(publicado em O Estado de São Paulo, 11 de março de 2022)
Levantamento recente da Secretaria de Educação de São Paulo mostra o impacto da pandemia no ensino médio do Estado, que já não vinha bem. Em Língua Portuguesa, em 2019, os alunos que terminavam o ensino médio já estavam, em média, 3,83 anos atrasados em termos do que haviam aprendido, ou seja, sabiam menos do que o esperado no 9.º ano do ensino fundamental. Em 2021, este atraso havia aumentado para 4,24 anos. Em Matemática, o atraso, que era de 5,14 anos, aumentou para 6,53 anos, ou seja, tinham o nível próximo ao esperado no 5.º ano. É provável que, no resto do País, o impacto tenha sido maior (o impacto mais dramático, no entanto, foi entre os alunos da 5a série, como se pode ver no gráfico, com dados extraídos da publicação da Secretaria de Educação).
É assim que estes estudantes estão entrando, em 2022, no novo ensino médio, estabelecido em 2017. Pela lei, os estudantes que entram no ensino médio como um caminho para o ensino superior deveriam escolher as áreas de estudo de sua preferência; para a maioria, sobretudo da rede pública, que não irá além do nível médio, seria possível obter uma qualificação profissional valorizada no mercado de trabalho. E, para todos, haveria mais espaço para fortalecer as competências básicas gerais, como os conhecimentos essenciais de linguagem e raciocínio matemático. A intenção foi boa, mas a lei ficou confusa, e caberia ao Ministério da Educação liderar a transição para o novo sistema, resolvendo as ambiguidades e apoiando as redes neste processo. O ministério se omitiu, e cada Estado está tratando de fazer as mudanças como pode.
A omissão do governo federal tem que ver com a incompetência e hostilidade do governo Bolsonaro em relação aos temas de ciência, cultura e educação, mas também com uma forte resistência do establishment educacional aos dois objetivos da reforma. Esta resistência se deu e ainda se dá em dois níveis, o das ideologias e concepções e o das dificuldades práticas que a reforma acarreta, que me parece o mais importante.
A oposição à diferenciação de trajetórias se manifesta muitas vezes na forma de defesa do direito à educação, que seria afetado se o estudante tivesse um currículo mais direcionado. Ela veio, também, associada ao temor de que a flexibilização dos currículos afetaria a rotina e o emprego de professores de filosofia, sociologia, educação física, religião e tantos outros que têm asseguradas suas horas de ensino nos currículos tradicionais. O resultado foi aumentar, na lei, o tamanho e os conteúdos da parte de formação comum do ensino médio, e adotar, para os diferentes itinerários de formação, uma classificação formal e arbitrária de áreas de conhecimento (linguagem, Matemática, ciências da natureza, ciências sociais), ao invés de temas mais próximos das áreas de formação profissional (tecnologia e engenharia, ciências da saúde, profissões sociais, humanidades), como se dá no resto do mundo.
Nem tudo estava perdido, porque é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que define o que fazem, na prática, as escolas do ensino médio. Pensando nisso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) desenvolveu uma proposta para um novo Enem, que consistiria em duas partes, a primeira de competências gerais, semelhante ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), e a segunda com opções nas quatro áreas de formação profissional.
Mas o Ministério da Educação, com o apoio de associações como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), acabou adotando um projeto diferente. São, também, duas partes, a primeira juntando todo o conteúdo da parte geral e a segunda com quatro módulos diferentes à escolha dos alunos, combinando as diferentes áreas formais de conhecimento. É uma proposta confusa, carregada de linguagem pretensiosa (“intervenção social”, “articulação de competências”, “interdisciplinaridade”, etc.), tecnicamente duvidosa e que mal esconde a resistência à inovação.
O principal argumento ideológico contra a reforma do ensino técnico é de que ele estaria subordinando a educação ao mercado de trabalho (horror!), abandonando o suposto ideal gramsciano de “politecnia”. Esta reforma deveria ter sido acompanhada de uma política efetiva de fortalecimento dos vínculos entre as redes estaduais e os sistemas de formação profissional existentes, como os do sistema S e o sistema Paula Souza, em São Paulo, e da implantação progressiva de um sistema nacional de certificações de competências profissionais, em parceria com o setor produtivo, que pudesse dar rumos e valorizar as carreiras vocacionais.
Além disso, deveria haver um esforço de ampliação e qualificação de um sistema moderno de aprendizagem profissional e do ensino superior de curta duração, que dariam continuidade à formação técnica de nível médio. Ao invés disso, o que se viu foi uma preocupação em manter o ensino técnico integrado ao currículo tradicional, como uma formação elitista só possível para os poucos institutos tecnológicos federais que, na prática, selecionam e preparam seus estudantes para as carreiras universitárias.
É este o apagão do ensino médio brasileiro em 2022: uma reforma confusa, sem ter quem a lidere e com alunos prejudicados por dois anos de escolas fechadas. Seria um bom tema para as campanhas eleitorais, se os políticos realmente se interessassem por educação.
Certamente que os dados são preocupantes. Porém, apesar disso, o Brasil é a nona economia do mundo, o que também certamente, smj, não é pouca coisa. Assim, como funcionam as ‘relações’ destes dados com o desenvolvimento? Como abordar esta suposta discrepância?
Cuidado aí: somos a 8a ou nona economia por causa do tamanho do país. Em termos de renda per capita, andamos pela posição 70 mais ou menos. Estamos há décadas presos a uma “armadilha de renda média” de baixa produtividade da qual não conseguimos sair, em boa parte, pela má qualidade de nossa educação.