Milu Villela: o remédio necessário

Milú Villela, entre outras coisas Presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, escreveu recentemente o seguinte artigo, divulgado pelo ADITAL – Notícias da América Latina e Caribe:

O estudo divulgado pela Unesco que mostra o Brasil como um dos países com maior índice de repetência no ensino fundamental no mundo não poderia chegar em melhor hora. O indicador, que nos coloca ao lado de Burundi, Moçambique e Camboja, é o alerta que faltava para a corrida eleitoral que se avizinha.

Definitivamente, o problema está na arena. Não podemos mais suportar ver a educação colocada em segundo plano no debate político, como ocorre há décadas. A questão, se não quisermos continuar perdendo competitividade num cenário global em que o conhecimento é fator decisivo, tem necessariamente que ocupar o centro das preocupações daqueles que postulam comandar o país nos próximos quatro anos e no futuro de longo prazo.

É bom começarmos a nos debruçar sobre os dilemas do ensino com a mesma voracidade com que nos entregamos ao exame de temas como juros, câmbio, déficit público e outros assuntos correlatos de economia, que têm lugar certo no altar dos políticos, da mídia e dos agentes de mercado toda vez que nos colocamos diante do processo de escolha de nossos dirigentes.

Mais que nunca temos que ter presente que só um sistema educacional forte, alinhado com as demandas contemporâneas, pode garantir a construção de um modelo sustentável de crescimento e de melhoria das condições sociais. Países como Coréia do Sul, Irlanda, Índia e o nosso vizinho Chile já nos deram lições suficientes sobre o assunto.

O caso da Coréia do Sul, que chama tanto a atenção da mídia por seus resultados extraordinários, dá bem a dimensão do que a educação é capaz de fazer por um país. Há 40 anos, o PIB per capita daquele país era a metade do nosso. Hoje é o dobro. Não é de admirar. A Coréia do Sul elegeu a educação como prioridade estratégica, investiu pesado na formação de professores, ampliou as horas de estudo, informatizou suas escolas, tudo com o objetivo de fazer o país crescer e se tornar um grande exportador de produtos acabados.

Resultado: enquanto de 1996 a 2005, o PIB per capta cresceu na média 3,7% ao ano entre os coreanos, o do Brasil não passou perto disso. Ficou em torno de 0,7%. A educação não respondeu sozinha pelo fenômeno, é claro. Mas não há hoje quem conteste que teve papel decisivo na formação do indicador. O caso da repetência levantado pela Unesco é apenas um entre os muitos indicadores dramáticos de nossa educação que teimam em nos afastar cada vez mais de realidades semelhantes à da Coréia do Sul.

Outros problemas estruturais, e tão devastadores quanto a repetência, resistem no universo da educação brasileira. O analfabetismo funcional é um deles. Estudo feito em 2005 pelo Instituto Paulo Montenegro, do grupo Ibope, revela que apenas 26% da população brasileira tem o domínio pleno das habilidades de leitura e escrita. O restante da população está em estágio de analfabetismo (7%), de alfabetização rudimentar (30%) ou alfabetização básica (38%). Ou seja, a maioria da população brasileira quando lê e escreve o faz de forma precária, o que debilita a capacidade de avançar profissionalmente e conquistar melhores condições de vida.

A evasão escolar é outro fator negativo da vida escolar no país. Apenas 54 de cada 100 alunos que entram no sistema de ensino chegam a concluir a oitava série. Pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas mostra bem o resultado deste fenômeno: 27% dos jovens de 15 a 24 anos estão sem estudo e trabalho. Ou seja, boa parte dos brasileiros em idade de se integrar ao mercado não ultrapassa o estágio do ensino fundamental e não consegue trabalho por falta de qualificação. Trata-se de um problema de proporções homéricas num país de 186 milhões de habitantes, dos quais 54 milhões em idade escolar.

O fato a registrar, entretanto, é singelo e pode ser dito em poucas palavras; não podemos conviver mais com a falta de um projeto estruturado para a educação. Os candidatos que não mostrarem com clareza e coerência o que irão fazer para transformar a educação no Brasil não merecem o nosso voto. A redenção econômica e social que tanto almejamos só se concretizará se colocarmos a educação como prioridade nacional.

Faz-se necessário, para não dizer obrigatório, que os pretendentes ao Planalto e toda a nação brasileira assumam o compromisso de elevar a educação ao posto de principal instrumento de nossas políticas públicas. A educação revoluciona países, elimina a pobreza e faz o conjunto da sociedade prosperar. É o remédio que nos falta.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

2 thoughts on “Milu Villela: o remédio necessário”

  1. O que ocorre na Coréia do Sul é uma intensa concorrência dos jovens por ingressar nas Universidades mais conceituadas. Isso faz com que as famílias façam provisões e depois gastem algo em torno de 20% do PIB para cursos preparatórios que permitam aos estudantes melhorar seu desempenho aos olhos dos selecionadores das Universidades de referência. Quanto ao Brasil, me parece que algumas coisas são fundamentais na consideração sobre reformas necessárias no ensino médio:
    1. É preciso mudar os currículos. A propostas dos Parâmetros Nacionais é boa, mas a prática é extremamente enciclopédica. Nas aulas de ciências, por exemplo, a preocupação é maior com o cálculo estequiométrico (que ninguém vai usar) do que com Darwim e a teoria da evolução. Perde-se tempo com as equações de Newton quando se deveria descortinar sua visão de ciência e de universo.
    2. Um segundo aspecto importante. É preciso criar uma alternativa de ensino médio que considere as necessidades de aprendizagem dos estudantes que não vão dusputar os vestibulares mais concorridos do país. Isto é, uma dimensão mais vocacional, tecnológica e prática, algum nível de instrumentalização, afinal nem todos serão bacharéis.
    3. UM terceiro aspecto importante é a formação de professores. Deve-se sintonizá-la com as necessidades dos alunos na perspectiva da reforma curricular. Afinal de contas, de que vale ensinar trigonometria aos alunos se uma parte dos professores não conhece trigonometria.

  2. Eu não sou estudiosa dos temas de educação fundamental e secundária – entendo um pouco de educação superior e mais um pouco de educação de pós-graduaçao, na medida em que esta é inseparável da produção de conhecimento científico e esse, sim, é meu tema.

    Mas, ao ler a contribuição que aponta os méritos do sistema educacional da Coréia do Sul, lembrei-me de um artigo que li de um estudioso local sobre o tema. Enfim, esse artigo aponta o estado calamitoso da educação de segundo grau, ou nível médio, ou high school na Coréia. Fica claro que aqueles que conseguem sucesso o fazem graças ao investimento privado das famílias o que, se for verdade, não difere do caso brasileiro em que apenas os adolescentes das classes mais abastadas conseguem ter uma educação de nível médio que lhes permite acesso às melhores universidades.

    Claro que não quero dizer com isso que o sistema brasileiro é bom, ou mesmo semelhante ao da Coréia. Sei que estamos muito mais atrás. Queria apenas chamar a atenção para o fato de que usar o caso da Coréia (pelo menos o da educação de nível médio) como exemplo a ser seguido pelo país não me parece ser o melhor caminho.

    O problema de qualidade do ensino de nível médio parece ser universal. EU vivi recentemente 4 anos na Holanda com filha adolescente e posso atestar a falta de qualidade do ensino médio naquele país e os problemas que têm os pais com filhos que não querem ir para a universidade porque não aprenderam a gostar da escola e consideram que tudo que aprendem na high school é inútil, desagradável, etc. Preferem ir para a high school profissionalizante e terminar em carreiras que lhes coloca muito menos pressão (cabelereiro, bancário, encanador, carteiro, marcineiro, etc) e lhes proporciona salário comparável ao de um professor, sociólogo e até mesmo economista.

    Claro que eu não tenho nada contra essas profissões técnicas e é evidente que estou consciente que elas são necessárias e os profissionais têm que ser bem pagos. O ponto é que os adolescentes se dirigem a elas não por vocação ou impossibilidade de estudar (como é muitas vezes o caso aqui) mas porque não estão dispostos a colocar horas de estudo em disciplinas de ciências, matemática, etc que são exigidas daqueles que vão para a universidade.

    Só posso concluir, ainda que de maneira anedótica, que a escola fundamental e média está falhando totalmente em seu objetivo de criar gosto pelo estudo – tem algo muito errado e não é só aqui. E o caso dos drop-outs de high school nos EUA? se a Newsweek está certa, são 30?% os que nunca terminam a high school.

    Então, acho que não temos modelo a seguir. Há lições de vários lugares para serem incorporadas, mas certamente não há modelos.

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