Coesão social e educação

Como deve ser a educação moral e cívica nas escolas? No passado, havia a idéia de que a escola devia ensinar os valores da pátria, da família, das glorias do passado, dos heróis, etc.  Hoje, os grandes temas nacionais já quase não aparecem nos curriculos, sendo substituidos por temas de identidade, crítica social, a filosofia e a sociologia, cujos conteúdos variam muito conforme as preferencias e a competencia dos professores. Será que existe ainda um lugar para uma educacão de valores que contribua, como se pensava no passado, para fortalecer a coesão social?  Ou este é um assunto conservador e ultrapassado, no mundo globalizado de hoje?

Este é o tema de um texto entitulado “Educación y cohesión social en América Latina”  que preparei para um seminário sobre “Educación para el Desarrollo en América Latina””, organizado pela  “Agenda del Desarrollo Iberoamericana”, Barcelona, cuja versão preliminar pode ser baixada aqui. Comentários são benvindos!

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

2 thoughts on “Coesão social e educação”

  1. Estimado Simon,

    Gostei de seu texto. Acredito que a posição de Durkheim quanto à importância de matérias desse estilo não se limita às circunstâncias do século XIX, mas permanece relevante nos tempos atuais.

    Durante muitos anos lecionei Educação Moral e Cívica no ensino fndamental e médio; e, mais tarde, Estudo de Problemas Brasileiros no ensino superior em diversas universidades, como a USP. Fui o último professor a lecionar essa matéria na USP, durante anos. Muitos anos mais tarde meus alunos se tornaram colegas professores aqui na USP e em outras universidades do interior e de outros estados. Sempre falaram de quão marcantes e vívidas eram minhas aulas de EMC e EPB. Veja só! Marcantes. O usual é pensar nessas disciplinas como potencialmente maçantes, mas não: elas eram marcantes. Por que? Porque sintonizavam com a frequência elevada das aspirações íntimas da alma do jovem. Era isso que as tornava vívidas e envolventes e fazia com que os alunos gostassem: faziam sentido, sintonizando-se com a aspiração típica da juventude de buscar fazer sentido do mundo, um sentido que inclua e acolha o jovem, que lhe permita assumir um papel ativo de protagonista no mundo, ainda que apenas ainda de modo embrionário.

    Contudo, existe um a substância catalizadora importante para permitir que a reação química se efetue e a galvanização tenha lugar: o veículo que dá forma organizada à mobilização. Desde sempre parece que o engajamento dos jovens em torno de causas idealistas nacionais e humanitárias pode ser feita com facilidade quando existem movimentos organizados de que eles podem tomar parte. Sempre foi assim, e continua sendo assim. Um desses veículos, naqueles tempos, era o Projeto Rondon, criado em 1967 e até hoje ativo, como um dos projetos do Ministério da Defesa. Nos anos do governo militar (em especial, na década de 1970), era um senhor projeto que galvanizava os sonhos de legiões de jovens idealistas, inspirados no trabalho humanitário do Marechal Cândido Rondon e motivados pelo ideal de Integrar para não Entregar. Naquela época, o projeto mobilizava muitos jovens bons, de ideais elevados, fibra, talento, aspirações, que embarcavan nos velhos C-47 para viver cerca de um mês trabalhando junto às comunidades carentes do Território de Rondônia, dentre outros tantos pontos remotos. Esse projeto persiste até os dias de hoje, no ministério da defesa, mas sem o mesmo apelo que costumava ter. Há ainda outras versões de alcance mais remoto, e de cunho internacional humanitário (como os Médicos Sem Fronteira), ecológico (como o GreenPeace). Existiam ainda outras versões menores, mais amorfas, como as domésticas organizadas em nível de comunidades locais, de grupos de bairro para cidadania, comunidades eclesiais de base, inspiradas na teologia da libertação, que depois veio a ser uma das vertentes para desembocar no MST…

    Parece que essas formas que funcionam como veículos não se limitam à esfera política, à ideologia, à religião, mas dizem respeito a uma fome primeva por identidade, por fazer acontecer , para além do sofrer os acontecimentos, por ser parte ativa do processo, por fazer a história.
    Contemplemos as ações de políticas de ação afirmativa, as quais contemplam as diferenças, como as políticas de acessibilidade. Longe de serem apenas oportunistas ou casuísticas, essas políticas têm tido notável efeito orgânico, com seu forte e concreto impacto sobre a estrutura física das cidades. Tal efeito, a médio e longo prazo, beneficiará a todos nós, futuros anciãos com problemas de mobilidade urbana e doméstica. Vemos também a mobilização da comunidade de 6 milhões de surdos brasileiros em torno de sua língua, mobilização essa que nos enriquece a todos, a nossa existência e a nossa cultura, restabelecendo-nos ao status de nação bilíngue, status esse que tivemos por séculos até a ingerência pombalina. Isso mostra que aquele tipo de solidariedade, que aparentava ser apenas mecânica, se revela solidariedade, de fato, orgânica. E percebemos que brotamos dela, como mais uma de suas múltiplas folhas. Percebemos que aquilo que pareceria meramente solidariedade mecânica é, de fato, solidariedade orgânica, pois que contribui de maneira planetária para tornar o mundo mais acolhedor, mais moral, mais cívico, e de maneira efetiva e brutalmente concreta, mais que meramente sutil.

    Em suma, quando elevamos o olhar, percebemos que há um plano que dá sentido à miríade de movimentações de microgrupos de interesse na www e em toda a parte ao nosso redor. O pano de fundo é a mesma aspiração que busca alguma forma que emerja do caos, e, com ela, que nos faça emergir do mundo como cidadãos, como gente que está no mundo mas não se limita a ele e às suas circunstâncias. Essa mesma forma que no passado levou milhares e jovens à floresta amazônica seguindo os passos do Marechal Cândido Rondon; futuros dentistas, médicos, arquitetos, engenheiros navais, infectologistas, nutricionistas… mas desde já e desde sempre, cidadãos participantes, que têm a exata dimensão de sua cidadania, civismo, humanitarismo, e da importância que fazem no mundo.

    Talvez o de que precisamos, enquanto intelectuais desta grande nação, é começar a pensar em veículos para dar forma a esta onipresente e angustiante sede de fazer algo pelo mundo, de emergir do mundo, de fazer parte de alguma coisa muito maior do que nós mesmos, de servir co mundo e à História como seres agentes, de tomar as rédeas da própria vida e do proprio destino nas próprias mãos.

    É por algo assim que sempre aspirei, e por isso sinto o cheiro dessa mesma aspiração nos jovens de todas as eras. Nenhuma nação que aspire a um futuro pode se dar ao luxo de desperdiçar a superdotação e o idealismo de seus jovens. Nós, velhos intelectuais, estamos acuados à beira do abismo que percebemos antes dos demais, mas já não temos mais forças para saltar. Tudo o que podemos fazer é ajudar os jovens, que tanto anseiam por uma forma, a construir a ponte. Esta é simplesmente a coisa mais importante que podemos fazer por eles, pelo Brasil, pelo mundo, e por nós mesmos.

    Um abraço moral e cívico a você, sempre antenado com os problemas brasileiros mais importantes.

  2. Prezado Simon,

    Cumpre, em primeiro lugar, reconhecer como magnífica, no sentido de sua atualidade para a proposição de políticas públicas, a questão de fundo que consubstancia o artigo, qual seja: “faz sentido, no século 21, a preocupação de Durkheim de colocar a educação a serviço da promoção da coesão social nos estados nacionais?”

    O estudo traz como ferramenta importante a introdução feita por Putnam do conceito “bonding” – coesão social voltada para dentro (capital social vinculante) e “bridging”- construção de pontes de coesão voltadas para fora.

    Esta é uma questão que tem marcado a discussão do movimento dos educadores de esquerda preocupados com a relação entre currículo e poder. Tratam-se estes estudiosos de discutir e conceber do ponto teórico e prático estratégias para se construir pontes entre a escola e as forças progressistas da sociedade nacional e internacional para promover uma proposta educativa que faça sentido para o conjunto da população. Giroux, sociólogo da educação americana, busca em Habermas, Paulo Freire entre outros tentar encontrar uma resposta para a anomia da escola americana que atende as minorias sociais. Ele trabalha com o conceito de currículo multicultural. É tensa a discussão entre os especialistas da educação os caminhos da educação: coesão entre iguais, ou construir pontes para além do grupo primário de referência. Dever-se-á tomar como referência e respeitar o perfil cultural do educando como um valor em si (construção da coesão social para dentro), ou ao contrário, tomar-se-á apenas, como ponto de partida, as diferenças iniciais de estágio de desenvolvimento dos educandos para se tentar lograr a igualdade de oportunidades (acesso, permanência, rendimento e capacidade para usufruir das oportunidades educativas no mercado de trabalho) como ponto de saída do sistema educativo.

    O que está em jogo, para os educadores é a consciência de uma sociedade desigual e quais as alternativas para a construção de uma educação mais humanitária. Como seu estudo demonstra bem, os educadores tomaram a consciência de que eles também foram marginalizados pela sociedade do conhecimento. A coesão social tem como foco a consciência de um país (ou países)desigual( desiguais) que gera(m) uma educação desigual.

    Outro destaque. Chama atenção na tabela 4, que dentre os países amostrados, é no Brasil onde os entrevistados, “acreditam menos nas pessoas” e consideram que “as a maioria das pessoas não age corretamente”. Também na tabela 5, Brasil, México e Peru apresentam percentuais mais baixos de confiança nas instituições do país, em relação ao Chile, Argentina e Colômbia. Também no Brasil é menor a perspectiva de mobilidade social via acesso ao ensino superior, frente aos demais países latinos americanos, como por exemplo, Chile 85,7%%, Peru, 87, 6%. Estes dados sugerem a necessidade de se encontrar caminhos para oferecer maior confiança da população em suas instituições. A educação certamente será uma alavanca importante nesta conquista. Ademais, o que há de errado entre o mercado de trabalho brasileiro e o ensino superior ofertado no país?

    Mais um destaque. Muito rica a discussão sobre conteúdo do currículo oficial da escola básica da América latina versus formação da identidade nacional/comunitária. Vale à pena, penso eu, aprofundar o conceito de currículo oculto para identificar conceitos de coesão social presentes nos livros didáticos, na literatura utilizada nos cursos de formação de docentes e mesmo no programas de televisão.

    Finalmente, uma obviedade, família e sociedade perderam as referências de valores e normas da vida social, há que se encontrarem espaços na escola para se construir a nova identidade do educando do século 21, de forma que o cidadão local possa se situar no universal, na sociedade global, com seus valores e identidades culturais reforçados. Lembrei-me agora de Gramsci em, “Literatura e Vida Nacional”, pontificando que uma “sociedade está em crise, quando não consegue mais educar as novas gerações, ela age tal como um cão que gira em torno de seu próprio rabo”.

    Atenciosamente,
    Ana Maria de Rezende Pinto
    PS. Gostei muito de ler o artigo.

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