São Paulo e o Estado Nacional (2)

Vejam o artigo de hoje de Octávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de São Paulo, com o título de “Yankees e Rebeldes”, e comparem com minha nota anterior:

MUITO SE TEM escrito sobre a divisão do Brasil em duas metades que emergiu no domingo. Os jornais trazem mapas onde Rio, Minas, o Nordeste e o Norte aparecem em vermelho (Lula), enquanto São Paulo, o Sul e o Centro-oeste estão em azul (Alckmin).

Essa divisão entre “yankees” e confederados em nossa “Guerra Civil” eleitoral já foi enfocada sob seus dois prismas mais evidentes, o antagonismo de classe e a desigualdade geográfica. Grosso modo, o primeiro opõe as classes populares às classes médias. O segundo ângulo opõe o “Norte” ao “Sul”.

Descontado o esquematismo desse tipo de recortes, há um terceiro prisma a acrescentar. É aquele que separa as regiões onde a presença do Estado na economia e na vida das pessoas ainda é muito grande (vermelho), daquelas áreas nas quais o peso do poder público é menor (azul).

O capitalismo se enraizou há muito tempo em São Paulo e no Sul, onde o dinamismo econômico prescinde, ao menos em boa parte, do Estado. Não por acaso é a região mais sensível ao único tema novo, em termos eleitorais, que surgiu nesta eleição: o da redução da carga tributária hoje próxima de 40% do PIB.

Embora se atribua a inclinação anti-Lula no Centro-oeste à crise da agricultura, essa região se mostra como típica geografia de fronteira, um eldorado de oportunidades, empreendimento pessoal e terras abundantes. Lugar onde vigora o “cada um por si, Deus por todos”.
Em grande parte do Nordeste, e mesmo em Minas e no Rio, o cenário é outro. São regiões onde a onipresença do Estado remonta ao período colonial; são lugares onde o poder do Estado para contratar, subsidiar, autorizar verbas segue enorme, até por compensar a relativa debilidade da economia privada.

Talvez por isso, também, seja notória certa ausência de debate programático. No fundo, o programa de Alckmin se resume a menos Estado ou, no eufemismo publicitário, a Estado menor, menos caro e mais eficiente. E a plataforma de Lula se resume a garantir alguma compensação social, via Estado, em troca da liberdade para o mercado.

Alckmin, por sua vez, tem pouco vínculo orgânico com o que tem sido o PSDB até agora. O núcleo tradicional do partido gravita há 30 anos em torno de intelectuais paulistas, muitos deles uspianos, muitos exilados na ditadura, quase todos antigos marxistas que desacreditaram do marxismo durante o exílio.

Em termos geracionais e ideológicos, Alckmin significa outra coisa. Subiu na política pelas mãos de Mário Covas, a quem os “intelectuais” respeitavam, mas à distância. Em vez de ex-marxista, Alckmin é católico conservador; em vez de cidadão cosmopolita, ostenta com orgulho a marca do interiorano; em vez de sociólogo ou economista, é um gerente pós-ideológico.

Sao Paulo e o Estado Nacional, revisitado

Quando publiquei este livro em 1973 (revisto e republicado mais tarde como Bases do Autoritarismo Brasileiro), o que mais tinha chamado minha atenção era como a política brasileira passava, historicamente, pelo eixo Rio–Minas–Nordeste–Rio Grande do Sul, deixando de fora justamente o centro mais dinâmico da economia do pais, São Paulo (e também Paraná e Santa Catarina), que no máximo produzia lideranças populistas que não transcendiam o estado, como Ademar de Barros, ou o efêmero Jânio Quadros, que afinal era mato-grossense. Eu dizia, seguindo Faoro, que o Estado Nacional era patrimonialista, no sentido de que ela não era o “representante” de determinados interesses, e sim o objeto de interesses de uma classe ou estamento político que vivia de e para o poder; que a política exercida por este Estado era ou autoritária, com os militares, ou populista, com Getúlio, ou uma combinação das duas coisas; e que o sistema partidário nacional era baseado na cooptação das lideranças (inclusive sindicais) pela oligarquia política. E eu imaginava que, com o tempo e a modernização do pais, outro tipo de política, originária em São Paulo, passaria a predominar no país – uma política mais autenticamente representativa, com partidos apoiados nas classes modernas, burguesas e proletárias, da parte mais capitalista do Brasil.

Quase acertei: a partir de Fernando Henrique, e continuando com Lula e agora, Alckmin, São Paulo saiu do isolamento, as lideranças paulistas se transformaram em lideranças nacionais, e são elas que disputam entre si o comando do Estado Nacional. Mas errei, no entanto, ao pensar que esta polarização se daria em termos de uma divisão de classes. Embora as divisões de classe continuem existindo, a política nas sociedades modernas se faz por grandes coalizões de interesses, valores e orientações, e nenhum candidato que se apresente como representante de uma classe social específica consegue apoio suficiente para ganhar uma eleição majoritária. Fernando Henrique conseguiu montar uma coalizão deste tipo, ao liderar um processo de racionalização da economia e modernização do Estado, uma agenda que Alckmin trata de dar continuidade. E Lula, que começa a carreira como um autêntico líder sindical da indústria, se transforma aos poucos no líder do sindicalismo do setor público, e finalmente, em um líder com forte apelo popular, ou populista, e com isto consegue transcender as limitações do antigo PT, e chegar à Presidência.

Neste primeiro turno, as pesquisas eleitorais mostram que Alckmin tem mais apoio nas camadas sociais mais ricas, e Lula, nas camadas mais pobres. Mas se engana quem interpreta isto em simples termos de direita–esquerda, ou burguesia–proletariado. Nem a maioria dos eleitores de Alckmin são burgueses (e sim da classe média), nem a maioria dos eleitores de Lula são proletários (e sim pobres). Mais do que a divisão de classes, é a divisão entre estados e regiões que marca a polarização política que estamos vivendo hoje. Alckmin ganha as eleições de São Paulo para baixo, e Lula, nos estados tradicionais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e todo o Nordeste. O que dá força a Lula nestes estados, me parece, não é que ele tenha sido um líder operário e represente os pobres, mas sim sua capacidade de dar continuidade às políticas patrimonialistas tradicionais, distribuindo cargos e subsídios para ricos e pobres em regiões que dependem, para sobreviver, do fluxo de benesses do governo central.

Em outras palavras, o que marca a política brasileira hoje não é, como eu imaginei que viria a ser, a disputa entre lideranças e partidos políticos modernos, nem uma disputa de classes, nem uma disputa entre ricos e pobres, e sim o antigo confronto entre duas maneiras clássicas de fazer política, a política representativa e a política de cooptação.

Chile: descolando da América Latina

Com o PIB mas alto da região, segundo relatório recente do FMI, o Chile deixa cada vez mais de ser um país “latino-americano”, e se transforma em um país moderno e desenvolvido. Isto se vê com facilidade andando por Santiago, com a arquitetura moderna dos bairros altos, a recuperação do centro histórico, a modernização dos transportes urbanos e as obras rodoviárias por toda parte; e as ruas cheias de gente fazendo compras e enchendo bares e restaurantes, tanto na região elegante da Providencia como na parte antiga da Plaza de Armas e do Mercado Central. Os índices de pobreza no Chile vêm caindo a cada ano, e a distribuição dos gastos sociais é uma das melhores da região. A zona da antiga e decadente Avenida da República é hoje uma área fervilhante de universidades e institutos técnicos privados, freqüentados todos os dias por mais de 50 mil estudantes, sem falar nas universidades tradicionais como a do Chile e a Católica. Até as águas do Rio Mapocho parecem correr mais limpas. Com a proximidade da festa nacional de 18 de setembro, as ruas se enfeitam de bandeiras, e por toda parte se fala da comemoração da “Chilenidad”.

Também há problemas, e muitos. No dia 11 de setembro, aniversário do golpe de Pinochet, grupos de extrema esquerda encapuzados atacaram lojas e repartições públicas com bombas molotov, uma delas provocando um incêndio no palácio presidencial de La Moneda; uma greve dos serviços médicos havia paralisado o atendimento à população; e professores e estudantes das escolas municipais ameaçam com greves e mais manifestações, enquanto o governo tenta resolver os problemas através de comissões de trabalho e negociações que parecem não terminar. Na última década, o governo chileno aumentou muito os investimentos em educação, o ensino médio está praticamente universalizado, a jornada completa se expande rapidamente por toda a rede escolar; mas os resultados do Chile no teste de Pisa são tão ruins quanto os do Brasil ou do México.

Em que medida o que acontece hoje no Chile, de bom e de ruim, tem a ver com as reformas liberais introduzidas durante regime Pinochet? Estas reformas foram mantidas, com modificações, pelos governos de centro-esquerda da Concertación, e o consenso do país, inclusive nos governos socialistas de Lagos e Michelle Bachelet, é que não faz sentido voltar aos velhos tempos, de uma sociedade burocratizada e paralisada. O Chile tem hoje a economia mais competitiva da América Latina, aonde se pode, com mais facilidade, abrir e fechar um negócio, e aonde a abertura ao comércio internacional é maior. Este tipo de economia tem também seus perdedores, e isto explica, talvez, a virulência dos ataques da extrema esquerda, apesar do grande apoio da presidente Michelle Bachelet entre a população.

E existe também o cobre, cujo preço no mercado internacional aumentou enormemente nos últimos anos, gerando grande quantidade de recursos, ao lado das indústrias de exportação como o vinho, as frutas e o salmão. Mas o Chile, diferentemente de outros paises que se enriqueceram com o petróleo, investe a longo prazo e cuida para que a riqueza do cobre não inflacione a economia nem sobre-valorize a moeda, evitando, desta forma, a “doença holandesa” que é a praga dos paises que se enriquecem desta maneira.

Mas o mais importante de tudo, talvez, seja a maturidade política que sempre existiu no país de alguma maneira, sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura, e hoje é, possivelmente, a principal diferença entre o Chile e a maioria dos outros paises do continente. Os partidos políticos têm princípios e programas, os políticos são pessoas honradas, há pouca corrupção e pouco espaço para o populismo barato que conhecemos tão bem. Temas controversos – como a política de distribuição da “pílula do dia seguinte” para adolescentes, a reforma da educação, ou as relações sempre difíceis com a Argentina – são discutidos de forma civilizada pela imprensa, o judiciário é independente e acatado e, com a exceção da extrema esquerda alienada, todos respeitam e valorizam as instituições e os processos democráticos de decisão.

Que dá inveja, dá…

Em quem votar?

A Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção, criou um site com o histórico de todos os candidatos à Camara de Deputados, em todo país – quem são, o que fizeram, os bens que possuem, os processos que sofreram, etc. Agora, ninguém mais pode dizer que votou errado por falta de informação. O site se chama Excelências, e vale mais do que um click! (site inacessível em julho 2009)

Uma maneira emocionante de voar

Depois de alguns meses em Oslo, onde tudo é organizado e funciona, e a adrenalina nunca sobe fora dos campeonatos de ski, foi emocionante voltar ao Brasil tendo que fazer uma conexão em Londres pela Varig em crise. O mais emocionante de tudo era a total falta de informações sobre o que estava acontecendo ou iria acontecer. Os telefones da companhia nas diversas capitais européias haviam sido cortados, ou respondiam com musiquinha eterna do Antonio Carlos Jobim, e muito raramente atendia alguém, que dizia não saber de nada. Aproveitando a crise da Varig, as outras companhias que voam para o Brasil jogaram os preços nas alturas, e mesmo assim todos os voos estavam lotados para as próximas semanas.

A melhor recomendação que consegui foi embarcar para Londres como estava previsto, procurar a Varig no aeroporto, e ver o que ia acontecer. Chegamos às 7 da noite, com várias malas, e o que encontramos foi dezenas de pessoas amontoadas ante um guichê onde dois funcionários tentavam atender de alguma maneira quem conseguia chegar até eles. Alguns haviam entrado na fila duas da tarde, outros estavam tentando ser atendidos pelo segundo ou terceiro dia. Alguns conseguiam ser colocados em voos de outras companhias, outros não. Outros funcionários conversavam com os passageiros na fila, e davam informações desencontradas. A um estudante uruguaio, que dizia não ter dinheiro nem para comprar um sanduíche, disseram que não poderiam fazer nada, que a Varig não estava pagando gastos de hotel, e ele que procurasse sua embaixada para pedir ajuda. Um italiano chegou perguntando, inocentemente, aonde deveria entregar sua bagagem, e foi informado de que o vôo não existia, que a Varig não voltaria a voar, e que ele deveria pedir à agência de viagens que devolvesse o dinheiro da passagem. Para uma moça educada que pedia o telefone da Varig em Londres para se queixar, deram um número que, quase certamente, não atenderia. Onze da noite, depois de eu ter reservado e pago um hotel pela Internet, anunciaram aos que ainda estavam na fila que teriam um hotel pago pela companhia, e que em dois dias, esperavam, haveria um vôo extra de Londres para o Brasil. Dois dias depois mandaram os que estavam no hotel para Frankfurt, aonde foi preciso enfrentar uma nova fila para conseguir o cartão de embarque para um dos dois vôos que estavam saindo para o Brasil, em meio a boatos de que a tripulação estava exigindo seu descanso regulamentar, e não voaria. Minha impressão dos funcionários com quem lidei foi que estavam todos muito tensos, tendo que absorver e lidar com a ansiedade dos passageiros, temendo ser agredidos, e sem saber o próprio futuro, com a ameaça bastante real de perder seus empregos. A maioria conseguia se manter equilibrada e tratar bem todo mundo, mas ouvi muitas queixas de gente maltratada também.

A principal causa da confusão, me parece, foi a tática deliberada da companhia e seus novos donos de ir empurrando os problemas com a barriga, lidando com as crises e situações a cada momento, em vez de buscar uma solução organizada a previsível para a situação de falência, conhecida há tanto tempo. É uma tática que tem sua lógica. Se eu tivesse sido informado com antecedência que meu vôo havia sido cancelado e a passagem perdida, eu teria comprado outra, arcado com o prejuízo e pronto, gastando um pouco de bílis, mas pouca adrenalina. Sem isto, fica a pressão de todos sobre a companhia e as matérias na imprensa, que, sem dúvida, ajudam a pressionar o governo e os credores por mais prazos, mais concessões, e assim ir vendo o que dá para salvar de todo este desastre. Nesta confusão, não existe previsibilidade, não há critérios claros sobre quem vai ou não ser atendido, e as soluções parecem variar tanto em função do “você sabe com quem está falando” como do humor dos funcionários, ou das instruções diferentes que recebem a cada momento. O fato de que havia em meu grupo um advogado bem relacionado em Brasília, e que o grupo se organizou para tratar em conjunto com a companhia, parece que ajudou bastante.

O que torna possível esta tática de empurrar com a barriga, me parece, é a insegurança jurídica que caracteriza a economia do pais, sobretudo numa área regulada como esta da aviação civil. Desde o início, a crise da Varig tem sido marcada por uma sucessão interminável de apelos, decisões e contra-decisões judiciais, e um posicionamento pouco claro por parte do governo que, por um lado, tem conseguido evitar que o setor público, via BNDES, assuma todos os custos da falência da empresa, mas, outro lado, faz uma série de concessões em relação às dívidas com o fisco, uso de aeroportos, concessão de linhas, etc. Nisto, o governo tem apoio da opinião pública – uma enquête do site do O Globo na Internet mostrou que a maioria das pessoas achava que a viúva deveria acudir a Varig, e poucos eram a favor de uma “solução de mercado”, aonde a Varig nunca conseguiu competir. Minha impressão é que, neste processo, a empresa foi se desorganizando cada vez mais, perdendo valor e espaço no mercado, e o resultado final está sendo pior para todos, desde as empresas internacionais que fornecem os aviões e deverão buscar mais garantias e proteção para assinar novos contratos. até o público que é afetado pelas incertezas e não tem os benefícios de um mercado mais competitivo, sem falar, é claro, nos custos invisíveis dos impostos e taxas que o governo deixa de recolher, e que são pagos, em boa parte, por quem só anda de ônibus.

Guiomar Namo de Mello: Os candidatos e as prioridades para a educação

A campanha eleitoral está esquentando, e o tema da educação aparece nas pesquisas como o mais importante, na percepção do público. O que devemos esperar e cobrar dos candidatos, neste terreno? Eis o que propõe Guiomar Namo de Mello:

Para as próximas eleições, é importante que os candidatos estabeleçam com clareza quais são suas prioridades na educação. Não podemos continuar com listagens que abrigam de tudo um pouco, satisfazendo a todas as correntes ou posições, tudo com o mesmo valor. As prioridades podem ser as que são sugeridas abaixo, ou outras. Mas não se pode continuar com um discurso esgarçado para agradar a todos. Os pés começaram a aparecer na ponta do cobertor. Até para cada um poder posicionar-se sem falsas esperanças. É preciso finalmente dizer o que é mais importante e por que. Aí vão minhas sugestões.

• Que tudo seja passado por um crivo inicial: total prioridade para a escola regular, a boa e velha escola pública na qual estão matriculados a maioria dos alunos. Dessa forma, tudo que for para reforçar, acelerar, enriquecer, a escola regular, será mais prioritário. O resto é o resto.

• Prioridade absoluta para mais recursos pedagógicos, humanos e técnicos para as escolas regulares. Meta e prazo para o país ter todas as crianças estudando pelo menos 05 horas relógio por dia. Uma vez que essa jornada escolar estiver consolidada, então pensar em rede física e recursos humanos para uma jornada de 06 horas. Mais do que isso vira instituição total e escola é escola, não é internato, quartel, ou convento.

• Estabelecer metas e prazos para alcançar níveis de aprendizagem por ciclos, séries, segmentos, o que seja, mas que seja pactuado com os atores principais e que sejam feitas campanhas todos os dias, todos os meses dos anos, falando dessas metas, da necessidade de todos se esforçarem para alcançá-las: pais, vendo se a escola está no rumo das metas; imprensa com critério para olhar o que existe, o que falta, o que está certo ou errado; formadores de opinião e decisores, antenados para as metas. Essa campanha teria que veicular conteúdos deste teor:

• Nenhum aluno de escola pública do país vai deixar de aprender o equivalente a um ano de escolaridade. Na primeira série, na segunda série e assim por diante, esse ano de escolaridade terá de produzir os seguintes avanços…

• Junto, uma campanha que de tanto repetir, persuada e ensine a olhar o que a escola tem que fazer, mostrando que só a escola pode fazer isso. Nenhuma outra instituição. Comprometer os mídia com a divulgação disso. Fazer merchandising disso nas novelas, nos programas de auditório, no Faustão, nos programas da Igreja Universal, onde houver audiência. Repetir tanto que o povo vai aprender. Não há nenhuma razão para que a escola seja um mistério para as pessoas do povo.

• Com esse critério, deixam de ser prioritários, embora valiosos, os demais adereços que vêm sendo colocados na escola regular: ações assistenciais, pós escola, escola de tempo integral, etc. etc. As funções assistenciais têm que ser retiradas das escolas. Nada há a dizer para justificar isso. E se não for possível fazer uma coisa tão simples quanto essa, me pergunto se vale a pena ser governo…

• As iniciativas de CIEPS (Brizola), CIACS (Collor), CAICS (Collor), PROFICS (Pinotti), CEUS (Marta), e PÓS ESCOLA (Pinotti), não seriam prioritárias. Está na hora de tomar um partido claro, nítido, sereno e direto sobre isso. A grande maioria das nossas crianças tem casa, pai e mãe. As que se encontram em situação de risco, vivendo na rua, têm que receber um atendimento específico e customizado para essa situação. Como política pública, a educação escolar não precisa ser integral, nem no tempo diário de permanência nem na abrangência de toda a vida da criança. Sem essa clareza nossos dirigentes e gestores continuarão achando que é legítimo adotar medidas e programas assistencialistas e pirotécnicos, comprometendo os poucos nichos de política educacional séria que existem.

• É preciso se posicionar contra todo e qualquer encurtamento da escola regular: é uma vergonha ainda existam escolas que funcionando em três turnos diurnos, o que dá menos de 03 horas relógio de efetivo trabalho diário! Quem não se indignar com uma coisa dessas não merece ser governo.

• O funcionamento básico de todas escolas regulares sob padrões de qualidade aceitáveis é uma prioridade que não pode ser deixada subentendida. Esse padrão deve ser explicitado, e pelo que diz a pedagogia do bom senso seria: pelo menos 05 horas de 60 minutos de jornada diária; jornada do professor com pelo menos 20% para trabalho de planejamento e capacitação; módulos de materiais básicos a serem definidos (livros, materiais didáticos, publicações) e um compromisso de que esses materiais chegarão a todas as classes de todas as escolas e a todos os seus alunos; módulo básico de materiais de aprendizagem e desenvolvimento profissional para os professores – porque no curto prazo eles terão que aprender na escola onde estão para ensinar – com garantia de que chegará a todos os professores individualmente, não por escola para serem fotocopiados; instalações físicas adequadas para a jornada de alunos e professores com o currículo básico do ensino fundamental e médio. Esse pacote básico deve ser pactuado com os diferentes atores, gestores, parceiros.

• Ensino fundamental de nove anos: Não temos o direito de jogar fumaça na realidade: o ensino fundamental com 05 horas diárias, 200 dias letivos, durante 08 (oito) anos, dá um total de 8.000 horas de escolaridade. Se forem 09 (nove) anos, mantidas as 04 horas atuais (um número otimista porque muitas escolas funcionam com menos de 04 horas relógio por dia), 200 dias letivos, dá um total de 7.200 horas de escolaridade. Portanto, se é para aumentar o tempo de permanência na escola, melhor seria ampliar a jornada diária do que acrescentar uma coorte ao ensino fundamental. Basta fazer a conta. Considerando no entanto que tornou-se politicamente incorreto ser contra os nove anos de escolaridade (a propósito eu votei contra no Conselho Nacional de Educação), pelo menos os sistemas municipais e estaduais deveriam ter autonomia para decidir como querem organizar esses nove anos. Já há muito municípios no Sul e Sudeste nos quais o último ano da pré-escola está universalizado, isto é, todas as crianças já estão na pré-escola aos 06 anos completos. Porque raios eu teria que tirá-las com cinco anos da pré-escola para começar o fundamental com 06 anos se ela já está na escola? O fato de ela estar no último ano da pré-escola ou no primeiro ano do ensino fundamental vai mudá-la? Vai mudar suas necessidades? E se todos os alunos já tem pelo menos nove ou até mais anos de escolaridade porque a pré-escola se universalizou, porque então não estender para o primeiro ano do ensino médio o ano a mais?

A melhor maneira de desmistificar a proposta de ensino fundamental de nove anos é o compromisso para valer quanto à eliminação do fracasso escolar no ensino fundamental, porque é urgente ser honesto e reconhecer que o Brasil há décadas e décadas tem um ensino fundamental de 09, 10, 11, 12 anos. Por causa da repetência, cada concluinte do fundamental já representou até 12 anos de escolaridade. A média atual, alcançada a custa de um enorme esforço para acelerar as crianças e regularizar o fluxo, é de 9.7 anos. Até pouco tempo só os ricos no Brasil faziam o fundamental em 08 anos. E uma fração reduzida dos pobres excepcionais. Todos os demais já faziam e já fazem o fundamental em no mínimo 09 anos. Diz o discurso mistificador que são as crianças mais pobres que precisam entrar antes na primeira série, aos 06 anos. Que são elas as que mais ganham com 09 anos de escolaridade! Ora bolas, não são exatamente elas as que mais repetem? Portanto não são elas que já fazem o fundamental em bem mais de 8 anos? É uma lógica infernal essa!

A verdade é que se não tivesse repetência o país já poderia ter universalizado não só o fundamental como o médio e a educação infantil. Basta imaginar, em 100 anos de Século XX, quanto o Brasil gastou com repetência!!! Dava para ter o melhor sistema de educação do mundo, gastando o dobro do custo aluno que se gasta hoje. Não acham que está na hora de fazer essa conta? Quanto foi que o Século XX cobrou aos brasileiros pela repetência? E isso só em recursos financeiros, sem falar da auto estima, porque, como diz o comercial do Credicard, essa não tem preço. O discurso portanto tem que ser – uma vez assumida a inevitabilidade do ensino fundamental de nove anos – um compromisso com o país, os pais, a opinião pública, os contribuintes, os tomadores de decisão, os formadores de opinião, que vamos diminuir o ensino fundamental para 09 anos. Vamos diminuir porque a partir de agora, a duração será só de 09 anos e apenas 09, nunca mais do que 09 anos. Será um compromisso do tipo: daqui em diante nenhuma criança vai ser deixada para trás, obrigada a fazer a escola obrigatória em 10, 11 ou 12 anos. daqui em diante 09 anos será o limite. Nunca mais vamos fazer uma criança voltar para trás e fazer a mesma coisa outro ano, mais outro e mais outro. Daqui em diante nunca mais um aluno vai repetir em geografia num ano, voltar a fazer todas as disciplinas no ano seguinte e, ao final, repetir novamente só que em… matemática.

• Prioridade deve ser dada a todo e qualquer esforço para enriquecer, reforçar, acelerar, recuperar a escola regular. Deixar dessa mentirinha de abrir escola para a comunidade aos fins de semana. Desde os anos 80 muitas prefeituras de começaram a fazer isso. Nunca melhorou um só vintém a aprendizagem dos alunos. O melhor uso das escolas nos finais de semana seria para fazer o que não dá para fazer nos dias úteis, por falta de espaço/tempo, gente, vontade, um tudo. E o que é que não dá tempo de fazer durante a semana? Ensinar e aprender mais matemática, mais português, ciências, história e geografia. Portanto prioritários neste caso seriam todos os programas de reforço, aceleração e melhoria da aprendizagem. E lembrem, se tivermos metas definidas de aprendizagem não é difícil saber o que está faltando ou onde as coisas estão difíceis numa escola ou mesmo para um aluno!. Para isso valeria a pena gastar contratando professores temporários, ou agregando horas na jornada dos atuais, que ganhariam mais para continuar ensinando nos fins de semana. Isso tudo num programa organizado e supervisionado pelos professores regulares e pela direção da escola.

• Escola 24 horas, seria o ideal! Aí daria para inventar coisas do tipo: usar estagiários que fazem licenciaturas à noite e lutam para conseguir fazer estágio. Eles poderiam ser os professores residentes de fim de semana, continuando o trabalho feito com o professor dos dias da semana. Seria um programa para todas as crianças voluntário. Aposto que a aceitação pelos pais seria grande. E muitas vezes não tem dinheiro para levar os filhos ao cinema, ao teatro, nem mesmo ao zoológico. Quanto mais passear no shopping. E não me digam que seria chato. Só se o trabalho for mal feito. Se for didaticamente bem feito pode perfeitamente seduzir as crianças de periferia.

Da mesma forma no ensino médio deveria ser prioridade aproveitar todo o tempo disponível para reforçar a aprendizagem dos conteúdos curriculares. Sobretudo porque a maioria do ensino médio público é noturno. Aqui também alunos de curso de licenciatura de física, biologia, história, etc., poderiam ter um grande projeto de estágio e iniciação. Uma residência escolar de fim de semana, uma escola 24 horas…

No caso do ensino médio esses horários de fins de semana poderiam também ser ocupados com programas de preparação profissional de variada duração. Desde cursos de nível técnico, que se iniciariam concomitantemente e seriam concluídos ao final do ensino médio ou mesmo após, até cursos de curta duração para atender às estratégias de sobrevivência desses jovens no curto prazo. Eles precisam trabalhar para continuar estudando. Como aliás já fizemos vários da geração que hoje tem 50, 60 anos… Convênios com escolas técnicas públicas ou privadas da região poderiam reverter em real benefício para esses alunos pobres, na verdade trabalhadores que estudam à noite.

• Quanto aos professores da educação básica: Grande prioridade teria dar bolsas de estudos, créditos ou quaisquer outros subsídios (as prefeituras poderiam completar até mesmo com uma bolsa de manutenção ou um salário de residente) para os jovens que quiserem fazer curso de formação de professores. Mas as instituições teriam que passar por uma avaliação para se qualificarem como instituições que podem receber bolsistas financiados pelo dinheiro público (não a avaliação pedante e cartorial da comissão de especialistas do MEC, outra, de um conselho especial só para cuidar nacionalmente da política de formação docente, junto com estados e municípios)

• A qualidade da formação dos professores para escolas regulares de educação básica, é outra prioridade. Não adianta dizer que vai formar os professores em nível superior. A qualidade não acontece por milagre só porque é ensino superior. Do jeito que são os cursos de formação atual, não tenho medo de afirmar que os velhos cursos normais, de nível médio porém decentes, eram melhores. Ter nível superior não garante qualidade, chega de cartorialismo e mistificação. Tem que afirmar que o professor será formado em curso superior qualificado e que o governo vai tomar as providências necessárias para garantir isso. Por exemplo, só vai conceder bolsa ou crédito para alunos, se o destino forem instituições com selo de qualidade do MEC, do Conselho ou de qualquer outra instância que será criada para isso. Sem comissão de especialistas da SESU por favor que na área de formação de professores, elas são um desastre!!!!

• Isso leva à proposta de que o governo federal, em colaboração com os governos estaduais e quem sabe até municipais, crie sistemas de certificação de competências docentes para professores ingressantes e, periodicamente, para re-certificação da competência dos professores em exercício.

• Carreira dos professores da educação básica. Nos anos 80, começamos a falar que a carreira de professor era um impeditivo para o ensino de qualidade. Já se vão portanto quase 30 anos. Estamos todos 30 anos mais velhos, de cabelos brancos. E continuamos dizendo que a carreira de professor é impeditivo para várias medidas que teriam de ser adotadas para melhorar o ensino. Já deu para aprender que sem quebrar estes ovos não tem omelete:

• Aposentaria aos 25 anos: precisa acabar, ser no mínimo igual à do trabalhador comum. A idéia de duas carreiras, uma na qual ingressariam os novos e outra para aposentados e em serviço, é também uma idéia dos anos 80. Se tivéssemos feito isso naquele momento já teríamos todos os professores na carreira nova. Daqui há 30 anos estaremos ainda falando a mesma coisa?

• Poder ter salários diferenciados para disciplinas nas quais faltam professor; para professores que são mais esforçados e comprometidos e cujos alunos aprendem melhor, ou mais depressa.

• Desarmar o falso discurso que número de alunos por turma afeta, a qualidade. Só se for um número absurdo de 50, 60 alunos. Caso contrário não há nenhuma evidência de que 20 alunos aprendem mais do que 30.

• Criar incentivos ou prêmios para esses professores esforçados e comprometidos. Fazer campanha mostrando que é possível ensinar a criança brasileira, sobretudo a mais pobre.

• Instituir compensações e prêmios para sistemas (municipais ou estaduais) que experimente inovar em matéria de carreira de professor e seus impactos sobre a organização do trabalho na escola. Por exemplo: porque todos os professores têm que ser iguais e ganhar igual? Uma parte dos alunos de qualquer escola aprende com mais facilidade do que outros. Tem alunos que aprendem apesar da escola. Esses “easy students” poderiam ser atribuídos a auxiliares, supervisionados por professores “seniors”. As classes mais difíceis deveriam ficar com os professores mais qualificados, da mesma forma que os pacientes mais graves são acompanhados mais de perto pelos médicos mais experientes. Um hospital funciona com uma enfermeira especializada para um número de auxiliares técnicos, atendentes, etc. Será que dá pra pensar em algo parecido na escola? Alguma perspectiva nova, por favor.

Merval Pereira: cooptação politica e verticalização eleitoral.

Merval Pereira, em sua crônica política no O Globo dos dias 4 e 5 de fevereiro de 2006, escreve sobre o tema da coerência ou fragmentação dos partidos políticos brasileiros, a propósito da mudança de legislação sobre verticalização partidária, e cita, entre outras coisas, trechos de uma correspondência que trocamos a respeito recentemente. Para não infringir direitos autorais, deixo de reproduzir o texto aqui, mas recomendo que ele seja buscado no site do jornal (http://oglobo.globo.com), de onde os dois textos podem ser baixados (sem pagar nada se até 7 dias depois da publicação). Em compensação, coloco abaixo a nota que enviei para Merval, ligeiramente editada:

“Em 1975 publiquei “São Paulo e o Estado Nacional”, que depois saiu, revisado, como “Bases do Autoritarismo Brasileiro”, em 1988. A tese principal era que o sistema político brasileiro não era formado pela simples representação de interesses privados na esfera política, mas que havia uma forte esfera, a estatal, que tinha sido, historicamente, tão ou mais importante do que a simples representação de interesses privados. Eu dizia, seguindo a tradição de Max Weber, que este setor estatal era, na sua origem, patrimonial-burocrático, e que, na medida em que ele criava um sistema político com partidos, etc., este sistema operava por cooptação das lideranças que fossem surgindo na sociedade mais ampla. As origens desta forma de organização do sistema político remontam ao Estado patrimonial português, estão associadas ao padrão de colonização que eles trouxeram ao Brasil, e se prolongou nas elites que administraram o Império e mantiveram o controle da coisa pública desde então. Existe toda uma linha de interpretação do sistema político brasileiro nestes termos, a começar por Raymundo Faoro, e seu famoso livro sobre o Estamento Burocrático.

Mas quem realmente entendeu o que estava acontecendo não foi Faoro, e sim Victor Nunes Leal, no seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”. Faoro acreditava que o Estamento Burocrático era como que um destino, uma essência da sociedade brasileira, do qual só poderia vir coisas ruins, e passou a vida lutando contra este monstro, que, por definição, jamais poderia ser derrotado. Victor Nunes, ao contrário, mostrava como os grupos e setores ligados ao poder central, embora dominantes e influentes, dependiam do apoio e da troca de favores dos “coronéis” (coronéis do campo, não do exército) para as eternas disputas de poder que ocorriam no seio do Estado. Este coroneis não eram, como alguns pensavam, simples representantes de interesses agrários, mas, justamente, pessoas que se especializavam nesta barganha, e graças a isto conseguiam apoio para manter suas posições de poder nas disputas locais. O ponto principal que aprendemos com Victor Nunes (e creio Bolívar Lamounier, entre outros, diria o mesmo) é que o estado não é monolítico, seus espólios estão sempre em disputa, e por isto seus detentores precisam de fazer barganhas e parcerias para existir.

Numa simplificação talvez exagerada, mas acredito que sugestiva, eu argumento no livro que sempre houve, desde o Império pelo menos, uma tensão entre esta forma de fazer política, típica de sociedades de estados relativamente avantajados e capitalismo canhestro, e as formas pelas quais normalmente se pensa a política, baseada nos interesses privados que se articulam para colocar o setor público agindo conforme seus interesses, e que eu chamei de “política de representação”. No Brasil, a tensão entre os dois tipos de política se dava, em grande parte, entre São Paulo, por um lado, berço da “república de bandidos” que eram os bandeirantes, e do capitalismo brasileiro, e aonde os capitalistas, e mais tarde os operários, se organizavam para defender seus interesses, e, por outro lado, o centro político do Rio de Janeiro, em parcerias e barganhas de tipo coronelista com as elites dos demais estados empobrecidos da federação, ou com a tradição militar e autocrática do Rio Grande do Sul. Ao longo da história do Brasil – o Império, a República das intervenções, o período Vargas, a República de 45-64 (dominada por mineiros e gaúchos, associados ao sindicalismo pelego) – o domínio foi sempre ou quase sempre do poder central, com breves interregnos como os tempos do “café” da República Os paulistas conseguiam proteger seus interesses e tentavam se organizar em partidos mais autônomos e independentes, mas nunca, efetivamente, chegavam ao poder. Era a subordinação do centro econômico ao centro político do país, o inverso do que pensam normalmente os marxistas e os politicólogos de tradição americana, ou européia, que é a economia, com seus jogos de interesse e relações de classe, que condicionaria e daria forma ao sistema político. Esta seria, então, a base do autoritarismo brasileiro, que só iria se alterar quando “São Paulo”, naquilo que poderia representar de uma sociedade mais autônoma e senhora de seu destino, crescesse e se espalhasse por todo o país, transformando as administrações burocráticas em governos eficientes, e os partidos políticos em organizações de articulação e interesses e preferências de setores importantes da sociedade. Isto foi escrito na década de 70, nos anos da ditadura, e o governo militar me parecia um prolongamento natural do velho estado patrimonial, embora as vezes tecnocrático, e que, quando começou a precisar de aliados, foi buscá-los nas oligarquias dos estados mais pobres e dependentes do país.

É claro que este esquema de interpretação deixa muitas coisas importantes de fora, e uma delas é o populismo, que eu interpretava, basicamente, como uma outra modalidade de cooptação – verdadeiro para Vargas, possivelmente, mas não para Jânio Quadros e outros demagogos com um forte componente fascista, que outros paises latino americanos conheceram mais do que gente.

Antes dos governos militares, haviam partidos nacionais – PSD, UDN, PTB – e partidos paulistas – PSP, e outros menores. Depois do governo militar, surgem os melhores exemplos de partidos representativos no Brasil, com todos os seus defeitos – o PSDB e o PT, ambos ancorados em São Paulo. Com isto, parecia que minha tese dos anos 70 se cumpria. A incorporação de São Paulo ao lugar que lhe era devido no centro da política brasileira poderia contribuir para esvaziar os velhos sistemas de cooptação, e abrir uma nova era de política representativa no país. O que vemos agora, no entanto, é que o PSDB desenvolve uma nova política de governadores, enquanto que o PT incorpora as piores práticas da política de cooptação. Não vai ser assim tão fácil…

Com isso chegamos ao tema da verticalização. Eu não penso que só existam partidos de cooptação no Brasil, existem outras coisas também. A discussão que existe está baseada em cálculos de quem perde e quem ganha com as diferentes alternativas, e não em uma análise do que é melhor ou pior para o país. Queremos partidos bem estruturados em torno de programas, ou mais amorfos? Queremos partidos que se imponham autoritariamente do centro, ou partidos construídos de baixo para cima? O Brasil de hoje combina fortes elementos de uma política programática que não tínhamos antes, ou tínhamos pouco, com vários tipos de partidos tradicionais que vivem da intermediação política e administrativa. Estas diferenças não ocorrem somente entre partidos, mas inclusive dentro de cada um dos partidos principais. Eu gostaria que os partidos de base programática, de tipo representativo, passassem a predominar, mas não sei se forçar a verticalização eleitoral ajuda para isto. O Brasil é muito grande, com fortes regionalismos, é totalmente artificial forçar uma coerência dos partidos de forma vertical, e em todos os Estados. Eu deixaria esta questão como escolha de cada partido. O PT, se quiser, pode decidir que não aceitará coalizões regionais ou locais distintas da coalizão nacional que estabelecer. O PMB, se quiser, pode decidir o oposto.”

As taticas de defesa e a contribuicao de Dirceu

É interessante como os três principais personagens da “crise do mensalão” adotaram táticas distintas de defesa. Roberto Jefferson, que saiu na frente, foi logo dizendo que não era melhor do que ninguém, mas que também não era pior, e reconheceu que recebia malas de dinheiro e fazia jogo de influência e de interesses com empresas estatais. Admitiu, desde logo, que poderia ser cassado, e disse que já havia transcendido esta questão, não lhe importava. Uma péssima linha de defesa para evitar a cassação e futuros processos na justiça, mas sai como uma espécie de herói da sinceridade contra a hipocrisia, e pode ainda ter futuro politico pela frente, apoiado na permissividade mafiosa tão difundida entre nós.

Delúbio entrou no rio como boi de piranha. Primeiro negou tudo, tentando a linha da conspiração das elites, desesperadas com o grande sucesso das políticas sociais do governo Lula (coisas como a bolsa família e as cotas raciais nas universidades). Mas logo depois trouxe para si toda a responsabilidade do “dinheiro não contabilizado”, adotando a linha esboçada por Lula na famosa entrevista, dizendo que fez o que todo mundo faz. Mostrou que não agiu em interesse próprio, não enriqueceu, era tudo pela causa e pelo partido. Não tem mandato a perder, mas sua carreira de operador político está arruinada, vai ter que enfrentar a justiça, e continuará pobre.

Dirceu tem uma linha de defesa mais bem armada, tanto para evitar a cassação quanto os procesos criminais. Primeiro, invoca a vida dedicada à causa. Depois, nega tudo: são fofocas, calúnias, não há provas. Em todo caso, argumenta que, se fez alguma coisa errada, foi como Ministro, não como deputado, e por isto não pode ser cassado; e que tudo não passa de um grande processo politico contra ele e o PT. O problema é que todos sabem que era ele que comandava tudo. Legalmente, pode dar certo (embora pareça que a cassação seja inevitável). Moralmente, é uma posição pior do que a de Delúbio, que assumiu a culpa e a responsabilidade. E pior do que a de Jefferson, que, em vez de se defender, partiu para a ofensiva.

Imaginei que em algum momento Dirceu pudesse também seguir caminho parecido, falando o que realmente pensa. Aparecer de peito aberto, dizendo que fez o que lhe parecia melhor para garantir a vitória e a consolidação de seu partido e de suas idéias, mesmo tendo que violar as regras hipócritas da moralidade pequeno-burguesa. Que a luta em defesa dos interesses do povo é sangrenta, e todos os meios que ajudem a uma boa causa são válidos. E que faria tudo de novo se tivesse que recomeçar. Seria uma defesa muito pior do ponto de vista legal, mas muito melhor do ponto de vista politico, e ajudaria e colocar em pauta um problema importante neste país, que é o de saber se as normas jurídicas e as instituições de fato servem para alguma coisa. No debate que se seguiria, minha esperança seria que ele fosse derrotado, mas cairia de pé, dando uma importante contribuição para a consolidação do sistema democrático brasileiro, ainda que pelo contra-exemplo. Quem sabe ele ainda faz isto?

O silêncio dos intelectuais

Leio no O Globo que começa hoje um ciclo de conferências inaugurado pela filósofa Marilena Chauí sobre “O Silêncio dos Intelectuais”, “um dos eventos mais esperados das últimas semanas, que promete espalhar boas e oportunas reflexões”. Leio também, na Folha de São Paulo, que “o presidente nacional do PT, Tarso Genro, disse nesta sexta-feira à noite que o PT vai voltar incorporar a intectualidade brasileira ao projeto estratégico do partido. A afirmação foi feita após encontro de Tarso com cerca de 40 intelectuais e convidados na sede da Fundação Perseu Abramo, na Vila Mariana, em São Paulo.”

Ninguém me convidou para nada disto. Eu sempre quis ser intelectual, e nunca consegui. Quando entrei para a faculdade, em Belo Horizonte, morria de inveja de meus colegas intelectuais, Teotônio dos Santos e Flávio Pinto Vieira, que entendiam os filmes da nouvelle vague, escreviam nos jornais, publicavam poesias, e sobretudo participavam de festas fantásticas com mulheres lindas, em que, lá pelas tantas, todo mundo caía na piscina, e das quais eu só ouvia falar. Ao longo dos anos, fui aprendendo que ser intelectual não tem muito a ver com estudar, escrever e ter idéias, mas com algo muito mais inefável, impossível de definir, que faz com que uns estejam sempre nos suplementos literários dos jornais e sejam convidados para grandes festas, e outros fiquem sempre de fora. Em algum momento, pensei que a explicação tinha a ver com freqüentar certos bares, em Belo Horizonte, ou certos pontos na Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Tentei estes caminhos, mas não fui muito longe: tenho pouca resistência à bebida, e minha pele é branca demais para agüentar o sol do meio dia do verão.

É por isto que não sei bem que silêncio é este do qual os intelectuais estão falando tanto, nem fui chamado a me incorporar ao projeto estratégico de nenhum partido. Continuo falando bastante e dizendo o que penso, embora os leitores deste blog sejam ainda menos numerosos do que os do Agamenon.

A terceira proposta, e a crise política

Agora o Ministério da Educação encaminhou sua proposta final de reforma do ensino superior à Presidência da República, e tenho recebido solicitações para comentar. O projeto melhorou? Piorou? O governo cedeu em alguma coisa? O que vai acontecer?

Até aqui, tenho tratado de comentar o projeto, em suas diferentes versões, no seu mérito, sem entrar muito em suas motivações políticas e ideológicas. Isto é importante porque o que faz um sistema educacional funcionar bem, no interesse da sociedade, não é o discurso ideológico que o acompanha, ou os movimentos sociais que o sustentam, mas o conteúdo dos cursos, pesquisas e outras atividades de produção intelectual e formação profissional que ele consegue desenvolver. Se fosse possível tirar a discussão do plano da ideologia, e traze-la para o exame específico do que está sendo proposto, então quem sabe o projeto melhoraria.

É claro que os sistemas educacionais, assim como as demais instituições, refletem diferentes valores e preferências da sociedade, mas existe uma profunda diferença entre instituições em que predomina a competência e os valores técnicos e profissionais de seus membros e aquelas em que predominam a mobilização política, partidária e ideológica de seus diferentes segmentos. A divergência mais profunda minha, e de muitas outras pessoas que têm criticado o projeto do MEC, com a maneira em que o projeto foi concebido e tem sido implementado, é que seus autores não entendem ou não querem entender a importância desta distinção, e sempre pensaram o projeto em termos políticos e ideológicos. Nesta politização, os eventuais críticos são desqualificados como opositores e representantes de interesses privados e mercantilistas contra o ensino público, ou das elites contra os pobres e excluídos, ou dos tecnocratas contra os valores republicanos, ou dos interesses globalizados contra os valores e a cultura nacional.

Esta politização deliberada aparece tanto no conteúdo da proposta quanto no processo de discussão desencadeado pelo Ministério, que sempre privilegiou os encontros e as negociações com determinados setores da chamada “sociedade organizada”, em detrimento da análise independente do que convém ou não à sociedade como um todo. O prosseguimento desta estratégia, com o encaminhamento do projeto ao Executivo, seria a mobilização política para vencer as resistências que poderiam existir dentro do próprio Executivo e, depois, para pressionar o Congresso. Agora, com a crise do governo e a antecipação quase inevitável da campanha da sucessão presidencial, e com o ex-Ministro Tarso Genro se posicionando para participar desta campanha de maneira bastante central, este uso político do projeto de reforma do ensino superior provavelmente se acentuará ainda mais.

A conseqüência do predomínio do discurso político e ideológico sobre o comportamento profissional e técnico é que torna-se impossível, e em última análise inútil, discutir o projeto em seus detalhes. As questões de mérito acabam se subordinando à conveniência político-partidária, e a experiência recente nos mostra como este caminho pode ser desastroso.

A versão final produzida pelo Ministério está mais bem arrumada do que as anteriores, e pode ter algumas boas idéias e inovações aqui e ali, mas não mudou nada em seus aspectos centrais desde a primeira versão, nem levou em conta as principais criticas que foram escritas e publicadas a respeito. O projeto continua insistindo no aumento descontrolado das matrículas no ensino superior público para os próximos anos, sem considerar a realidade demográfica nem o fluxo previsto de estudantes formados e minimamente qualificados pela educação básica; continua dando ênfase prioritária à inclusão social, em detrimento da preocupação com a melhoria da qualidade dos cursos e do bom uso dos recursos públicos; continua insistindo em aumentar a proporção dos gastos públicos em educação ensino superior, sem instrumentos adequados que associem recursos a resultados, e em detrimento de outros níveis; continua insistindo no governo colegiado e na eleição direta para reitores, favorecendo os processos políticos em detrimento da preocupação com dotar as instituições de dirigentes e formas gerenciais modernas e competentes; continua buscando intervir de todas as maneiras no setor privado, pelo uso indevido do conceito de educação como “bem público” e a desqualificação generalizada da educação privada como “mercantilista”; e não tenta mexer na gratuidade indiscriminada do ensino superior público, apesar do que ela significa como transferência perversa de renda da população para seus segmentos mais privilegiados.

Talvez eu esteja sendo muito negativo, e as virtudes que possam existir no projeto superem estes e outros defeitos que não foram mencionados aqui. É possível também que, se o Executivo encaminhar ao projeto ao Congresso, e se o Congresso conseguir discutir a proposta com independência, e se o tema não for lançado na fogueira da próxima campanha eleitoral, possamos ter bons resultados afinal de contas. Tomara.

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