Com este título, a Folha Dirigida – Educação publicou uma longa entrevista minha com Renato Deccache, na edição de 9 a 15 de feveiro de 2012. Transcrevo abaixo o texto de apresentação, e a entrevista completa está disponível aqui.
Nos últimos dez anos, o país passou por um processo de ampliação do gasto na educação pública. A taxa de investimento como percentual do PIB, por exemplo, passou de 3,9% em 2000 para 5,1% em 2010. No entanto, esta destinação maior de recursos ainda não se concretizou nos indicadores educacionais que a sociedade espera. Quadros como esse reforçam posições como a do pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro, Simon Schwartzman, de que apenas ampliar a taxa de investimento no setor educacional não terá resultados, se certos paradigmas que norteiam as políticas públicas no país não forem revistos. Um dos que ele destaca é em relação aos critérios para a distribuição de recursos. Em vez de a distribuição pautar-se no número de alunos, segundo ele, seria mais importante que ela fosse orientada pelo total de concluintes, para contribuir com a melhoria do fluxo escolar. Para a educação básica, na visão do educador, também seria fundamental estabelecer um currículo obrigatório das disciplinas centrais do ensino, estabelecer objetivos diferenciados de formação no ensino médio para atender perfis diferentes de alunos e desenvolver um sistema de financiamento adequado para a educação de primeira infância, entre outras ações. Já para o ensino superior, ele propõe um rompimento ainda mais forte de paradigmas, com medidas que incluem o pagamento de anuidades nas instituições públicas, realização de avaliações da qualidade da gestão dos recursos nas universidades públicas e um melhor aproveitamento dos recursos humanos. “Não existem avaliações adequadas de gestão por desempenho, mas muito provavelmente elas (as instituições públicas) são caras demais, porque não têm incentivos para usar melhor os recursos e seus orçamentos não dependem de seu desempenho, e sim, sobretudo, do tamanho de seu professorado, cujos salários são definidos de maneira uniforme para todo o país”, destacou Simon Schwartzman
As escolas estaduais já têm um sistema de bônus baseado em número de alunos formados. É preciso confluir vários fatores para melhorar o ensino “estatal” . “Ensino público” é um eufemismo, pois as escolas não pertencem às comunidades, que não têm influência nelas — o Estado deveria apenas ser um canalizador de recursos para as comunidades cuidarem de suas escolas, o que daria uma economia brutal; além disso, qual a comunidade que gostaria de ter uma escola ruim para seus filhos?
Esses fatores são os seguintes: 1. Aumento brutal dos salários dos professores (não adianta dar um aumento de, digamos, 30%, pois 30% de um infinitésimo continua sendo um infinitésimo); 2. Mudança na administração escolar; acabando com o absenteísmo brutal (um diretor de escola pública de segundo grau contou-me que tinha 900 alunos no período matutino; pois em qualquer dia e em qualquer horário 200 deles estavam sem aula); muitas vezes os diretores não podem fazer nada quanto à falta dos professores, devido às leis burocráticas que impedem que professores concursados sejam desligados; 3. Avaliação dos professores por meio do rendimento dos alunos; 4. Mudança radical nos métodos de ensino, fazendo-se os alunos estudarem pelo entusiasmo pelas matérias e não pelo medo de serem reprovados, e resolvendo-se o problema terrível da indisciplina (na semana passada uma professora de ensino médio surpreendeu-me ao contar que estava perdendo a capacidade auditiva devido ao barulho nas classes — eu pensei que havia apenas problemas de fala, pois os professores precisam ficar gritando o tempo todo para alguns alunos ouvirem algo do que eles falam; como se pode esperar que um professor, obrigado a dar 40 aulas por semana em várias escolas para poder sobreviver, possa dar aulas com entusiasmo?
Um de meus aforismos é o seguinte: só é professor de escola pública quem não sabe fazer nada além de ensinar (em geral, mal) ou não há mais nada a fazer profissionalmente em sua região.
Quanto aos exames de desempenho, eles avaliam exclusivamente a capacidade de os alunos responderem as perguntas das provas no momento em que as estão fazendo. Não dizem absolutamente nada sobre o interesse deles pelas matérias, o esforço para aprendê-las, a maturidade que o ensino está produzindo, o que restará do que aprenderam depois de algum tempo, a sociabilidade, os talentos artísticos etc. etc. Um vestibular de modo algum garante que o candidato aprovado será um bom aluno na universidade, e muitíssimo menos ainda se será um bom profissional.
Ainda sobre os exames: é preciso decidir como se quer avaliar. Se a avaliação deve ser absolutamente objetiva, para não prejudicar os alunos, ela tem que ser do tipo teste de múltipla escolha, sem questões dissertativas. Ou será que alguém tem a desfaçatez de achar que um professor que corrige uma questão dissertativa de 100 provas num dia vai ter o mesmo critério na primeira e na última provas? Fora ainda o fato desse critério depender de fatores espúrios, tais como se dormiu direito na noite anterior, se brigou com o parceiro com quem vive, se está preocupando com dívidas etc.
Um dos grandes problemas desses exames é que se introduziu a mentalidade de se ensinar para que os alunos se saiam bem neles, e não para que tenham um real aprendizado (que é muito mais do que saber responder perguntas). Sou contra avaliação por testes, mas não há outra maneira objetiva de classificar ou mesmo de avaliar conhecimentos, objetivamente, de uma quantidade enorme de alunos. A solução é usar testes nesses exames e se proibir seu uso nas escolas. Já está mais do que provado de que um bom teste avalia tão bem como uma boa prova dissertativa.
O ensino deveria visar a formação global do indivíduo, e não a sua informação, pois isso leva a uma deformação.
Simon:
Há um estudo de 2010 feito pelo DECOMTEC da FIESP que mostra bem (veja em http://www.fiesp.com.br/competitividade/downloads/relat%C3%B3rio%20educa%C3%A7%C3%A3o%20gastos%20p%C3%BAblicos%20e%20propostas%20de%20melhoria.pdf, no Grafico 08, p. 23 e ignore o ajuste linear que erradamente eles usaram ali) que há dois regimes:
1) Regime 1: quando o dispendio por aluno é menor do que 2 mil dólares PPC o IDE cai quando cai o dispêndio.
2) Regime 2: quando o dispêndio por aluno é maior do que 2 mil dólares PPC o aumento do dispêndio afeta pouco o IDE. Para estes todos o IDE está acima de 0,96,
Por exemplo, a Dinamarca tem dispêndio 4 vezes maior do que o da Polonia e IDE quase igual (0,985).
Mesmo no Regime 1 (onde está o Brasil, com 1 mil dólares PPC por aluno) obeservam-se diferenças não explicadas pelo dispêndio: o dispêndio por aluno da China e da India é a metade do do Brasil e o IDE é maior (Brsil 0,90, India 0,93 e China 0,95).
A figura deixa bem claro que há uma mudança de comportamento quando o dispêndio por aluno passa de 2 mil dolares PPC.
Muito interessante o trabalho da FIESP. Confirma que o dinheiro faz muita diferença quando os recursos são muito poucos, e as escolas mal podem funcionar; partir do quase nada para alguma coisa é sempre um avanço. O problema começa a surgir quando já não estamos mais neste patamar inicial, que é o que acontece com a grande maioria das redes escolares no Brasil. Ai a questão deixa de ser a falta de dinheiro por si, e passa a ser, cada vez, o seu mau uso.