulo Mac Donald Ghisi, dadas em conversa pessoal com o autor.

Ensino Médio: escolher e aprofundar, e não diluir

Comentando os resultados desastrosos do ensino médio brasileiro, confirmados pelos dados recém divulgados do IDEB, o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, falou do absurdo que é exigir que os todos os alunos tenham que estudar 13 matérias diferentes neste nível, e o jornal Folha de São Paulo anunciou que “o Ministério da Educação prepara um novo currículo do ensino médio em que as atuais 13 disciplinas sejam distribuídas em apenas quatro áreas (ciências humanas, ciências da natureza, linguagem e matemática). A mudança prevê que alunos de escolas públicas e privadas passem a ter, em vez de aulas específicas de biologia, física e química, atividades que integrem estes conteúdos (em ciências da natureza). A proposta deve ser fechada ainda neste ano e encaminhada para discussão no Conselho Nacional de Educação, conforme a Folha informou ontem. Se aprovada, vai se tornar diretriz para todo o país”. O modelo a seguir seria o do ENEM, que se divide em quatro áreas, “ciências humanas”, “linguagens e códigos”, matemática e “ciências da natureza”, cada qual com as respectivas tecnologias.

A preocupação do Ministro é correta e muito oportuna, ainda mais se pensamos que hoje os jovens que queiram ter uma formação técnica de nível médio precisam fazer todas estas disciplinas obrigatórias mais as de sua especialização técnica. No entanto, a solução proposta pode levar a uma situação pior do que a atual. A razão é que não existe, como as vezes se pensa, alguma coisa que se chame “ciências sociais” ou “ciências naturais” em geral, e sim ciências e áreas de formação específicas, cada qual com seus métodos, tradição de trabalho, autores centrais e cultura própria, da mesma maneira que não existe um “método científico” em geral, mas abordagens experimentais, analíticas e interpretativas próprias das diversas áreas de conhecimento. Esta é uma discussão filosófica complicada que não caberia aprofundar aqui, mas o que significa, na prática, é que a única maneira de realmente entrar no mundo da cultura e do conhecimento é escolher uma ou poucas áreas de estudo e se aprofundar nelas, e não tentar entender o conjunto em sua generalidade. O mesmo vale para quem opte por uma via mais prática e profissional, a partir da qual os conhecimentos de natureza mais geral podem ser ampliados e aprofundados.

Para o ensino médio, isto significa que os estudantes precisam poder optar por poucas disciplinas e se aprofundar nelas, e não tentar aprender generalidades ou um pouquinho de cada coisa. Se o interesse for física, economia, inglês ou eletrônica, então ele deve poder se dedicar a isto e deixar de lado todo o resto, e não se preocupar com “ciências na natureza”, “ciências sociais” ou “linguagem” de maneira geral, coisas que poderão vir depois a partir destas escolhas. Uma vez escolhidos os temas, é necessário aprofundar os estudos com autonomia, buscando recursos didáticos disponíveis, experimentando, escrevendo e tendo seu progresso estimulado e acompanhado por professores competentes.

A outra observação é que o currículo do ensino médio brasileiro, embora muito detalhista e extenso, não inclui áreas de grande importância no mundo contemporâneo como a estatística, a economia, direito, ciência política e computação, ao mesmo tempo em que exige disciplinas como filosofia e sociologia que, embora possam ser muito interessantes e produtivas, correm o risco sério de serem dadas de forma extremamente rasa e preconceituosa quando tornadas obrigatórias.

Mas será que, além disto, não existem algumas coisas mais gerais que todos deveriam saber? O consenso é que todos deveriam desenvolver bem o domínio da língua e da matemática, e que isto deve ser trabalhado até o fim da educação fundamental, para que os estudantes já cheguem ao ensino médio com esta formação pronta. Mesmo aqui, no entanto, temos muito que avançar no entendimento sobre o que, realmente, todos os estudantes precisariam aprender. Em um artigo recente no The New York Times, o conhecido cientista social Andrew Hacker critica a exigência, nos Estados Unidos, de que todos os estudantes aprendam álgebra, e mostra como esta exigência faz pouco sentido, porque é pouco demandada no mercado de trabalho e é responsável por grande parte dos problemas de fracasso escolar que ocorrem nos Estados Unidos.

Diz ele: “Of course, people should learn basic numerical skills: decimals, ratios and estimating, sharpened by a good grounding in arithmetic. But a definitive analysis by the Georgetown Center on Education and the Workforce forecasts that in the decade ahead a mere 5 percent of entry-level workers will need to be proficient in algebra or above. And if there is a shortage of STEM graduates, an equally crucial issue is how many available positions there are for men and women with these skills. A January 2012 analysis from the Georgetown center found 7.5 percent unemployment for engineering graduates and 8.2 percent among computer scientists.”

E conclui dizendo que  “Instead of investing so much of our academic energy in a subject that blocks further attainment for much of our population, I propose that we start thinking about alternatives. Thus mathematics teachers at every level could create exciting courses in what I call “citizen statistics.” This would not be a backdoor version of algebra, as in the Advanced Placement syllabus. Nor would it focus on equations used by scholars when they write for one another. Instead, it would familiarize students with the kinds of numbers that describe and delineate our personal and public lives. It could, for example, teach students how the Consumer Price Index is computed, what is included and how each item in the index is weighted — and include discussion about which items should be included and what weights they should be given. This need not involve dumbing down. Researching the reliability of numbers can be as demanding as geometry. More and more colleges are requiring courses in “quantitative reasoning.” In fact, we should be starting that in kindergarten.”

Esperemos que, ao levar à frente a indispensável reforma do ensino médio, o Ministério da Educação não recaia nos equívocos do ENEM, trocando os conhecimentos retalhados de hoje por generalidades sem conteúdo, e opte por dar aos estudantes possibilidades reais de escolha, aprofundamento e melhor formação.

Quanto vale um título?

A comparação que apresentei ontem  dos rendimentos de todos os trabalhos entre professores universitários e outras pessoas com educação superior foi criticada porque ela não tomou em conta as diferenças de titulação entre os dois grupos. De fato, a renda do trabalho de pessoas com títulos de mestrado e doutorado é bem maior do que a dos que têm somente graduação, e isto ocorre tanto no setor público quanto no privado. Quando controlamos a renda pelo nível de formação, encontramos que os níveis de renda são muito próximos entre os setores público e privado, tanto para a população geral quanto para os professores, com uma pequena vantagem para os que trabalham no setor  privado. Estes dados se referem a pessoas empregadas, e não incluem os que trabalham como empregadores ou por conta própria.

Os dados mostram também que, dos cerca de 80 mil doutores identificados pelo Censo Demográfico, 60 mil trabalham no setor público e, destes, 33 mil trabalham como professores de nível superior.   Foi possível observar que muitos médicos aparecem no censo como doutores, mas provavelmente não têm títulos formais de doutorado, o que significa que a proporção de doutores empregados pelas universidades públicas deve ser ainda maior.

A pequena vantagem salarial do setor privado é compensada pelos benefícios associados ao emprego público e, mais especialmente, ao trabalho como professor (estabilidade, férias prolongadas, aposentadorias de serviço público, etc), permitindo que se conclua que a renda dos professores do ensino superior público é bem competitiva em relação à renda do setor privado.

Professores universitários ganham bem?

Quase ninguém está contente com próprio salário, e o conceito de “ganhar bem”  ou mal depende muito de com quem nos comparamos e quanto achamos que vale nosso trabalho. O Censo Populacional de 2010 dá informações sobre diversos tipos de renda declarada das pessoas,  sendo uma delas a renda de todos os trabalhos que representa razoavelmente o nível  vida alcançado pelas pessoas, embora se saiba que existe uma tendência para as pessoas declararem renda mais baixa do que as que de fato têm. O que observamos, de qualquer maneira, é que a renda média de todos os trabalhos dos professores universitários do setor público (incluindo aí tanto as universidades federais como as estaduais) era de cerca de 5.700 reais, comparado com a média de 3.800 reais para o conjunto de funcionários públicos de nível superior, e um pouco acima da média dos mesmos profissionais no setor privado. Também no setor privado, a renda média dos professores universitários é significativamente maior do que a renda média do total de pessoas de nível superior. Nesta comparação, os professores universitários ganham bem.

Comparações internacionais são mais difíceis de fazer, pelas grandes diferenças entre regimes de trabalho, taxas de câmbio, tipos de contrato, benefícios adicionais, categorias profissionais, etc.  Uma das poucas comparações que existem é a de “Paying the Professoriate – A Global Comparison of Compensation and Contracts”, editado por Philip Altbach, Liz Reisberg, Maria Yudkevich, Gregory Androushchak e Iván Pacheco, Routledge, 2012), do qual consta a tabela abaixo.  A origem dos dados sobre o Brasil é o capítulo que preparei para o Brasil que está disponível aqui, e a comparação internacional, baseada nas tabelas de vencimento dos professores das universidades federais (que não incluem gratificações de diferentes tipos) foi feita em termos de poder de compra do dólar (PPP), e não pela taxa de câmbio corrente. É não mais do que uma aproximação, que mostra que os salários de professores universitários do setor público no Brasil estão abaixo dos países mais desenvolvidos, e acima dos países em desenvolvimento  e do antigo bloco comunista.

Published April 3rd 2012 by

 

Naercio Menezes Filho: Mais Gastos com Educação?

Reproduzo abaixo a lúcida análise de Naercio Menezes Filho sobre a meta do Plano Nacional de Educação de gastar 10% do PIB no setor, publicada no Valor Econoômico de 25/07/2012  O autor é  Professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e  Professor associado da FEA-USP.

 Mais gastos com educação?

A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece, entre outras metas, que os gastos com Educação deverão atingir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020. O plano vai agora para o Senado e, depois, para a presidência da República. Devemos ficar felizes ou tristes? Será que o problema da Educação no Brasil é mesmo a falta de recursos?

Em primeiro lugar, deve ficar claro que o PNE é somente uma carta de intenções. Nada garante que as metas serão efetivamente atingidas. Basta verificar o que aconteceu com as metas do PNE anterior (aprovado em 2000). O plano previa, por exemplo, que 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade seriam atendidas em Creches em 2010. Os últimos dados disponíveis mostram que apenas 19% das crianças brasileiras nessa idade estão em Creches. Mas, nada irá acontecer com os municípios que não cumpriram a meta. O mesmo aconteceu com praticamente todas as outras metas do plano anterior.

Vale notar também que, apesar de ser apenas uma carta de intenções, algumas das metas do plano anterior, aprovado pelo Congresso, foram vetadas pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. Entre elas estava justamente o aumento progressivo dos gastos com Educação para 7% do PIB em 2010. O argumento utilizado foi o de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impedia que fossem colocados em lei programas que implicassem novas despesas sem as respectivas indicações das receitas. Como a LRF continua em vigor, espera-se que o Senado ou a presidente Dilma também retirem essa meta do plano.

Uma das saídas seria redistribuir recursos do Ensino superior para o Ensino básico, em especial o infantil

Além disso, pelo menos três fatores não foram levados em conta pelos formuladores das metas do PNE: a virada demográfica, a distribuição de recursos entre os níveis de Ensino e a relação entre gastos e qualidade da Educação. Com relação ao primeiro ponto, sabe-se que a taxa de fecundidade está declinando rapidamente no Brasil, tendo passado de seis filhos por mulher em 1970 para apenas 1,8 em 2010, abaixo da taxa de reposição da nossa população. Isso significa que o número de crianças em idade Escolar irá diminuir continuamente nas próximas décadas. As projeções do IBGE indicam, por exemplo, que o número de brasileiros de 5 a 19 anos de idade passará de 50 milhões em 2010 para 38 milhões em 2030, ou seja, uma redução de 25% em apenas 20 anos.

Quais serão os efeitos dessa virada demográfica para os gastos com Educação? Atualmente o gasto direto com Educação equivale a 5,1% do PIB, ou seja, R$ 187 bilhões, em valores de 2010. Desse total, 85% são gastos com Educação básica, o que significa que cada Aluno do Ensino básico recebe um investimento médio de R$ 4 mil, equivalente a 20% do nosso PIB per capita. Países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) gastam em média 26% do seu PIB per capita com Educação básica; a Coreia, 30%; o Chile, 18%; e o México, 15%.

Simulações indicam que com a virada demográfica, se o PIB crescer a uma média de 3% ao ano, o gasto por Aluno aumentaria para R$ 6 mil em 2020 e R$ 10 mil em 2030, mesmo que os gastos não se alterem com relação ao PIB. Assim, o gasto por Aluno da Educação básica passaria para 24% do PIB per capita em 2020 e 29% em 2030, atingindo o nível da Coreia do Sul.

Se, além da virada demográfica, os gastos com Educação aumentassem para 8% do PIB, as despesas por Aluno aumentariam para R$ 9 mil já em 2020, atingindo 33% do PIB per capita daquele ano, maiores do que em todos os países da OCDE. Nesse caso, os gastos com Educação básica passariam de R$ 390 bilhões, já em 2020. Não se sabe de onde viriam os recursos para esse aumento de gastos, uma vez que a carga tributária no país já atingiu o limite do suportável. Imagine o que aconteceria caso a meta de 10% do PIB fosse de fato atingida!

O segundo ponto importante diz respeito à distribuição dos recursos educacionais. Hoje em dia, o Ensino superior apropria 15% dos gastos públicos com Educação, mas tem apenas 3% do total de Alunos. Assim, enquanto o Ensino fundamental gasta 20% do PIB per capita por Aluno, o Ensino superior gasta 100%. Poderíamos argumentar que os gastos com Educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o Ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por Aluno no Ensino superior é somente duas vezes maior do que no Ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar que muitos dos Alunos que hoje frequentam o Ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no Ensino básico.

Por fim, vale a pena ressaltar que aumento de gastos não significam aumento da qualidade da Educação. Várias pesquisas, inclusive da OCDE, mostram esse fato de forma inequívoca. Sem melhorar a formação dos Professores, a seleção dos diretores e sem demitir os piores Professores ainda em estado probatório, nada vai mudar, mesmo que gastássemos os 10% do PIB com Educação. Haveria somente uma maior transferência de recursos da sociedade para os Professores, sem melhoria do aprendizado dos Alunos. Assim, a melhor estratégia para a Educação brasileira seria manter os gastos como proporção do PIB e aproveitar o crescimento do PIB e a virada demográfica dos próximos anos para manter apenas os melhores Professores no sistema educacional e redistribuir recursos do Ensino superior para o Ensino básico, especialmente o Ensino infantil, que é a base de tudo.

 

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial