(Publicado em O Estado de São Paulo, 14 de junho de 2024)
No final de março, o Ministério da Educação anunciou a criação de cem novos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Alguns jornais saudaram a iniciativa, dizendo que, finalmente, o governo estava dando atenção à educação técnica e profissional. Fiquei sem entender: como é que o governo federal, que mal consegue manter suas universidades e institutos funcionando, vai criar mais cem? E será que, criando, vai fazer diferença?
Estes institutos foram criados em 2008, a partir de uma rede de Centros Federais de Educação Técnica de nível médio que existiam em vários Estados. Seus professores e funcionários foram equiparados aos das universidades federais, novos cargos foram criados, e, além de cursos técnicos de nível médio, eles passaram também a poder dar cursos superiores e de pós-graduação. Hoje, são 39 institutos e dois que continuam como CEFETs. É difícil saber exatamente o que fazem, os dados são escassos e confusos, mas, pelas estatísticas do INEP, eles têm cerca de 230 mil alunos em cursos de graduação e 320 mil na educação média, matriculados em cerca de 600 locais diferentes, a grande maioria em cursos integrados com o ensino profissional. Além disto, têm cerca de 4 mil estudantes em cursos de pós-graduação, quase todos de mestrado. O projeto do MEC não é, na verdade, de criar cem institutos, mas cem novos locais para os cursos de ensino médio, o que poderia significar cerca de 50 mil matrículas adicionais.
Para entrar nestes cursos médios, é preciso passar por um processo seletivo, e as vantagens para os que conseguem são grandes. Eles estudam em tempo integral e os colegas são mais qualificados, criando um ambiente mais estimulante. Os professores também são mais qualificados, ganham mais do que os das redes estaduais, o número de alunos por professor é menor, e as instalações são melhores. E, quando fazem o ENEM, os formados entram nas cotas de estudantes das redes públicas, ficando nos primeiros lugares. Esses cursos têm sido propostos como o modelo ideal para o ensino técnico médio no Brasil, mas os alunos, por serem selecionados e estudarem em escolas de qualidade, tratam de ingressar em universidades em vez de se profissionalizarem como técnicos.
Para os cursos superiores, seria de se esperar que os alunos estivessem sobretudo em cursos aplicados de curta duração(o que no Brasil se chama de “cursos tecnológicos”). Isto ocorre, mas bem menos do que seria de se esperar: 26% comparado com 30% em cursos de formação de professores (licenciaturas) e 44% em cursos tradicionais de bacharelado. Das áreas de estudo, um terço está em educação, 44% em cursos de engenharia e computação, e os demais dispersos em outras áreas. Estes institutos sofrem com uma praga conhecida que afeta o ensino profissional em muitas partes, a pressão para se tornarem o mais parecido possível com universidades, à custa das missões originais para as quais teriam sido criados.
O caso dos institutos é semelhante ao das universidades federais. Começa-se com um modelo idealizado, caro e em pequena escala, e depois não se consegue expandir, seja pelas limitações do modelo, que se desvirtua, seja pela falta de recursos. Os institutos federais são uma gota d’água: cerca de 2 a 3% das matrículas, tanto do ensino médio quanto do ensino superior e tecnológico. Daria para aumentar? Os Institutos Federais custaram, em 2022, cerca de 18 bilhões de reais, comparado com os 56 bilhões das demais 80 instituições superiores federais. A quase totalidade destes custos vai para pessoal, sobrando quase nada para investimentos e custeio.
Nos cursos de graduação, partiu-se com a ideia de uma universidade pública, universal, gratuita e fundada na pesquisa. Hoje, quase 80% das matrículas do ensino superior estão no setor privado, e poucas universidades públicas conseguem manter atividades de pesquisa mais significativa. A educação superior tecnológica vem se expandindo, mas sobretudo no setor privado. Na pós-graduação, criou-se um sistema controlado e subsidiado para formar mestres e doutores, mas a maioria de seus estudantes não têm interesse em fazer carreira em pesquisa, as matrículas estão caindo, e a pós-graduação lato senso é muito maior, desregulada e não se sabe bem o que faz.
A questão central é qual o papel adequado para o governo federal e dos estados quando os gastos públicos não têm mais como expandir e as demandas e necessidades da sociedade vão muito além do que os governos podem proporcionar. A criação de 10 novos campi universitários no modelo tradicional, anunciada esta semana, assim como a restrições recentes aos cursos de educação à distância, mostra que o governo federal ainda não entendeu o problema. Melhorar o papel regulatório, estimular boas práticas, concentrar os recursos existentes em atividades estratégicas de relevância, qualidade e equidade, e estimular estados e municípios e o setor privado a canalizar melhor suas energias, parece fazer mais sentido do que insistir em, simplesmente, fazer mais do mesmo.
Excelente texto como sempre, porém a complexidade dos IFs é muito maior do que parece. O arcabouço legal obriga que 20% das vagas sejam ofertadas para Licenciaturas e outros 50% para ensino técnico preferencialmente integrados ao ensino médio ou a EJA. Essa mesma legislação vincula a oferta desses cursos aos APLs e a escolha inicial desses cursos é decidida por audiências públicas coordenadas pelas Câmaras de Vereadores. Além disso, estimula-se a verticalização das áreas de conhecimento escolhidas nessas audiências. Diante dessas e outras particularidades, qualquer avaliação dessa política pública pode soar como superficial e fragmentada. Minha Tese traz uma modesta contribuição sobre esse tema: http://bdtd.unoeste.br:8080/tede/handle/jspui/1598
Um resumo perfeito desta tragédia! Com chances zero de mudar e melhorar a situação, pelo menos da parte pública do sistema de educação superior.