Comparto o texto de José Francisco Soares, ex-presidente do INEP e membro do Conselho Nacional de Educação, sobre como avançar em relação à reforma recente do ensino médio:
Reforma do Ensino Médio: Base comum, parte diversificada e ENEM
A lei Nº 13.415, DE 16 de fevereiro de 2017 introduz grandes mudanças no ensino médio. No entanto, o texto da lei é pouco preciso em alguns aspectos e, por isso, não é possível saber, apenas pela sua leitura, como o ensino médio será organizado a partir de 2019 quando, segundo o Ministro da Educação, as mudanças devem estar completamente implementadas.
Um ponto que precisa de esclarecimento é a definição dos termos “base comum” e “parte diversificada”.
Um consenso sobre estes conceitos é fundamental para que a base nacional comum curricular do ensino médio e os padrões de desempenho possam ser construídos como determina a lei.
O conceito de parte diversificada já está bem definido nos princípios gerais dos currículos das etapas da educação básica. Nas normativas em vigor, a parte diversificada do currículo tem uma relação de adição, de aprofundamento ou extensão e de contextualização em relação à base nacional comum. No entanto, apenas a dimensão de adição entrou no recente debate, principalmente a partir da fixação de percentuais de carga horária para a base comum e parte diversificada. Essa visão influenciou o texto da lei cuja leitura, comporta a interpretação de que a parte diversificada consiste apenas em adições à parte comum.
Se esta interpretação se mantiver a diversificação curricular, um dos principais objetivos da lei, pode ficar seriamente prejudicada.
A dimensão de adição na parte diversificada se aplica, por exemplo, a um curso técnico de mecatrônica. Este curso dá ao estudante um conjunto de conhecimentos e habilidades que não estarão na base comum. A contextualização se dará, principalmente, no âmbito da didática. Em diferentes partes do país, os conteúdos e habilidades da base comum serão ensinados com situações, exemplos, materiais e atividades que refletem a cultura local. Claro que uma proposta pedagógica específica pode usar concomitantemente a adição e a contextualização
No entanto, é o papel da dimensão de aprofundamento que precisa ser mais discutido. Ao usar a mesma linguagem para tratar definir tanto as áreas que devem organizar a base nacional comum como os itinerários formativos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e sociais aplicadas e as respectivas tecnologias de cada uma destas áreas, a lei permite diferentes interpretações.
Como a reforma foi feita para flexibilizar, mas também para garantir a “ formação integral do aluno”, os conhecimentos e habilidades das quatro áreas devem ter duas especificações que se harmonizem. Por exemplo, é razoável estabelecer que todos os que completam o ensino médio devem adquirir conhecimentos como os referentes à estrutura biológica da vida humana ou energia. Mas, quem optar pelo itinerário de ciências da natureza, deverá ser exposto a estes conhecimentos de forma expandida e aprofundada.
Por outro lado, é preciso refletir como os padrões de desempenho que, pela lei devem ser definidos, serão definidos. Isso implica em trazer o ENEM para a discussão. Este exame influencia fortemente todo o ensino médio, tendo, entretanto, se tornado uma métrica nacional útil para medir os aprendizados dos estudantes, ao fim do ensino médio. Sem se considerar o ENEM há riscos reais para a implementação da diversificação. Basta lembrar que tanto a LDB como as atuais diretrizes do Ensino médio permitem muitas flexibilizações que nunca saíram do papel já que os estudantes do ensino médio, estão completamente ocupados preparando-se para o ENEM
Uma solução de fato inovadora e completamente compatível com a lei aprovada seria adotar na parte comum para as quatro áreas uma especificação temática. Assim a base comum se organizaria em torno de temas: Energia, Aquecimento global, Origem e estrutura da Vida, Cidades, Organização do Estado Democrático, Formação do povo brasileiro etc. Por outro lado, a parte diversificada teria uma especificação disciplinar: o itinerário técnico, uma linha de STEM, ciências biológicas e de saúde, línguas e literatura, ciências sociais e artes, opções muito mais próximas das opções profissionais existentes:
Nesta proposta o primeiro dia do ENEM seria restrito à parte comum e o segundo dia à duas provas de disciplinas, para as quais os estudantes se prepararam no seu respectivo itinerário formativo. Esta organização daria oportunidade aos estudantes brasileiros de adquirirem uma formação compatível com o século XXI. Isso porque garantiria a todos os conhecimentos e habilidades necessários para aprender a aprender – língua portuguesa, matemática e inglês – para ler o mundo – os temas – e, finalmente, para aprender a fazer, os itinerários formativos.