No final de 2017 a imprensa brasileira anunciou, com algum destaque, o fim da cobrança de anuidades nas universidades chilenas. Em fevereiro deste ano a Associação dos Jornalistas de Educação, em sua newsletter, publicou uma matéria intitulada “entenda a lei chilena que exige gratuidade nas universidades públicas” que na verdade não explicou a lei, mas descreveu o movimento estudantil chileno em prol da gratuidade, lamentou que a imprensa brasileira não tivesse dado mais lugar ao assunto, e fez um paralelo com a proposta de um recente relatório do Banco Mundial que, repetindo o que muitos especialistas têm dito há bastante tempo, dizia que as universidades públicas brasileiras deveriam cobrar mensalidades dos alunos que podiam pagar. A nova lei chilena, aparentemente, era uma prova de que esta proposta deveria ser enterrada.
Acontece que não é nada disto. Basta entrar no site da Universidade do Chile, a principal universidade pública do país, para ver os preços da matrícula nas diversas carreiras para 2018. Em reais, a matrícula em uma licenciatura em história custa cerca de quinze mil por ano, e em medicina, 18 mil. O que a nova lei instituiu foi a gratuidade para os estudantes cuja renda familiar está entre os 60% mais pobres do país, tanto em universidades públicas quanto privadas, desde que cumpridas diversas condições; e as universidades, institutos e centros tecnológicos públicos e privados que queiram aderir devem aceitar estes valores (várias universidades privadas de elite não aderiram).
Como a grande maioria dos estudantes universitários chilenos tem renda familiar acima da média da população, a estimativa é que esta lei beneficie cerca de 20% dos estudantes, sobretudo nas instituições privadas mais baratas que recebem alunos que não obtêm boas qualificações no equivalente chileno do ENEM. Para os demais, existe uma grande variedade de créditos educativos e outras formas de subsídio associados à renda e ao desempenho.
A lei chilena também estabelece que esta gratuidade deve aumentar gradativamente na medida em que aumente a proporção de impostos recolhidos pelo governo em relação ao PIB, que hoje é de cerca de 20%, chegando a 100% quando os impostos chegarem próximos ao nível brasileiro, que é hoje de 35%. Não há nenhuma previsão de quando isto vai acontecer, se é que vai acontecer um dia e a lei não mudar até lá.
Graças em parte ao setor público enxuto que tem, a economia chilena é a mais competitiva da região, e o crescimento da economia tem sido acompanhado de uma importante redução dos níveis de pobreza, acesso e melhoria da qualidade da educação. O Brasil tem muitas lições a aprender do Chile, mas a gratuidade generalizada nas universidades públicas não é uma delas.