O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 8 de fevereiro, publica o artigo abaixo, assinado por João Batista Araujo e Oliveira, Claudio de Moura Castro e por mim:
CNE e o pesadelo do ensino médio
Há um abismo separando o ensino médio no Brasil do que se faz no resto do mundo. Exemplo dessa distância é a Resolução 2, de 30 de janeiro de 2012, do Conselho Nacional de Educação (CNE). Ali se alarga o fosso que existe entre as elites brasileiras e o mundo das pessoas que dependem de suas decisões.
Comecemos com a realidade: muitos dos alunos que vêm da escola pública e entram no ensino médio não conseguem ler e escrever com um mínimo de competência. De fato, 85% chegam com um nível de conhecimentos equivalente ao que seria de se esperar para o 5.º ano. Desse total, 40% se evadem nos dois primeiros anos e menos de 50% concluem os cursos, com média inferior a 4 na prova objetiva do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e acumulando nas costas uma média de um ano e meio de repetência.
Além dos suspeitos usuais (por exemplo, mau preparo dos professores), várias pesquisas confirmam o que todos sabíamos: o ensino médio é chato! Os temas estão muito longe do mundo dos alunos, não permitindo que vislumbrem um bom uso para tais conhecimentos, e é descomunal a quantidade de assuntos tratados, não deixando entender nada em profundidade e obrigando os alunos a memorizar fórmulas, listas, datas e princípios científicos. O prazer do estudo é a sensação de entender, de decifrar os mistérios do conhecimento. Se as matérias fluem freneticamente, não há como dominar o que quer que seja. Convidamos o leitor a folhear um livro de biologia do ensino médio e contar os milhares de bichinhos e plantinhas citados.
Uma fração ínfima dos egressos de escola pública prossegue para o ensino superior. Para os demais é ensino técnico ou nada. Mas os que querem fazer ensino profissional precisam concluir primeiro a barreira do ensino médio. Ou, então, têm de estudar em outro turno, para aprenderem uma profissão. Isso contrasta com o que fazem muitos países, onde as disciplinas de cunho mais prático ou profissionalizante substituem as disciplinas acadêmicas – mantendo a carga horária.
Dos que vão para a escola técnica, dois terços estudam em instituições particulares pagas e sem subsídios públicos. São os cursos voltados para alunos mais modestos. Por que as bolsas e os créditos educativos não vão para os cursos que matriculam os menos prósperos?
Nos países desenvolvidos, o ensino médio tem três características. Em primeiro lugar, é diversificado, não existindo um currículo mínimo único ou obrigatório para todos. O grau de diversificação varia entre países, podendo ser diferente entre tipos de ensino médio e escolas. Muitas das alternativas oferecidas preparam para o trabalho. De fato, entre 30% e 70% dos alunos cursam uma vertente profissionalizante. A segunda característica é o ganho de eficiência. Com a existência de múltiplos percursos, os alunos podem escolher os mais apropriados para seu perfil e suas preferências. Assim, o índice de perdas é mínimo. Em contraste, a deserção ocorre com maior intensidade nos países onde há menor diversificação. A terceira característica é que, consistente com a diversificação, muitos países não utilizam um mesmo exame de fim de ensino médio, padronizado para todos. Os alunos tampouco precisam fazer provas em mais de quatro ou cinco disciplinas para obter um certificado de algum tipo de ensino médio.
O estilo gongórico da resolução do CNE dificulta sua compreensão. Por exemplo: “O projeto político-pedagógico na sua concepção e implementação deve considerar os estudantes e professores como sujeitos históricos e de direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade e singularidade”. Já que alguma força profunda empurra para esse linguajar, por que não publicar, simultaneamente, uma versão inteligível para o comum dos mortais?
E tome legislação: são quatro áreas de conhecimento e nove matérias obrigatórias – apelidadas de “componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados” -, que são subdivididas, sempre na forma da lei, em 12 disciplinas. Não admira que os alunos abandonem os cursos. Como dizia Anísio Teixeira na década de 50, tudo legal, e tudo muito ruim!
Mas o pior está por vir. A resolução não define o que seja “educação geral”, mas no inciso V do artigo 14 afirma que “atendida a formação geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, o Ensino Médio pode preparar para o exercício de profissões técnicas”. Instrutivo notar que a profissionalização é vista como um “pode”, e não como um caminho natural que alhures é seguido pela maioria.
Essa profissionalização se obtém adicionando 800 horas ao curso (o equivalente a um ano letivo). Ou seja, em primeiro lugar, é preciso sofrer as 2.400 horas da tal “educação geral”. Depois, para a profissionalização, são mais 800 horas de estudo. Na prática, os alunos dos cursos técnicos têm uma carga de estudos mais pesada do que os que fazem o acadêmico puro. Difícil imaginar maior desincentivo para a formação profissional. Nos países mais bem-sucedidos em educação os cursos técnicos têm carga horária igual ou menor que o acadêmico. Para valorizar o lado profissionalizante, o texto diz que o “trabalho é conceituado na sua perspectiva ontológica de transformação da natureza, como realização inerente ao ser humano e como mediação do processo de produção da sua existência”. Deu para entender? Traduzindo do javanês, é preciso aumentar a “educação geral”.
O novo ministro da Educação encontra-se diante de uma oportunidade ímpar. Ou seja, alinhar o ensino médio à realidade de seus alunos, de sua economia e à luz da experiência de quem fez melhor do que nós. Ou, então, perpetuar o genocídio pessoal e intelectual que caracteriza um ensino médio unificado e, por consequência, excludente.
Prezado Simon
Lendo a Resolução do Conselho Nacional de Educação, n°2 de 30 de janeiro de 2012, relativa ás Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, observei que esta última concebe a educação (do ensino Médio) como direito social e não subjetivo como definido na LDB de 1996, para as séries iniciais do ensino Fundamental. A expressão ‘direito subjetivo’ diz respeito a um direito inalienável do cidadão brasileiro. Para mim era suficiente e supunha ter este estatuto legal da educação básica se estendido ao ensino Médio, no momento de elaboração de novas diretrizes curriculares. Perguntei a dois estudiosos do Direito á Educação: – “do ponto de vista da Filosofia do Direito o que muda na natureza do acesso ao ensino Médio, frente ás series iniciais? O que significa, na prática, esta mudança conceitual – educação como direito social ou subjetivo?”
Resposta 1-Isabela Rahal de Rezende Pinto
‘Em uma explicação sucinta, direito social é aquele direito da denominada “segunda geração dos direitos humanos”. São direitos relacionados ao bem estar social: educação, saúde, moradia, emprego, etc. Diz a Constituição: Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
José Afonso da Silva conceitua os direitos sociais como:
“[…] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.”
Já direitos subjetivos são direitos que podem ser imediatamente exigíveis judicialmente (pode-se entrar com uma ação exigindo esse direito perante o Poder Judiciário). Nem todos os direitos sociais, no entanto, podem ser acionados judicialmente. Assim, por exemplo, não pode um cidadão entrar com uma ação pleiteando uma casa, pois embora a moradia seja um direito social, ela não é direito subjetivo.
No caso da educação, o art., 6º a estabelece como direito social. No entanto, o art. 208 estabelece que apenas o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito subjetivo. Atualmente, por força de alteração constitucional, o ensino obrigatório e gratuito compreende a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade – podendo englobar, portanto, o ensino médio. Antes da Emenda Constitucional, direito subjetivo era, apenas, o acesso ao ensino fundamental. Cabe uma observação. A Emenda constitucional só entrará totalmente em vigor em 2016- se não me engano. Então, tem-se entendido (embora exista outra interpretação) que direito subjetivo ainda é apenas o acesso ao ensino fundamental. Assim, “poderia, por exemplo, existir uma ação judicial exigindo vaga no ensino fundamental, mas não no Ensino Médio”.
Resposta n° 2: José Marcelino Rezende Pinto completa:
“Do ponto de vista prático, pelo menos em SP, os juízes têm garantido o direito à vaga no ensino médio. Até porque, desde 1988, constava ‘progressiva obrigatoriedade”..
Achei importante o esclarecimento e passo em frente
Atenciosamente,
Ana Maria de Rezende Pinto
Os currículos nos grandes e tradicionais colégios privados embora “amarrados” conseguem alguma diversificação. Os resultados, entretanto, desta formação, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não tem sido encorajadores. Há uma fuga em massa, nos últimos anos, para os colégios-cursinhos, mais sintonizados com a filosofia dos conhecimentos de rodapé, que fogem do perfil da diversificação.
O que fazer?