O governo federal anunciou recentemente, com forte publicidade, uma nova expansão do sistema federal de ensino superior. Não há informações, no entanto, sobre os procedimentos que serão adotados para que esta expansão seja feita com qualidade e pertinência, e é improvável que o atual sistema de avaliação federal, o SINAES, consiga dar conta o recado. É este o teor do texto publicado no site “The World View of Higher Education”, que pode ser acessado aqui.
Segue a versão em português, cortesia de Aparecida Andrés:
A educação brasileira tem se expandido rapidamente nos últimos anos, devido principalmente à instituições privadas, que hoje respondem por 78% do total de matrículas. A maioria destas instituições têm fins lucrativos e baixo custo, e fornecem cursos à noite em áreas “soft” (gestão, direito, contabilidade, educação). No últimos anos, o governo federal tem tentado aumentar o acesso a instituições públicas através de ação afirmativa para estudantes oriundos de escolas públicas e negros, através da criação de novas instituições federais e da expansão das existentes.
Recentemente o governo anunciou a criação de quatro novas universidades federais em alguns dos estados mais pobres do país (Bahia, Pará e Ceará), além de 47 novos campi em universidades já existentes, bem como um grande número de institutos federais de educação técnica em parceria com municípios. Em 2009, havia 3.700.000 estudantes em instituições privadas e 1.300 mil no setor público, dos quais 752.000 estavam matriculados em instituições federais. O projeto atual é adicionar 250 mil estudantes às universidades federais para se chegar a uma matrícula total de mais de 1 milhão de alunos neste setor. Além disso, através da criação de novos institutos técnicos, o governo espera aumentar as matrículas no ensino técnico por meio de um adicional de 600 mil estudantes – seria uma expansão dramática a partir de apenas 54 mil alunos em 2009.
E a qualidade?
Qual a qualidade das instituições existentes e o que se pode esperar das novas que estão sendo criadas? Em meados de 1990, o Brasil introduziu um sistema de avaliação para o ensino superior com base em testes administrados a alunos em diferentes disciplinas, no ano de sua formatura. A média dos resultados de cada curso foi usada como medida de sua qualidade. Ao mesmo tempo, o governo introduziu uma série de requisitos mínimos para instituições privadas de ensino superior que queiram obter autorização para operar e ter os seus títulos legalmente reconhecidos. Em 2004 estes procedimentos foram modificados e reunidos em um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), supervisionado por um Conselho Nacional de Acreditação (CONAES) e implementado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão do Ministério da Educação.
O último Censo da Educação Superior, de 2009, lista cerca de 63 mil cursos que têm de ser avaliados a cada três anos, de acordo com a legislação em vigor. A avaliação inclui visitas in loco por avaliadores externos, bem como os exames aplicados aos alunos. Todos os dados são combinados através de procedimentos estatísticos complexos levando a um ranking dos programas de curso em cinco categorias, e esses rankings, além da informação proveniente de avaliações da pós-graduação e pesquisa, realizadas separadamente, são combinados novamente para produzir um ranking de cinco pontos de cada instituição. Tais rankings são publicados em jornais e no site do Ministério da Educação, e, supostamente, cursos e instituições que estão no nível mais baixo ficam sujeitos a uma inspeção mais direta e, em casos extremos, devem ser fechados.
Este é um sistema gigantesco, muito caro e tem sido criticado por vários motivos. Os cursos e as instituições são classificados, mas não existem padrões mínimos, o que significa que é impossível interpretar o significado dos resultados. O setor privado reclama que eles perdem pontos e posicionam-se nos escalões mais baixos do que as instituições públicas, porque têm poucos professores em tempo integral e com titulações mais elevadas, uma vez que são apenas e principalmente instituições de ensino. Não existem dados sobre o emprego para os alunos após a graduação, para que possam determinar a qualidade dos programas de curso a partir da perspectiva do mercado de trabalho.
Finalmente, enquanto as instituições particulares podem perder alunos e, eventualmente, ser fechadas se se sairem mal nessas avaliações, as universidades públicas são autônomas e imunes a sanções do Ministério da Educação. As universidades estaduais de São Paulo – incluindo a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), entre as melhores universidades do país – se recusam há anos a participar do sistema nacional de avaliação.
Em princípio, as novas instituições e programas dos cursos têm que passar por um processo de autorização e credenciamento para funcionar, mas as instituições públicas criadas por lei não tem que seguir estes procedimentos. Reportagens recentes nos jornais sugerem que a maioria das universidades federais criadas nos últimos anos não dispõe de instalações adequadas e pessoal acadêmico e que os institutos técnicos federais criados recentemente, boa parte deles constituindo-se em uma atualização de escolas de nível médio técnicos existentes, estão passando por uma greve prolongada, devido à falta de condições de trabalho adequadas.
O governo federal não disse como irá garantir que as novas instituições e campus vão atender a padrões adequados de qualidade e é duvidoso que o sistema de avaliação em curso seja capaz de garantí-los.