Bestializado

(Versão modificada de artigo publicado em O Estado de São Paulo, 22 de novembro de 2024)

José Murilo de Carvalho, em “Os bestializados”, lembra como o povo do Rio de Janeiro, sem saber do que se tratava,  assistiu à mobilização dos militares que implantaram a República em 1889. Foi assim que me senti ao acompanhar de perto, na Zona Sul do Rio de Janeiro, as grandes movimentações da reunião do G20, só comparáveis às da Olimpíada e da Copa do Mundo em 2014 e 2016. Mais uma vez o Brasil, e especialmente o Rio de Janeiro,  se colocavam no centro do mundo, e eu, tão pertinho, não havia sido convidado…

Não é que o povo, desta vez, tivesse ficado totalmente de fora. A Cúpula Social do G20, alguns dias antes, contou com a presença de milhares de participantes de 271 entidades da sociedade civil, que em três dias aprovaram, por unanimidade, um documento que foi encaminhado ao Presidente Lula para ser incluído na pauta da reunião. Além disso, inúmeros grupos de trabalho e de engajamento foram mobilizados, e a declaração final foi um documento com 85 recomendações e compromissos assinados pelos chefes de estado das maiores economias do mundo, sob a coordenação do governo brasileiro. A proposta de taxação das grandes fortunas não foi aprovada, mas em compensação ficou registrada a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Fala-se em mais de 40 bilhões de dólares a serem mobilizados até 2030, com recursos já existentes em agências como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros a serem levantados. Para gerenciar a aliança, o Brasil desde já vai financiar a instalação de um escritório em Brasília e outro em Roma. Um grande sucesso, e mais uma vez não só a Europa, como o mundo, se curvam diante do Brasil

Será? Criado 25 anos atrás como um fórum para lidar com as crises financeiras internacionais, reunindo ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das grandes potências e países emergentes, o G20 evoluiu para uma reunião anual de chefes de Estado e de Governo, tendo como prioridade o fortalecimento da governança internacional da economia, mas ampliando a agenda para temas como crescimento sustentável, redução da pobreza e desigualdade e clima.  Na reunião do Rio de Janeiro predominou a ideia de que ela deveria contribuir para a instalação de uma nova ordem internacional, baseada no consenso e na participação ampla de países do “sul global” e da sociedade civil, que substituiria a ordem criada depois da Segunda Guerra, com as Nações Unidas, o FMI e o Banco Mundial. Nesta nova ordem países de porte médio, ou “emergentes”, como o Brasil, Índia, México, África do Sul e Indonésia, assumiriam posições de liderança em um sistema multipolar no qual os Estados Unidos e a Rússia teriam menos importância do que até agora. Com a Rússia isolada pela guerra da Ucrânia e a eleição de Trump apontando para um novo isolacionismo americano, esta nova ordem seria claramente liderada pela China. Não é à toa que a figura em destaque da reunião foi Xi Jinping, que vem liderando os esforços de criação de uma um novo sistema internacional multipolar e globalizado liderada por Pequim.

Sem Vladimir Putin e com Joseph Biden em final de mandato, nada de novo surgiu em relação às guerras da Ucrânia e de Gaza, e as propostas de reformular as Nações Unidas, reforçando o peso da Assembléia Geral e a composição do Conselho de Segurança, simplesmente reiteram o que representantes do Brasil e de outros países vêm dizendo há anos, e não há nenhuma indicação de que elas serão implementadas desta vez. Neste como nos temas de mudança climática e as questões emergentes das novas tecnologias de informação e da inteligência artificial, a maioria das decisões e compromissos do documento final são recomendações gerais,  inexequíveis  ou já em andamento de alguma outra forma.

A pergunta que fica é se grandes mobilizações de pessoas e recursos como esta, que culminou com dois dias de caos na Zona Sul do Rio de Janeiro – com tropas e caminhões do exército nas esquinas, aeroporto fechado, motocicletas e sirenes abrindo caminho para as autoridades, sem falar no dinheiro gasto – produz resultados que justificam o esforço, ou não são simplesmente um grande exemplo de turismo diplomático. A resposta está em algum lugar entre os extemos do entusiasmo e do ceticismo total, e eu tendo a ficar mais próximo do segundo. Não há dúvida que juntar pessoas para discutir e elaborar propostas sobre temas importantes é sempre útil, e contatos entre representantes de governos e outras entidades públicas e privadas podem gerar novas modalidades de cooperação. As reuniões servem também para colocar em evidência alguns temas relevantes que algum dia podem gerar políticas e mecanismos específicos de cooperação.

O velho sistema bipolar do pós-guerra já não existe, mas a construção desta nova ordem é uma tarefa difícil, que passa entre outras coisas pela capacidade de a comunidade internacional administrar conflitos locais como as guerras da Ucrânia e Gaza e cooperar efetivamente em grandes temas de comércio, meio ambiente, pobreza e valores democráticos.  É uma construção complexa e incerta, que depende mais de negociações técnicas bi e multilaterais do que por conferências de grande visibilidade como as do G20.

Tomara que as recomendações da reunião do Rio de Janeiro se cumpram. Enquanto isto, se houver lugar, me candidato para trabalhar no novo escritório em Roma que o governo brasileiro vai abrir.

Mussolini

(Publicado no O Estado de São Paulo, 13/03/2020)

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Para entender os movimentos de extrema direita que ocorrem hoje, a leitura de “M – O Filho do Século” de Antonio Scurati, recém-publicado pela Editora Intrínseca, que conta a história do surgimento do fascismo na Itália, é leitura obrigatória. É um romance documental, que faz lembrar o “Romance de Perón” de Tomás Eloy Martinez, publicado em 1998 pela Companhia das Letras, que merece uma reedição.

O fascismo surge das cinzas ainda quentes da Primeira Guerra Mundial, com seus onze milhões de mortos. Vitoriosa, mas economicamente arrasada, a Itália se divide entre um governo liberal, que tenta reconstituir a economia, e um forte movimento socialista que ganha cada vez mais força no campo e nas cidades.  Todos anseiam pela paz, mas Mussolini, que havia começado sua carreira como editor do jornal do Partido Socialista, Avanti!, e sido expulso do partido por defender a entrada na Itália na Guerra, decide abraçar a morte, a violência e o nacionalismo como formas de ação política e busca do poder. 

Seus principais parceiros, no início, são os remanescentes de uma tropa de elite desmobilizada, os Arditi, treinados para assassinar os inimigos, que depois da guerra se sentem frustrados e marginalizados. Scurati os descreve como passando o tempo embriagados, nos bordéis, armados com punhais e envolvidos em atividades criminosas. São eles que Mussolini conquista com seu novo jornal, O Povo da Itália, cujo tema principal é o ataque aos que se opuseram à participação italiana da guerra,  e os organiza com a criação em 1919 do Fasci Italiani di Combattimento, os Grupos Italianos de Combate, simbolizados por uma caveira, que dão início o movimento e do Partido Fascista.

No início, Mussolini e suas milícias paramilitares são olhados com desprezo tanto pelos liberais, que controlam o governo nacional, como pelos socialistas, que cada vez mais controlam os governos locais e ganham espaço no Parlamento. A economia do país continua estagnada, a Itália não consegue participar da partilha do mundo colonial feita pelas potências europeias e os Estados Unidos, e o exemplo da revolução russa inspira entre os socialistas a ideia de que a hora da revolução italiana também está próxima. Mussolini, no início, ainda tentou manter um discurso a favor dos operários e camponeses, e compartilhava, com os setores mais radicais do partido socialista, a ideia de que o regime político liberal não servia para nada, os políticos eram, na melhor hipótese, incapazes, e na pior, corruptos, e só uma revolução poderia resolver os problemas do país. Ambos acreditavam, com Marx e os anarquistas, que a violência era a parteira da história.

Com o país paralisado por greves e ocupações sucessivas de terras e fábricas, os fascistas decidem se colocar como defensores da ordem e, financiados por fazendeiros e empresários, partem para atacar com violência e desmantelar os movimentos e organizações de esquerda, ao mesmo tempo em que, pelo jornal, Mussolini sobe o tom na defesa da violência e do nacionalismo como os únicos caminhos para fazer a Itália voltar aos tempos gloriosos do Império de dois mil anos atrás. Na primeira eleição que em que participam, em 1919, os socialistas e o Partido do Povo Italiano, católico, conquistam a maioria, e os fascistas ficam totalmente marginalizados. Nos dois anos seguintes, que ficaram conhecidos como o “Biênio Vermelho”, a crise econômica se aprofunda, as greves e ocupações de fábricas e fazendas se multiplicam o desemprego continua e os fascistas intensificam sua violência, com assassinatos de líderes populares e destruição das sedes das organizações locais. 

Na eleição de 1921, os fascistas se aliam aos liberais e ganham, deixando os vários partidos da esquerda na oposição. No governo, a crise econômica persiste, e Mussolini continua incentivando o terrorismo, com as milícias agora organizadas em esquadrões dos camisas negras. Em 1922 organiza a “marcha sobre Roma”, em que as milícias avançam sobre a capital exigindo que Mussolini seja nomeado primeiro ministro. O governo hesita, teria sido fácil desmantelar a milícia se o exército decidisse agir, mas todos temem a confrontação.  Na chefia de governo, Mussolini trabalha para desmontar as instituições democráticas, criando dentro do governo uma polícia secreta copiada da Cheka de Stálin, para dar continuidade à violência, e em 1925 assume o poder como ditador.

Mussolini não estava sozinho em seu assalto à democracia, que incluía gestos teatrais,  acordos por debaixo dos panos, o uso descarado da violência contra os opositores, o uso sistemático da mentira e a traição constante a antigos companheiros.  Tinha a simpatia de empresários, como Gianni Agnelli, dono da FIAT, e intelectuais e artistas brilhantes e famosos, como o filósofo Benedetto Croce, o maestro Arturo Toscanini, e a amante, a aristocrática intelectual judia Margherita Sarfatti. Para eles, o Duce tinha seus defeitos, mas havia uma causa maior, a recuperação econômica e renovação da Itália, que tudo justificavam. Deu no que deu.

Luisa F. Schwartzman: A Amazônia, o Brasil e Colonialismo

Com o mundo chocado diante do fogo na Amazônia, o nosso presidente decidiu denunciar o colonialismo europeu, quando líderes e entidades europeias resolveram se pronunciar em defesa da preservação da floresta. Não é a primeira nem a última vez que a direita autoritária se apropria dos discursos tradicionais da esquerda. Na Europa mesmo, por exemplo, podemos ver políticos de direita, de uma hora para outra, virando campeões dos direitos feministas e LGBQT, como forma de justificar suas atitudes racistas contra imigrantes muçulmanos. Nos Estados Unidos, vemos a apropriação de uma tradição de esquerda de criticar as instituições científicas, para abafar o debate sobre as mudanças climáticas.

O colonialismo sempre foi um bicho complicado de entender, mas está em tempo de a gente discutir o que ele significa no caso do Brasil, e de países como o Brasil, como muitos sociólogos e historiadores já fizeram. O Brasil não é simplesmente um país colonizado pelos Portugueses (e mais recentemente, pelos Estados Unidos). Vale lembrar que a nossa independência foi feita pela família real Portuguesa (D. Pedro I) para garantir seu controle sobre a antiga colônia. O país foi construído em cima da terra e da vida dos povos indígenas (que continuamos destruindo em nome do “nosso” progresso), e das vidas, corpos e suor de milhares de africanos que trouxemos para cá, e de seus descendentes.

Vale a pena relembrar o século XIX, quando já éramos um país independente, mas ainda escravocrata e colonizador dos povos indígenas. Os interesses internacionais eram complicados. O império britânico, que tinha se beneficiado imensamente da escravidão nos séculos anteriores, resolveu abolir a escravidão e ir atrás do tráfico internacional de escravos. Não eram bonzinhos: a escravidão foi utilizada como pretexto para os britânicos ocuparem vários territórios na África, explicando que iam erradicar a escravidão dentro do continente, que na verdade foi substituída por outras formas de trabalho forçado. Mas a pressão britânica, em última instância, foi essencial para ajudar a abolir o tráfico de escravos e finalmente a própria escravidão em nosso país, que foi a última a terminar nas Américas.

Os interesses nacionais e internacionais na Amazônia no século XIX também nos ajudam a pensar de forma mais complicada sobre o colonialismo. Com o fim da escravidão nos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana, as elites escravocratas do Sul dos Estados Unidos começaram a olhar para a Amazônia como um lugar onde a escravidão poderia continuar (e continuava a todo o vapor, com o apoio das elites brasileiras), como parte do imperialismo americano que estava expandindo naquela época. Muitos fazendeiros do sul dos Estados Unidos se tornaram plantadores de café no Brasil, na região que hoje se chama Americana, justamente para poder continuar a explorar o trabalho escravo. Os europeus também estavam interessados na Amazônia. O governo brasileiro trabalhou para defender o “nosso” território diante dessas ameaças (mas em nenhum momento questionando a escravidão), expandindo a presença de migrantes brasileiros vindos de outras regiões, em uma ocupação que foi desastrosa para os povos indígenas.

Mais recentemente, durante a ditadura militar, nossas alianças com o colonialismo também foram complicadas, quando o Brasil inicialmente se aliou ao colonialismo português na África, e depois com os países do Terceiro Mundo que ficavam independentes. Alianças com os países do Terceiro Mundo foram feitas mais como uma defesa de interesses econômicos do Brasil nessas regiões do que como uma defesa de direitos humanos, que estavam, ao mesmo tempo, sendo brutalmente suprimidos no nosso país. O nosso desenvolvimentismo (que uma parte importante nossa esquerda também apoiou e continua apoiando) foi criado à custa de um crescimento brutal da desigualdade social, da colonização desenfreada da Amazônia e destruição de milhares de vidas de povos indígenas e do meio ambiente. O governo recente do PT também, apesar de sua preocupação com a desigualdade, com a diversidade e com o racismo, não trabalhou o suficiente para repensar o nosso modelo desenvolvimentista e seus impactos no meio ambiente, nas vidas dos povos da Amazônia e na vida dos brasileiros. Os governos Temer e Bolsonaro pioraram bastante a situação quando, em conluio com a bancada ruralista e companhias mineradoras, afrouxaram as leis ambientais e indigenistas para a exploração econômica, levando a um crescimento vertiginoso do desmatamento este ano.

Eu moro no Canadá. Em Janeiro deste ano, logo depois da eleição de Bolsonaro e do desastre de Brumadinho, vi representantes do governo brasileiro, muito preocupados com o colonialismo, virem aqui para Toronto para a maior conferência de mineração e prospecção do mundo, e dizerem para as companhias de mineração estrangeiras que operam no Brasil (inclusive na Amazônia) para não se preocuparem, porque o governo brasileiro estava afrouxando as leis ambientais e de proteção aos povos indígenas para facilitar a exploração. Os interesses internacionais e nacionais na Amazônia não estão em oposição, o que está em oposição são projetos, ideologias e interesses econômicos, que fazem alianças distintas dentro e fora do país.

Temos que sair dessas dicotomias e entender qual tipo de vida nós queremos para os seres humanos que vivem neste planeta, que inclui a população brasileira. A preservação da Amazônia e do meio ambiente têm um impacto direto na vida dos brasileiros. A destruição da Amazônia afeta diretamente o clima do Brasil, nossas fontes de água, nosso clima, e a vida de milhões de pessoas (indígenas ou não) que moram na região. O crescimento econômico desenfreado e desregulado só vai enriquecer alguns poucos de nossos compatriotas. A qualidade de vida da maioria dos brasileiros depende de repensarmos nossas relações uns com os outros, com o mundo, e com a natureza.

Pronunciamento das Academias de Ciência da Venezuela: contra a violência e pelo pluralismo

Diante da violência do governo contra a manifestações públicas de protesto, as academias de ciência da Venezuela lançaram um documento em que, além de exigir do governo que acabe com a repressão e garanta os direitos democráticos de expressão, rechaça de maneira categórica “todo o intento de impor um pensamento único na condução do país”. O documento do Comitê Interacadêmico das Academias Nacionais está disponível aqui.

Convite para o lançamento do livro: “Rio – a hora da virada”

SUMARIO

PREFÁCIO: Eduardo Paes

PARTE I: A RECUPERAÇÃO DO RIO

1 – Rio: a hora da virada André Urani e Fabio Giambiagi
2 – Finanças públicas do Estado do Rio de Janeiro: modernização, eficiência e preparação para o desenvolvimento sustentável Renato Vilela e Paulo Tafner
3 – Finanças do município do Rio de Janeiro: o desafio de preparar a cidade para um salto dos investimentos e para o crescimento sustentável Eduarda Cunha de La Rocque e Alessandra Augusta L. G. S. Souza
4 – Os recursos do petróleo e as perspectivas para os investimentos no estado do Rio de Janeiro Julio Cesar Carmo Bueno e Luiz Octavio Bicudo Casarin
5 – Os grandes eventos de 2011 a 2016 e seus legados para a cidade Felipe Góes
6 – A evolução do ambiente de negócios no Rio de Janeiro José Luiz Alquéres
7 – Segurança pública no Rio de Janeiro: o caminho das pedras e dos espinhos Sérgio Guimarães Ferreira
8 – Rio Como Vamos – uma experiência de cultura cidadã Rosiska Darcy de Oliveira e Thereza Lobo

PARTE II: REPENSANDO O RIO DE JANEIRO

9 – Rio, capital da energia Eloi Fernández y Fernández e Alfredo Renault
10 – Sustentabilidade é competitividade: para o Rio e para o Brasil Sérgio Besserman Vianna, Rodrigo Rosa e Clarissa Lins
11 – Rio de Janeiro: logística e geração de vantagens competitivas Paulo Fernando Fleury, Maria Fernanda Hijar e Alexandre Lobo de Paula Barros
12 – O desenvolvimento de uma economia criativa Ana Carla Fonseca Reis
13 – A marca Rio: uma promessa ainda por ser entregue Ana Couto e Bruno Israel
14 – Uma Rio-Disney: pensando no pós-2016 Lucas Ferraz e Fabio Giambiagi

PARTE III: DESAFIOS A ENFRENTAR

15 – Pobreza no Rio de Janeiro: tendências recentes e desafios para o futuro Ricardo Paes de Barros e Valéria Pero
16 – A saúde no Rio de Janeiro: o velho compromisso pendente Flavia Poppe de Muñoz
17 – Melhorar a qualidade da educação no Rio de Janeiro: um longo caminho Simon Schwartzman
18 – UPPs Sociais: ações sociais para consolidar a pacificação Ricardo Henriques e Silvia Ramos
19 – Municípios do estado do Rio de Janeiro: prosperidade em perspectiva ou riscos à frente? Paula Alexandra Nazareth

As transformações das universidades e da cooperação internacional|Changing universities and academic outreach

Changing universities and academic outreach. Paper for the  prepared for the New Century Scholar’s program, Fulbright Commission, 2009-2010. Preliminary version, for comments only.

Abstract:  Academic international cooperation between US and Western Europe and developing countries reached its peak in the 1960s and 1970s, through a combination of increased support for higher education, science and technology in the US and Europe; the economic development and modernization drives of former colonial and developing countries; and the foreign policy of he US and Western Europe during the cold war years. Already in the 1980s, however, it had lost much of its priority, due to a succession of failures of international cooperation, a growing skepticism about the promises of modernization, a growing concern with issues of poverty and human rights, and the expansion of private higher education and the priority given to globalization and international competitiveness by the major universities in the US and elsewhere.

This essay describes this development with a special emphasis on the links between the US and Latin America, and discusses the issues associated with the current trends.   It concludes that truly cooperative undertakings are needed, and require stable, competent and reliable patterns on both sides, recreating the global epistemic communities that could provide the basis for their permanence. Given the differences in wealth and competency, these North-South links will never be fully symmetrical regarding resources and knowledge transfer, but they should be as symmetrical as possible in terms of the genuine effort of each side to understand the needs, the conditions and the perspectives of the other.

As transformações das universidades e da cooperação internacional (em inglês). Texto preparado para o New Century Scholar Program da Comissão Fulbright. Versão preliminar, para somente comentários.

Sumário: A cooperação acadêmica internacional entre os Estados Unidos, e Europa Ocidental e os países em desenvolvimento atingiu seu auge nos anos 60 e 70,  por uma combinação de fatores como o amumento do apoio dos governos ocidentais à educação sueprior e à pesquisa,  a busca de desenvolvimento econômico e modernização por parte das antigas colônias e os países em desenvolvimento, e a política externa dos países ocidentais nos anos de guerra fria.  Já na década de 80, no entnato, este tipo de cooperação havia perdido prioridade, graças ao ceticismo crescente em relação às metas de desenvolvimento e modernização, à preocupação crsescente com os temas da pobreza e dos direitos humanos, e a expansão do ensino superior privado, e a preocupação crescente com a globalização e a competitividade internacional por parte das principais universidades americanas e européoas

Este ensaio narra estes desenvolvimentos, com ênfase nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e discute os temas associados a estas novas tendências. A conclusão é que atividades de cooperação internacional continuam sendo importantes e necessárias, e requerem parceiros estáveis, competentes e confiáveis dos dois lados, que possam recriar as comunidades epistêmicas que são  a base de sua permanência. Dadas as diferenças de renda e capacitação, as relações entre países do norte e do sul nunca serão simétricas em termos de transferência de conhecimentos, mas precisam ser tão simétricas quanto possível em termos do esforço genuino de cada parte de entender as necessidades, as condições e as perspectivas de cada um.

A tragédia do Haiti

No meio dos horrores da tragédia do Haiti, a análise mais inteligente que vi até agora é de David Brooks no New York Times de 14 de janeiro. Ele começa comparando o terremoto de San Francisco em 1989, de magnitude 7, quando morreram 63 pessoas, e o de agora, da mesma magnitude no Haiti, com centenas de milhares de vítimas. A diferença principal é a pobreza; e o problema de fundo é que, por muitos anos, tem havido muitos esforços de ajudar o Haiti a sair da situação de pobreza extrema em que sempre esteve atolado, e nada parece funcionar. Será que, passada a tragédia, será possivel encontrar novos caminhos, além da caridade bem intencionada que não funciona?  Vale muito a pena ler.

Neste  momento, o grande problema do Haiti não é a falta de dinheiro, nem de gente e países querendo ajudar, mas a coordenação e a logística necessária para fazer a ajuda chegar às pessoas necessitadas. O Brasil, com o contingente militar que tem lá e os suprimentos e pessoal de socorro que está enviando, deve ter um papel importante, embora menor do que o que o governo e  a imprensa procuram fazer crer. Outro dia a manchete dos jornais era que Estados Unidos e Brasil estavam coordenando os trabalhos, quando a desproporção entre o envolvimento americano e brasileiro é enorme, como não poderia deixar de ser. E a nota deprimente foi o protesto do ministro Celso Amorim junto ao governo americano porque os nossos aviões não estavam tendo prioridade no aceesso ao espaço aéreo do Haiti, cujo controle o governo americano precisou assumir, tentando criar assim um incidente político-diplomático no pior momento possível.

Bernardo Sorj: Oriente Médio: o caminho da paz não passa pelo maniqueísmo

A invasão de Gaza pelas tropas de Israel é mais um capítulo de uma tragédia de radicalizações e equívocos diante da qual é muito fácil tomar posições movidas pela emoção ou pelo oportunismo, e muito difícil buscar caminhos que possam levar a uma paz duradoura.  O que penso a respeito está muito bem expresso no artigo abaixo, de Bernardo Sorj.

Compreender sem  simplificar

O conflito no Oriente Médio é  complexo. Aqueles que procuram  transformá-lo  num filme de Hollywood  no qual o mocinho e o bandido são claramente identificáveis e em que um lado representa o bem e o outro lado o mal estão fazendo um desserviço à   verdade  e à causa da paz.

Como em geral acontece com  os dramas  históricos, o conflito no Oriente Médio é  a conseqüência não-intencional de projetos humanos em que cada ator social procura realizar seus próprios objetivos, que terminam colidindo  com os de outro ator.  Tendo como base o drama de dois povos reivindicando a mesma terra, as lideranças políticas de ambos  lados  acumularam  erros que  alimentaram a desconfiança e o extremismo no interior de cada povo, dificultando ainda mais o caminho da paz.

Que erros foram esses? Sem entrar em detalhes históricos que fugiriam aos limites deste curto artigo, podemos indicar, nas últimas décadas, do lado dos governos  israelenses, a ocupação militar e a expansão constante das colônias na Cisjordânia e, do lado das lideranças palestinas, a conivência com o terrorismo e a ambigüidade em relação à plena aceitação da existência do Estado de Israel.

Criticar sem ofender nem mentir

O caminho da paz exige a comunicação e o reconhecimento da humanidade de todos. Quem quer a guerra vê o demônio no outro. Desumanizar o adversário, em algum momento, justifica a sua destruição. Durante os cinco anos  morei em  Israel e  lutei com meus colegas árabes pela paz e contra a política israelense de colonizar os territórios conquistados na guerra de 1967. Na época, enfrentei com meus colegas  os políticos israelenses que procuravam assimilar  Arafat a  Hitler e o movimento palestino, ao nazismo. Hoje sofro quando vejo grupos pró-palestinos fazerem o mesmo em relação ao sionismo. Dizer que  o sionismo equivale ao nazismo é uma mentira deslavada, uma agressão moral. E, como tal,  produz do lado israelense e judeu uma reação defensiva que alimenta o  sentimento de incompreensão e a incomunicação. Sejamos claros: Hitler exterminou sistematicamente todos os judeus que se encontravam nos territórios ocupados pela Alemanha nazista. Acontece que, no  Estado de Israel,  em l949, viviam 120.000  árabes. Hoje, hoje eles são mais de um milhão. Calcula-se em  torno de 500.000 os refugiados árabes da guerra de 1948. Eles e seus descendentes  somam de  4 a 5 milhões. Não houve, em nenhum sentido possível do conceito, um genocídio. Não se trata de negar o sofrimento pelo qual passou e passa o povo palestino. Mas não desvalorizemos os fatos históricos,  respeitando  os sentimentos daqueles que passaram pela experiência do  holocausto.  E lembremos, sobretudo, que  as palavras não são ingênuas.  Quem fala de genocídio transforma o outro em genocida,  o que permite que seja  tratado como tal.

Direitos humanos ou instrumentalização política?

Entendo  a simpatia e solidariedade com a causa palestina, seja  do mundo árabe, de descendentes de árabes e muçulmanos e de  pessoas de boa vontade identificada com o sofrimento palestino. Este sentimento é compreensível, assim como é a preocupação de judeus e não-judeus com a segurança de Israel. Mas em nenhum dos dois casos é aceitável o apoio acrítico  a lideranças radicais, seja israelenses que não se dispõem á devolver os territórios conquistados, seja  palestinas que sustentam um programa político que propõe a destruição do Estado de Israel. Preocupa-me e dói a manipulação política do conflito por intelectuais e organizações que, no Brasil e no exterior,  assumem uma posição antiisraelense primária, em geral ignorante da história da região que,  por momentos, beira  o anti-semitismo e cuja única motivação é uma ideologia política que associa Israel aos Estados Unidos. Para tais grupos, os Estados Unidos são o grande inimigo. Ergo, quem está  associado com o diabo, diabo é. Preocupa e dói porque esses indivíduos e grupos manipulam a bandeira dos direitos humanos, porém não têm nenhum compromisso real com o sofrimento humano. Porque, se tal sentimento existisse, estariam também fazendo panfletos e circulando com as bandeiras do povo checheno, curdo, sudanês ou  tibetano, que custaram e continuam cobrar a vida de milhões de pessoas. Mas a agenda destes grupos não é a dos direitos humanos nem a da paz do Oriente Médio. É uma agenda política que quer ver o circo pegar fogo para confirmar os preconceitos ideológicos. É, portanto, uma agenda perigosa, irresponsável e desumana.

O povo palestino e o mundo árabe, Israel  e o povo judeu não  são homogêneos

No ardor da  luta  contra o ataque militar  israelense,  parte da  mídia e de grupos pró-palestinos e pró-Israel transmite a  imagem de que a causa palestina e o mundo árabe e muçulmano, assim como  Israel e o povo judeu, constituem uma unidade. Transformam um  conflito político nacional no qual estão em jogo interesses e estratégias terrenas em um conflito religioso. Nada mais longe da realidade. O mundo árabe está – e sempre esteve – dividido.  Para cada governo árabe, a causa palestina ocupa um lugar específico no seu  projeto político interno e externo.  Afinal, não podemos esquecer que o território reivindicado pelo povo palestino para a criação de seu Estado nacional esteve, entre 1948 e 1967, nas mãos da Jordânia e do Egito, não de Israel. No lado israelense, a divisão política interna sempre foi explícita e, embora as relações entre boa parte da diáspora judaica e Israel sejam de solidariedade, isso  não significa nenhum alinhamento ou co-responsabilidade com os governos eleitos pelos cidadãos de Israel (inclusive pelos 20% de árabes israelenses).

Lembrar que não vivemos em mundos culturais formados por blocos coesos é fundamental. O fanatismo e o extremismo de cada lado se alimentam mutuamente.  Falemos claro: nem o extremismo palestino nem o israelense têm interesse em negociações políticas, pois nenhum deles está disposto a abrir mão de seus sonhos maximalistas. O caso do assassinato de Rabin é exemplar: morto por um extremista  israelense,  sua obra de pacificação  não pôde ser completada por Shimon Peres,  pois, apesar de sua  enorme vantagem inicial na campanha eleitoral, a onda de atentados terroristas palestinos  levou ao poder um primeiro- ministro da extrema direita.

O que será?

Nenhum povo  tem  o monopólio  da moral nem está ao abrigo de entrar num ciclo de destruição.  Quem quiser procurar na história fatos favoráveis à versão de  cada lado os encontrará em quantidades monumentais. O caminho da paz exige um doloroso esforço de abandono dos mitos e ilusões que cada parte  elaborou  sobre si mesmo e o outro. O    passado não  pode  ser esquecido, todavia será em torno de uma visão do futuro que  um novo presente poderá ser construído.

Penso que nós,  que não participamos diretamente da vida política dos países da região devemos lutar pelo essencial: apoiar a abertura de todos os  canais  de comunicação, de toda iniciativa de paz. Nós, que temos a sorte de viver  no Brasil, um país  que, apesar dos imensos  problemas sociais, é um exemplo para o mundo de convivência prazerosa entre as diversas religiões, devemo-nos esforçar por alimentar o diálogo, a esperança  e a abertura  de espírito, não permitindo que a intolerância e o ódio nos contaminem.

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Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da UFRJ e Diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sócias

O lugar de Obama |Obama’s place

Poucos devem ter visto na TV a entrevista de um sobrinho de Martin Luther King, cujo nome infelizmente não guardei.  Perguntado sobre se a vitória de Obama significava que o sonho de Luther King tinha se completado, ele disse que só em parte, porque muitas pessoas não votaram nele porque ele é negro, e outras votaram porque é.

E tinha razão. Obama, que sempre valorizou sua origem e a cor de sua pele, fez uma bela campanha em que os temas eram o país, o mundo, a economia e as pessoas, independentemente de quem fossem. Mas tanto McCain como Bush, quando falaram reconhecendo e cumprimentando a Obama pela vitória,  fizeram questão de falar, com condescendência, dos negros que agora chegam ao poder, e não de uma nova visão e uma nova política que se anuncia. De forma elegante, tentaram, espero que pela última vez, colocar a Obama “em seu lugar”.

Eleições USA: tática e estratégia | US elections: tactics and strategy

No debate  entre os candidatos, um dos momentos interessantes foi quando  Obama disse que o aparente sucesso do “surge” do General Patraeus no Iraque poderia ser uma vitória tática, mas o que era importante era a estratégia, e McCain respondeu dizendo que Obama não sabia a diferença entre estratégia e tática.  Para McCain, estratégia era isto: colocar mais tropas no terreno, manter posições, ou, como ele diz: “A strategy of going into an area, clearing and holding, and the people of the country then become allied with you. They inform on the bad guys. And peace comes to the country, and prosperity”.

Para Obama, a questão estratégica é muito mais ampla: estabelecer um novo relacionamento entre os Estados Unidos e o resto do mundo, sem entrar em aventuras militares, e evitar que situações como a do Iraque se repitam. Nesta mudança de postura, a questão de como sair do atoleiro do Iraq não deixa de ser importante, mas é secundária. É McCain, claramente, quem não parece ter idéia da necesssidade de uma nova estratégia para os Estados Unidos, além da doutrina Bush. Esta mesma diferença apareceu nas outras partes do debate, Obama insistindo na necessidade de uma política de cunho social-democrata, que dê prioridade a questões como saúde, educação e proteção social, e McCain insistindo na agenda conservadora do estado mínimo e não interventor.

Em certo sentido, a discussão lembra o debate brasileiro sobre a violência urbana. Que fazer, ocupar as favelas e combater os bandidos ou cuidar da questão social que aflige as cidades brasileiras? A resposta óbvia é que é um falso dilema. É necessário ter força e capacidade de intervenção para reduzir a violência, mas não  é possível mudar este quadro de forma mais permanente sem enfrentar as questões mais difíceis, e estratégicas, de repensar e reorganizar as cidades e dar-lhes um novo sentido.

É muito mais difícil, em uma campanha, propor estratégias de longo prazo, e por isto fiquei com a impressão que  McCain havia ganho o debate. As pesquisas, no entanto, parecem dizer que quem ganhou foi Obama (veja os links indicados por Bruno Reis em seu comentário). A crise econômica talvez explique isto. Nestas questões, é Obama que defende políticas mais práticas e imediatas em defesa de uma população na eminência de perder suas casas, suas poupanças e sua aposentadoria, enquanto que McCain ainda defende a redução dos impostos das grandes corporações.

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