Chile: descolando da América Latina

Com o PIB mas alto da região, segundo relatório recente do FMI, o Chile deixa cada vez mais de ser um país “latino-americano”, e se transforma em um país moderno e desenvolvido. Isto se vê com facilidade andando por Santiago, com a arquitetura moderna dos bairros altos, a recuperação do centro histórico, a modernização dos transportes urbanos e as obras rodoviárias por toda parte; e as ruas cheias de gente fazendo compras e enchendo bares e restaurantes, tanto na região elegante da Providencia como na parte antiga da Plaza de Armas e do Mercado Central. Os índices de pobreza no Chile vêm caindo a cada ano, e a distribuição dos gastos sociais é uma das melhores da região. A zona da antiga e decadente Avenida da República é hoje uma área fervilhante de universidades e institutos técnicos privados, freqüentados todos os dias por mais de 50 mil estudantes, sem falar nas universidades tradicionais como a do Chile e a Católica. Até as águas do Rio Mapocho parecem correr mais limpas. Com a proximidade da festa nacional de 18 de setembro, as ruas se enfeitam de bandeiras, e por toda parte se fala da comemoração da “Chilenidad”.

Também há problemas, e muitos. No dia 11 de setembro, aniversário do golpe de Pinochet, grupos de extrema esquerda encapuzados atacaram lojas e repartições públicas com bombas molotov, uma delas provocando um incêndio no palácio presidencial de La Moneda; uma greve dos serviços médicos havia paralisado o atendimento à população; e professores e estudantes das escolas municipais ameaçam com greves e mais manifestações, enquanto o governo tenta resolver os problemas através de comissões de trabalho e negociações que parecem não terminar. Na última década, o governo chileno aumentou muito os investimentos em educação, o ensino médio está praticamente universalizado, a jornada completa se expande rapidamente por toda a rede escolar; mas os resultados do Chile no teste de Pisa são tão ruins quanto os do Brasil ou do México.

Em que medida o que acontece hoje no Chile, de bom e de ruim, tem a ver com as reformas liberais introduzidas durante regime Pinochet? Estas reformas foram mantidas, com modificações, pelos governos de centro-esquerda da Concertación, e o consenso do país, inclusive nos governos socialistas de Lagos e Michelle Bachelet, é que não faz sentido voltar aos velhos tempos, de uma sociedade burocratizada e paralisada. O Chile tem hoje a economia mais competitiva da América Latina, aonde se pode, com mais facilidade, abrir e fechar um negócio, e aonde a abertura ao comércio internacional é maior. Este tipo de economia tem também seus perdedores, e isto explica, talvez, a virulência dos ataques da extrema esquerda, apesar do grande apoio da presidente Michelle Bachelet entre a população.

E existe também o cobre, cujo preço no mercado internacional aumentou enormemente nos últimos anos, gerando grande quantidade de recursos, ao lado das indústrias de exportação como o vinho, as frutas e o salmão. Mas o Chile, diferentemente de outros paises que se enriqueceram com o petróleo, investe a longo prazo e cuida para que a riqueza do cobre não inflacione a economia nem sobre-valorize a moeda, evitando, desta forma, a “doença holandesa” que é a praga dos paises que se enriquecem desta maneira.

Mas o mais importante de tudo, talvez, seja a maturidade política que sempre existiu no país de alguma maneira, sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura, e hoje é, possivelmente, a principal diferença entre o Chile e a maioria dos outros paises do continente. Os partidos políticos têm princípios e programas, os políticos são pessoas honradas, há pouca corrupção e pouco espaço para o populismo barato que conhecemos tão bem. Temas controversos – como a política de distribuição da “pílula do dia seguinte” para adolescentes, a reforma da educação, ou as relações sempre difíceis com a Argentina – são discutidos de forma civilizada pela imprensa, o judiciário é independente e acatado e, com a exceção da extrema esquerda alienada, todos respeitam e valorizam as instituições e os processos democráticos de decisão.

Que dá inveja, dá…

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

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