(Publicado na Folha de São Paulo, 25 de janeiro de 2015)
Dizem que, nos velhos tempos, os jovens escolhiam um curso universitário conforme sua vocação, e com isto sua vida profissional estava definida – advogado, médico, dentista, arquiteto, engenheiro, professor…
Se era assim, não é mais. As pessoas continuam tendo diferentes preferências e pendores, mas o que vão estudar depende sobretudo das oportunidades que tiveram no ensino médio, o que depende, por sua vez, das condições econômicas e da educação de suas famílias. Exceto em carreiras tradicionais e de difícil acesso como as engenharias, medicina e odontologia, os formados têm 50% ou menos de chance de trabalhar nas áreas em que graduaram. A área de direito, com 770 mil alunos matriculados em 2013, é típica: somente um quarto, se tanto, dos formados, consegue passar na prova da OAB, e a grande maioria jamais poderá exercer a profissão. Ter um título universitário em qualquer área ainda traz melhores condições no mercado de trabalho, mas é uma vantagem que vem se reduzindo. Em 2004 a renda mensal de quem tinha curso superior era na média três vezes maior do que a dos que só tinham nível secundário; em 2013, cerca de duas vezes e meia. Em 2013, cerca de 30% das pessoas com educação superior trabalhavam em atividades técnicas, administrativas e comerciais de nível médio.
Daí a demanda por cursos de pós-graduação, ou educação continuada: a busca por uma qualificação diferenciada, que possa trazer uma renda mais alta, menos incerteza no mercado de trabalho e maior possibilidade de trabalhar em sua área de escolha, e que possa manter os conhecimentos atualizados. A pesquisa domiciliar do IBGE identificou, em 2013, 387 mil pessoas fazendo cursos de pós-graduação, bem mais do que os registrados pelo Ministério da Educação para 2012: 80 mil em cursos de doutorado, 110 mil em cursos de mestrado acadêmico, e 14 mil em mestrados profissionais. Os 183 mil detectados pelo IBGE mas não pelo Ministério da Educação são os que buscam cursos como os MBA e especializações profissionais, que não são regulados nem entram nas estatísticas do Ministério.
Nosso sistema de pós-graduação vem da década de 60, quando o governo tentou trazer para o Brasil o modelo das universidades de pesquisa americanas e criou os mestrados e doutorados para formar professores e pesquisadores acadêmicos, regulados pela CAPES. O que não entenderam foi que a grande maioria dos estudantes americanos não vai para estas universidades famosas e sim para os “colleges” de dois ou quatro anos, e que a maioria dos cursos de pós-graduação, lá como na Europa, são programas de qualificação profissional, e não de formação docente como aqui. O resultado foi o desenvolvimento de uma pos-graduação que não olha para o mercado de trabalho, ao lado da proliferação de cursos de MBA e especialização não regulados, alguns excelentes, mas a maioria de qualidade desconhecida.
Formar doutores é importante. Mas será que precisamos tantos mestrados acadêmicos assim, ou está na hora de começar a mudar?
Boa noite.
Stefan Salej teve razão no caso da FIEMG . E hoje , no meu cotidiano profissional o quadro que me surge é preocupante.
Como exemplo , relato , em grandes linhas , o que se passou durante o período recente , por ocasião de consultoria que prestei para empresa de cosméticos.
Entre os diretores e gerentes havia uma pessoa com mestrado. Em Micro Biologia. Entendia horrores do que se passa no solo.
A idade média da diretoria e gerentes era de 34 anos.
Com pós graduação havia um gerente de finanças. Mas a pós dele era em contabilidade. Já havia reparado que há , no meio empresarial de médio porte , uma certa confusão entra finanças e contabilidade.
Tive poucas e boas dificuldades. A mais gritante foi o péssimo domínio da língua. Não eram pequenas as confusões em virtude de e mails e documentos mal redigidos e , pior, no entendimento destes e de outros textos.
Não uso “consultês”. Mas daí a não ser compreendido quando escrevi que ….”a máquina de envazar” está superdimensionada sendo necessário negociar com seu dono a substituição por outra de menor porte e correspondente aluguel ….
O que suspeito é que nas grandes empresas, a qualificação dos funcionários seja algo devidamente valorizado. Na outra vertente, a da empresa média e pequena, o quadro talvez seja bem outro.
Ótimo que se pense em adequar os diversos graus acadêmicos ás supostas exigências do mercado.Concordo que o que se passa em nossas universidades representa uma ou muitas distorções e ineficiências. Entretanto , quem vai se encarregar de informar o mercado , as empresas, sobre a necessidade de parâmetros e exigências no momento de formatar seus QLs (quadros de lotação).
Concluindo o “fosso” entre academia e mercado me parece bem maior e pior do que as frias estatísticas podem indicar.
A qualificação superior pode ser um ramo desta inadequação. A qualificação de nível médio , com as exceções (poucas) de praxe, pode se revelar assustadora. No mundo empresarial que conheço (posso estar errado) , a correia de transmissão e o acelerador de inovação fica no nível médio.
Cordialmente, AJS Campello
Um item totalmente evitado na discussão sobre competividade empresarial é a qualificação dos nossos dirigentes de empresas. São poucos que tem doutorado. Pela minha experiência ai as empresas também não tem doutores ou mestres. E me lembro bem quando dirigi a FIEMG e exigi que todos os gerentes do sistema tivessem mestrado e nas áreas cruciais doutorado, não me lembre da reação ! Mas como uma entidade pode liderar o desenvolvimento se suas pessoas não tem o conhecimento que o desenvolvimento exige? E na área siderúrgica mineira tive a felicidade de conviver com todos os CEO com doutorado. Fizemos avanços extraordinários no setor em todos os sentidos. Inclusive social. E vai aí uma sugestão concreta : doutorados sob orientação com teses e menos exigências burocráticas. LSE exige pesquisa! Mas de alta qualidade!