Previdência e Desigualdade
Jorge Jatobá
O país precisa enfrentar os conflitos distributivos advindos do seu sistema previdenciário. Os discursos de grupos – vinculados a partidos políticos ou não – e dos “coletivos” de interesse incrustados no aparelho de estado brasileiro contra a Reforma da Previdência são reveladores desse fato.
O atual sistema previdenciário brasileiro é profundamente desigual e injusto. As diferenças entre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), sob a égide do INSS, que cobre a grande parte dos trabalhadores brasileiros, e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) que contemplam os servidores públicos federais, estaduais e municipais bem como os políticos, são muito significativas. Eis alguns exemplos: i) o servidor público se aposenta com salário integral e obtém como inativo os mesmos reajustes dos ativos; ii) os servidores públicos não têm teto, se aposentando com a remuneração integral de final de carreira enquanto os trabalhadores submetidos ao regime geral estão sujeitos a um teto de R$ 5.500; iii) ganhos de produtividade de servidores na ativa são concedidos também aos aposentados (caso dos auditores do Ministério do Trabalho)
Ambos regimes são deficitários. O déficit do regime geral (INSS) foi de R$ 149 bilhões em 2016. No mesmo ano, o déficit previdenciário dos servidores federais foi de R$ 121 bilhões. Entre os regimes próprios dos estados, o déficit previdenciário no ano passado foi de R$ 90 bilhões. As despesas dos estados com inativos é mais do que o dobro das receitas. Contraste-se agora os déficits com os números de beneficiários.
As diferenças entre os número.s de beneficiários é bastante significativa. Os servidores públicos protegidos pelos regimes próprios são minoritários em comparação ao total dos trabalhadores brasileiros que estão submetidos ao regime geral, mas seus déficits são, no conjunto, 41,6% maiores (R$ 211 bilhões= 121+90 contra R$ 149 bilhões).Em 2016, o número de servidores públicos aposentados na União, Estados e principais municípios das capitais e do interior foi de 1,051,4 mil. No mesmo ano, o número de aposentados pelo RGPS foi da ordem 18.000,4 mil, ou seja, 18 vezes maior, mas com um déficit R$ 72 bilhões menor. A resolução do déficit previdenciário do setor público, em todos os níveis, é crítica para o sucesso da Reforma da Previdência.
Para os servidores públicos federais já houve mudanças em 2003. A proposta em exame pelo Congresso Nacional completa a convergência para as regras do setor privado, acabando com diferenças injustificáveis, especialmente quando se observa a pirâmide da distribuição de renda brasileira, onde os servidores públicos federais se situam no topo (entre os 5% mais ricos). Uma vez que a proposta de Reforma da Previdência extingue esses privilégios, reduzindo as desigualdades e acabando ao final de um período de transição com os cidadãos de segunda classe que não fazem parte do aparelho de estado, observa-se, sob os mais falaciosos argumentos, a resistência das várias castas de funcionários públicos ao projeto de reforma. Neste lócus reacionário se reúnem os sindicatos e associações de fiscais da receita e do trabalho, promotores, magistrados, procuradores, professores das universidades, etc. Todos temem perder seus privilégios. A CUT, braço sindical do PT, e que tem uma forte presença na organização e mobilização dos servidores públicos, lidera o movimento de resistência a reforma. Essa iniciativa é conservadora colocando os interesses corporativos acima dos interesses do país e da maioria dos trabalhadores. O temor de perder privilégios explica, também porque fiscais da receita divulgaram, através de associação de classe (ANFIP), dados manipulados com má fé para afirmar que não existe déficit na Previdência, na tentativa de confundir a opinião pública e perturbar o debate responsável sobre o tema.
No caso dos servidores públicos estaduais, o governo federal recuou na proposta de legislar por norma constitucional a previdência dos estados. As corporações estaduais (auditores fiscais, procuradores, promotores, juízes, professores, etc.) pressionaram os governadores e bancada federal para que a reforma não avançasse, posicionando-se na defesa, também, de seus interesses. Esses grupos, que formam a elite do serviço público dos estados, são poderosos politicamente, detendo substantiva capacidade de pressão sobre os governantes. Em decorrência dessa pressão, as propostas relativas à previdência dos estados foi retirada do projeto original e devolvida para o colo dos governadores que, no entanto, teriam prazo fatal para enviá-las e aprová-las nas Assembleias Legislativas. Os governadores vão ter que se defrontar com os interesses e privilégios das corporações estaduais. Esses grupos possuem aposentadorias generosas que respondem em boa parte pelo elevado déficit previdenciário dos estados. Os casos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul são emblemáticos de onde pode-se chegar com o descontrole da previdência pública e subordinação aos interesses dessas corporações.
Todos esses movimentos são conservadores. Defendem “direitos” (“nenhum direito a menos”) que na verdade, no contexto da sociedade brasileira, são privilégios que custam muito caro ao país e aos bolsos dos brasileiros e que se constituem em uma das principais razões pelas quais somos uma sociedade profundamente desigual.
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Artigo publicado na Revista Será, Ano V, Nº235
O apelo em si é oportuno, mas o estilo redacional me parece pouco feliz. Deveria ser mais enxuto.
Só vamos conseguir avanços significativos na medida em que se processar um amadurecimentos geral da sociedade, e em particular da classe política. A qualidade da ‘gouvernmentalité’ (termo cunhado por Michel Foucault) do Brasil precisa melhorar.