Escreve Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo:
A atual gestão fez progressos em diversas frentes, mas há um ajuste crucial que precisa ser feito, como revelado pelo maior programa de pesquisas do mundo sobre desenvolvimento escolar de surdos.
Em 22 de maio de 2009, convidado pelas federações de surdos a comentar sobre a descontinuação das escolas bilíngues para surdos que estava estremecendo a comunidade surda, publiquei um breve artigo na Revista Patio (ano XIII, maio-julho 2009, número 50, pp, 24-25) intitulado: Avaliação escolar e políticas públicas de Educação para os alunos não ouvintes. Nele comento o Pandesb-Usp, que, com o apoio do CNPq, da Capes, da Fapesp, e do Inep, de 1999 a 2009, avaliou o desenvolvimento de competências cognitivas, linguísticas e escolares em mais de 8000 surdos de 6 a 40 anos de idade (durante cerca de 20 h por avaliando) de 15 estados brasileiros e descobriu que eles aprendem melhor em escolas de surdos, as mesmas que vêm sendo descontinuadas.
Essa pesquisa rigorosa mostra que, enquanto as crianças com deficiência auditiva aprendem melhor sob inclusão em escolas comuns, as crianças surdas aprendem muito melhor em escolas bilíngues para surdos, onde a comunicação e o ensino se dão na língua mais apropriada para elas. Esses resultados vêm sendo publicados em meu recém-lançado Dicionário de Libras e nos diversos volumes de minha Enciclopédia de Libras, bem como em diversos artigos e publicações, parte dos quais encontra-se disponíveis para download de meu site.
Estou concluindo um tratado de educação de surdos onde sumario os resultados de uma década de estudos intensos na área, com conclusões sérias e claras para a orientação das políticas públicas. A dupla matrícula, iniciativa do Ministro Fernando Haddad, é uma conquista importante para contribuir para a inclusão escolar, mas, em se tratando de surdos, apenas se o contra-turno se der em escola bilíngue e não em “sala de recursos” com “atendimento educacional especializado”. As crianças surdas não precisam de “atendimento escolar especializado” em meio a outras crianças com os mais variados tipos de deficiência e distúrbios (incluindo deficiência intelectual, transtorno invasivo do desenvolvimento ou autismo, paralisia cerebral, deficiência visual, dentre tantas outras) que desconhecem sua língua e sob um professor que tem de se dividir para atender as diferentes necessidades especiais e que também está pouco familiarizado com sua língua. Precisam, isso sim, de escolas bilíngues que oferecem educação em Libras por sinalizadores fluentes em meio a sinalizadores fluentes no caldo de cultura da língua de sinais.
Crianças surdas não são definidas por sua deficiência auditiva apenas, mas sim, principalmente, por sua língua materna própria (a Libras) e por sua cultura própria. O respeito a essa diversidade é essencial para a cidadania e a educação de qualidade adequada às suas necessidades especiais, direito da criança reconhecido pela Unesco. A atual gestão fez progressos em diversas frentes, mas é preciso proceder aos ajustes revelados pela pesquisa científica. O próprio ministro, em comunicação pessoal, declarou que reconhece a necessidade de manter as escolas especiais em diversos casos, como o de crianças surdas e o de crianças com quadros mais severos. É mister proceder aos ajustes revelados pela pesquisa científica rigorosa que identifica as condições mais propícias para o aprendizado de crianças diferentes. Com efeto, ao cabo de uma década, depois de ter avaliado mais de 8 mil alunos surdos de 6 a 40 anos de idade, o Pandesb revelou que a inclusão em escola comum é boa para a criança com deficiência auditiva, mas que a criança surda aprende e se desenvolve mais e melhor em escolas bilíngues que oferecem educação em Libras por sinalizadores fluentes em meio a sinalizadores fluentes no caldo de cultura da língua de sinais. Mais detalhes podem ser obtidos em minhas muitas publicações.