Nota sobre a feminização do ensino superior brasileiro

No Brasil, sabemos que existem mais mulheres estudando em cursos superiores do que homens – cerca de 60%, pelo Censo da Educação Superior do INEP. Sabemos também que existem diferenças importantes por áreas de conhecimento, com as mulheres se concentrando sobretudo em áreas como educação, saúde e ciências sociais,  os homens predominando em áreas como engenharia e computação.

De onde vem esta diferença?  Pelo censo escolar, o número de homens e mulheres na educação básica é praticamente o mesmo, embora se saiba que, em geral, o desempenho das meninas é melhor do que o dos meninos. Infelizmente, o  INEP não divulga mais a proporção de homens e mulheres por nível escolar, mas os dados da PNAD Contínua confirmam que a proporção é mais ou menos a mesma tanto no ensino fundamental quanto no médio.

Os dados do ENEM sugerem que a diferença ocorre justamente na passagem do ensino médio para o ensino superior. Examinando os microdados disponíveis para 2023, podemos observar que a proporção de mulheres entre os que fazem o exame é próxima de 60%, que esta proporção é maior para os níveis socioeconômicos mais baixos, e que os resultados das provas já refletem diferenças importantes de desempenho, com as mulheres se saindo melhor na prova de redação, e os homens na prova de matemática.

Os gráficos acima usam a ocupação da mãe, que consta do questionário socioeconômico do ENEM, como indicador de nível socioeconômico do candidato, e os resultados seriam semelhantes se usássemos ocupação, nível educacional ou renda do pai ou da mãe.

O melhor desempenho dos homens em matemática, e o melhor desempenho das mulheres em linguagem, é um fenômeno conhecido e praticamente universal, e tem sido atribuído tanto a diferenças congênitas quanto a diferenças sociais e culturais. É importante notar, no entanto, que é uma diferença estatística, no agregado, mas não muito grande, e não determina o desempenho de cada pessoa individualmente.

O que é menos conhecido, me parece, é a maior propensão de mulheres de condição social mais baixa de buscar a educação superior,  mesmo que tenham que se conformar em estudar e trabalhar em áreas profissionais de menor rendimento e menor prestígio. É como se, para elas, a estabilidade e independência proporcionada por uma profissão, ainda que menos valorizada, fosse mais importante do que para os homens, que aparentemente desistem de estudar mais facilmente quando não conseguem acesso a uma carreira mais prestigiada. Não por acaso, as carreiras mais “femininas”,  como educação, saúde e profissões sociais, são também as que são mais fáceis de entrar, seja porque exigem médias menores no ENEM ou porque são oferecidas por menor custo no setor privado.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

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