Eu tinha decidido não continuar participando na discussão sobre cotas raciais no ensino superior, mas a publicação do livro de Ali Kamel provocou uma série de comentários e reações, a favor e contra, que podem ser vistos logo abaixo do texto anterior. Eu vou continuar a deixar neste blog os comentários que forem enviados, desde que coerentes, assinados e não totalmente repetitivos, mas não vou mais circulá-los na lista de correio.
Uma das razões disto é que me parece que os diferentes argumentos já foram formulados, e estão se tornando circulares. A outra razão é que a discussão sobre cotas nas universidades está ocupando todo o espaço e a atenção, e impedindo que se discutam as questões mais centrais do ensino superior e da educação como um todo, dentro da qual o tema das ações afimativas pode ter lugar, mas não o principal.
Quanto ao tema em si, me parece que ninguém duvida que existe preconceito e discriminação racial no Brasil, e que a condição de vida e as oportunidades dos descendentes de escravos e das populações indígenas é bem pior, na média, do que a dos descendentes dos imigrantes europeus e dos países asiáticos. Ao mesmo tempo, as fronteiras entre pessoas de diferentes origens não são nítidas, existe muita convivência e uma longa história de miscigenação, e neste sentido a sociedade brasileira, da mesma forma que outras sociedades latinas com uma história de escravidão como Cuba, Venezuela e República Dominicana, é muito diferente da sociedade americana, sem falar da África do Sul, aonde a separação entre raças e culturas é claramente marcada. O que se discute é se a desigualdade é causada predominantemente pelo preconceito e a discriminação ou por outros fatores, como a má qualidade da educação e de oportunidades de trabalho, que afeta tanto a brancos quanto não brancos, embora em proporção desigual. O que se discute, também, é se a solução para os problemas de desiguldade é dividir o país em duas raças estanques, oficializando as diferenças raciais, ou identificar e eliminar as situações de desigualdade e discriminação, fazendo com que o país evolua no sentido de uma sociedade em que todos sejam igualmente reconhecidos e valorizados pelo que são como pessoa, e não pela cor da pele que têm.
Finalmente, é natural que diferentes grupos, na sociedade, possam ter interesse em ressaltar e redefinir suas identidades, sejam elas associadas a origem, cor, gênero, preferência sexual ou religião, e interpretem de forma diferente a história e as experiências passadas. O que se discute, em relação a isto, é se é necessário adotar uma interpretação específica da história como a oficial e impô-la aos demais, ou deixar que as diferentes interpretações coexistam, em uma sociedade efetivamente pluralista.
Simon, você, Kamel, Luis Nassif e outros há 10 ou 15 anos, com certeza, pouco se preocupavam com miscigenação ou ações afirmativas no Brasil. O negro brasileiro sempre esteve no seu lugar a periferia e guetos das cidades (assepsia com o objetivo de purgar a mancha negra). Infelizmente, a comunidade de afrodescendentes, históricamente, tem ocupado a base da pirâmide social e econômica desse país. O comportamento subserviente, dócil, enfim cheio de “bons modos” do negro, sempre foi conveniente à manuntenção de todo um jogo de aparênciais que ajudou a perpetuar a hipocrisia da democracia racial.
Quando o negro muda o discurso e torna-se mais incisivo na luta pelos seus direitos – ele é taxado de racista e de querer privilégios numa sociedade onde os brancos pobres tambem sofrem. No entanto, foi o negro que durante mais de 300 anos trabalhou sob regime de serviços forçados, sem paga e que quando liberto teve que disputar espaço com imigrantes europeus e japoneses, trazidos às custas e pelo governo brasileiro.
As cotas são um pobre paliativo mas necessárias.