O escândalo dos cartões

O mais deprimente nesta história dos cartões corporativos é que eles eram, na verdade, uma ótima idéia. Quem já trabalhou no serviço público conhece a burocracia e a morosidade com que são feitas as compras e pagamentos, que geram ineficiência, aumentam os custos e não conseguem evitar a corrupção quando ela se oculta por detrás das concorrências ritualizadas. Com o cartão, associado a uma definição clara de tipos e teto de gastos, e um processo transparente de prestação de contas, tudo fica mais fácil e mais ágil. Quem poderia ser contra?

Na montanha de denúncias que vão aparecendo nos jornais, fica difícil saber o que é gasto abusivo e o que não é. O IBGE, aparentemente, foi o maior usuário dos cartões 2006, para os gastos do dia a dia com as atividades de censo, e isto deve ter facilitado imensamente o trabalho dos milhares de entrevistadores por este Brasil afora, o que não significa, é claro, que não possa ter havido algum mal uso aqui e ali, facilmente detectáveis.

Já é mais difícil entender o dinheiro tirado na boca da caixa e usado sem comprovação de gastos, as compras no free shop, os jantares em restaurantes de luxo ou a decoração de residência de reitores. Para muitos, parece que de fato os cartões viraram festa à custa da viúva. O resultado provável é que a rigidez e a burocracia no uso dos recursos públicos aumentem ainda mais, reforçando o princípio perverso de que todos os funcionários públicos são corruptos até prova em contrario, e não o de que são honestos e bem intencionados.

O problema é que, quando o funcionário é realmente desonesto, não há formalismo burocrático que o segure.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

4 thoughts on “O escândalo dos cartões”

  1. Simon,
    mais um comentário: será que cada Sr. Reitor tem o que merece? um tinha as pupilas e o outro … que trapalhada!!! onde já se viu uma universidade pública gastar 350 ou 500 mil para MOBILIAR um apartamento de um reitor???

  2. Democracia é liberdade e responsabilidade juntas. Sem responsabilidade, a
    coisa fica parecendo uma festa para poucos, onde muitos aparecem apenas para
    providenciar os enfeites do salão, fazer os comes e bebes, costumar e engomar
    os trajes dos convivas e o que mais for possível, contanto que fiquem de fora
    da farra, excluídos dos processos de distribuição de mimos, benesses e de
    prerrogativas … lembra alguma coisa???
    Sim, concordo que o uso dos cartões é uma ótima idéia e acho que continua
    sendo, por que o que se lê nos jornais confirma a eficiência dos cartões para
    dar mais agilidade à administração pública em seu dia a dia e mais
    transparência aos gastos feitos com os recursos públicos.
    O que é desconcertante é a forma como esta questão tornou-se um problema –
    pelo que sei, foi a partir de denúncias feitas pela imprensa!!! É de se esperar que se instalem processos investigativos, onde os suspeitos tenham direito à defesa, claro, mas onde se apurem responsabilidades e se
    cobrem a devolução dos recursos desviados e a destituição dos infratores dos cargos que ocupam. Desta forma, este escândalo pode servir ao aprimoramento do processo
    democrático e de gestão da coisa pública.

  3. Concordo em gênero, número e grau. Boa parte das medidas voltadas a melhorar a gestão, como esta dos cartões, podem sim ser usadas por funcionários ou ministros desonestos em benefício próprio. Mas isto não significa que não usavam procedimentos mais burocratizados e menos transparentes anteriormente. Os cartões têm a vantagem de explicitar as depesas (a não ser que o utilizem para sacar dinheiro) e assim, evidenciar eventuais gastos sem sentido. Foram introduzidos como parte da Reforma para desburocratizar e trazer à luz o que antes era oculto.

  4. Prezado Simon,

    Acompanho o seu blog de longa data. Precisamente, desde 2004, mas é a primeira vez que me manifesto. Eu havia resolvido não me meter nessa questão dos cartões, mas decidi me manifestar, dado o meu conhecimento de causa quanto ao funcionamento dos cartões corporativos e empresariais, com o intuito de esclarecer uma discussão equivocada que vem sendo feita pela imprensa.

    Os cartões são realmente uma ótima idéia de eficiência para o setor público e não merecem serem abandonados por falhas que não são associadas ao instrumento financeiro em si.

    Em 2006 realizei um extenso trabalho de diagnóstico, para o Sebrae Nacional, sobre cartões de crédito para micro e pequenas empresas. Trabalho posteriormente publicado em 2007.

    Os cartões corporativos são aqueles que atendem o segmento de grandes e médias empresas, além de governos. Os cartões empresariais atendem às micro e pequenas empresas. Possuem, na realidade, as mesmas características potenciais que a tecnologia de informação permite a um cartão carregar. O que ocorre é uma segmentação de mercado, com o cartão empresarial carregando um pouco menos de tecnologia que o cartão corporativo, para que o primeiro atinja o custo-benefício que as micro e pequenas empresas sejam capazes de suportar.

    O governo federal e demais governos estaduais, que fazem uso do cartão corporativo, estão enquadrados justamente na categoria que pode fazer uso pleno da tecnologia de informação disponível.

    A maior preocupação de qualquer dirigente de empresa, seja ela grande, média, pequena ou micro, é justamente o mau uso do cartão pelos funcionários. Desse modo, todas as maiores bandeiras do país que trabalham com cartão corporativo – American Express, Visa e Mastercard – são tecnicamente capazes de oferecer nos seus cartões corporativos os seguintes serviços:
    1) O limite de gastos pode ser estabelecido individualmente, para cada funcionário portador do cartão;

    2) Podem ser limitados os estabelecimentos nos quais o funcionário poderá fazer uso do cartão. Por exemplo, no caso de um estabelecimento X e dois funcionários, Y e Z, o patrão pode solicitar que Y esteja habilitado a consumir naquele estabelecimento X enquanto Z não esteja e vice-versa. Essa limitação pode se dar tanto por setor de atividade (papelaria, restaurante, cabeleireiro, loja de material de construção, etc) quanto especificamente por estabelecimento (ex. Mac Donald’s, Bobs, etc);

    3) Em alguns casos, é possível, inclusive, limitar o tipo de produto que pode ser adquirido (ex. passagens de avião, hospedagem, etc) ou o que não pode ser adquirido (ex. bebidas, cigarros, etc)

    4) Existe um seguro embutido no cartão, a ser contratado, caso deseje o dirigente, contra o mau uso do mesmo pelo funcionário.

    Para além de todas as limitações, atualmente é possível rastrear a compra de qualquer funcionário feita em cartão. No limite, foi a divulgação desse rastreamento a origem do escândalo.

    Quando vejo divulgado na imprensa que saques em dinheiro eram liberados nos cartões e as compras podiam ser realizadas em qualquer estabelecimento, sem as limitações supracitadas, a minha dedução é que nenhum desses serviços foi solicitado pelo patrão (governo federal) quando fez o contrato geral com o emissor do cartão (Banco do Brasil), sendo o último o responsável por informar o contratante das possibilidades de limitação de uso do cartão e por administrar junto à processadora de cartões e ao credenciador (no caso, a Visanet) as limitações de uso contratadas.

    Concluindo: a minha percepção é de que o governo federal, de início, já deixou a porteira aberta para que arrombá-la nem preciso fosse. A questão dos cartões, diferentemente, de ausência de recursos tecnológicos disponíveis para limitar o seu uso ou de honestidade de funcionários passa por um problema de principal-agent.

    Ao contratante (o governo) não interessa ser controlado em seus gastos e ao contratado (Banco do Brasil) e, por decorrência, Visanet (parte dessa pertence ao BB) não interessa mostrar, ao contratante, o risco de malversação da verba pública. Para finalizar, o contratante é o controlador do contratado.

    Atenciosamente,
    Juliana Estrella.

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