Enquanto aguardamos os resultados do ENEM deste ano, vale a pena olhar alguns dados de 2010, os últimos disponíveis para análise. Naquele ano se inscreveram 4.6 milhões de pessoas, mas só cerca de 3.2 milhões, ou 70%, fizeram as provas. Não encontrei uma explicação para isto, mas o que se observa é que a desistência está fortemente relacionada com a educação dos pais, que, como sabemos, também está relacionada com nível de renda da família, ter estudado em escola pública, etc. Entre os candidatos com pais que não estudaram, 38% desistiram da prova de matemática, por exemplo. Entre os com mais de nível superior, a desistência foi de 18%, a metade.
O Ministério da Educação decidiu que o ENEM serviria também para dar um certificado de nível médio para quem não tivesse este diploma, e que o requisito para isto seria ter pelo menos 400 pontos em todas as provas. Naquele ano, 540 mil pessoas tentaram obter este certificado, e só 26% conseguiram. Para este ano o Ministério achou que 400 pontos era pouco, e elevou para 450. Aplicando este critério para os candidatos ao certificado em 2010, a percentagem de aprovados cairia para 11%.
Se o critério para ter o certificado do ensino médio são 450 pontos ou mais em todas as provas, quantos dos candidatos do ENEM de 2010 satisfazem este critério, ou seja, têm a qualificação mínima necessária para quem conclui o ensino médio? A tabela acima mostra que são somente 27% do total, variando, como era de se esperar, de apenas 12% para pessoas cujos pais não estudaram a 49% para os filhos de pais com educação superior.
Não há muita novidade nestes dados, que confirmam a péssima qualidade de nosso ensino médio, que afeta sobretudo a população de famílias mais pobres e menos educadas. Eles mostram que, para a grande maioria dos que se candidatam ao ENEM, a prova é uma ilusão cruel, cujo resultado já está em grande parte predeterminado pelas suas condições socioeconômicas e pela má qualidade da educação que tiveram até aí. A solução correta para esta situação seria, antes de mais nada, melhorar o ensino médio, e , ao mesmo tempo, não exigir que todos passem pelo mesmo tipo de prova, em nome de uma igualdade que não existe (veja a charge que publiquei ontem sobre isto). A solução mais fácil é criar uma política de cotas que, sempre em nome da equidade social, transfere para as universidades públicas a responsabilidade de lidar com um problema para o qual elas não estão equipadas para resolver.
Outro dado interessante é que, se contarmos apenas os 539.216 alunos que pediram certificado, aí apenas 12,3% devem ter sido aprovados.
Curioso, porque quando eu conto as cinco notas com limite de 500 pra redação, dá 1344177 (29%). Quando diminuo o limite para 450, dá 1439630 (31%). Não é uma diferença preocupante em si, mas me preocupa não saber a causa dela. Será um problema relacionado a dados faltantes? Ou será que tem a ver com incluir ou não os alunos que ficaram no limite? No meu caso, eu incluí.
Interessante pesquisa.
Só achei estranho que, segundo meus cálculos, 33,8% dos candidatos tiraram mais de 450 pontos nas 4 provas de 2010. E se contarmos apenas os alunos que fizeram todas as provas, aí o percentual aumenta para 48,3%, o que muda bastante os resultados.
Por outro lado, se levarmos em conta os critérios das provas e redação contando todos os alunos, aí sim o percentual ficaria em 29%, bem próximo dos seus resultados.
Fiz a tabulação com os microdados do ENEM, usando o total dos candidatos, incluindo os que abandonaram e não fizeram as provas,e que, por esta razão também não obtiveram a pontuação. Será que um de nós errou na conta?
Pois é, estou justamente com essa preocupação, visto que também tenho trabalhado com os microdados. Vejamos se podemos encontrar a causa da diferença, olhando um número de cada vez. Pelas minhas contas, teríamos:
total de alunos= 4626094
passou (450 ou mais) nas 4 provas= 1567073
passou em ciências humanas= 2862258
passou em ciências naturais= 2201112
passou em matemática= 2070474
passou em linguagens e códigos= 2533711
passou (500 ou mais) em redação= 2470251
Os meus números sao iguais aos seus, mas contei 450 pontos ou mais em todas as provas inclusive redação. Isto deu um total de 1.377.687 aprovados, ou 29.8%. No calculo anterior eu havia usado um mínimo de 500 pontos para redação, agora refiz usando 450.
Se por um lado forçam para só escolas públicas, por outro fazem um exame nacional, naturalmente os melhores do país entrarão. Felizmente o mérito é o que vale, afinal. Porém e o que sobra para os demais? Resposta: NADA. Pela concorrência há uma chance das federais manterem o nível, só o tempo dirá, as pessoas se ajustam ao sistema. Como já disse, há muita gente boa nas escolas públicas, mas que agora fica evidente devido as cotas, só não se sabe quanto. Há estatísticas confusa de todos o lados, cada um fazendo propaganda para si. O mérito é do aluno e não do político ou ONG que criou a tal da cota, cabe lembrar isto. Mesmo assim é urgente a melhoria do ensino público, pois está se criando uma massa de despreparados que não vai ter bolsa família que dê jeito. Um dilema de ou mais escolas ou mais cadeias. Ou mais professores ou mais agentes penitenciários.
Mesmo entre os mais bem aquinhoados, os resultados são desesperadores. Veja que entre entre aqueles cujos pai tem DOUTORADO, 40% não alcançaram 450 pontos. Há algo de muito errado com esse sistema…
Você está certíssimo ao dizer que o sistema de cotas não resolve o problema do ensino médio. Melhorar todo o ensino básico é o grande desafio que está diante de todos nós, e ninguém tem uma fórmula mágica para isso. Levará vinte anos, pelo menos. Enquanto isso, o mundo continua girando, e é preciso fazer frente às injustiças presentes. Vamos desdramatizar esse tema das cotas. A qualidade de ensino na universidade pública (que em geral é ruim, com ou sem cotas) não sofre nada com isso. Você só permite que os MELHORES estudantes pobres (pretos, etc.) cheguem lá. Isso tem um impacto formidável na comunidade em que esses estudantes vivem. Cria um novo horizonte, um novo padrão. Que mal há nisso?
Se entendi direito, o raciocínio é que, como a qualidade das universidades públicas em geral é ruim, então colocar lá os melhores estudantes pobres e pretos não vai mudar nada, e ao mesmo tempo isto teria um “impacto formidável” na comunidade em que eles vivem – embora, digo eu, eles não ganhem muito com o estudo universitário que, como foi dito, é ruim de qualquer maneira. A alternativa – que não é fácil, mas não impossível – seria criar alternativas de estudo e formação diferenciadas para pessoas que chegam ao final do ensino médio sem a formação convencional medida pelo ENEM, mas que poderiam ter potencialidade em áreas específicas de capacitação e educação continuada. Isto requer mexer no ensino médio, criando escolhas, inclusive de tipo profissionalizante, separada do currículo acadêmico; criar diferentes tipos de avaliação do ensino médio, ao invés de uma prova única; e investir também no ensino profissional e tecnológico de nível pós-secundário, que no Brasil praticamente não existe.
Eu tendo a concordar com o Jotavê numa coisa: algum tipo de medida remedial a curto prazo é importante, pois essa é uma demanda premente na sociedade, que a universidade pública não pode dar as costas. Agora, por que não usar o critério de renda pura e simples? Por que o branco pobre fica de fora dessa equação? Afinal eles são bastante numerosos. Em algumas regiões do país, são a maioria dos pobres. Porque discriminar contra as famílias pobres que optaram por fazer sacrifícios para pagar uma escola particular para seus filhos? Afinal, nem toda escola particular é um Santa Cruz da vida, e, considerando as mazelas das escolas públicas, muitas famílias de renda baixa mas que prezavam a educação fizeram a opção de reduzir drásticamente o seu bem estar para dar aos filhos acesso à uma educação que, aos olhos deles (com razão) era o melhor que tinham para oferecer. Por que raios essas famílias devem ser punidas por terem tomado essa decisão?