Nas discussões sobre a CPMF, falou-se muito da necessidade de garantir os recursos para o financiamento do Sistema Unificado de Saúde, o SUS, que, na opinião de Osmar Terra, Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, em artigo no O Globo de 1/1/2008, é “a proposta mais avançada de política pública de saúde existente no mundo”. Pena que não tem dinheiro e funciona tão mal, mesmo quando o dinheiro existe. Esta idéia da maravilha que é o SUS é muito comum entre os que trabalham na área, mas não passa de um mito, igualzinho ao de que o Brasil teria o sistema previdenciário mais avançado do mundo, que se dizia antes, mas que hoje ninguém mais fala. A crise de financiamento trazida pelo fim da CPMF deveria ser uma boa oportunidade para começar a desmontar este mito, e encarar de frente os graves problemas de saúde pública do Brasil.
O principal problema com o “avanço” do sistema de saúde, assim como o da previdência, é que eles prometem uma cobertura universal e generosa para a qual não há nem haverá recursos. Na Constituição de 1988, estava previsto que o sistema de saúde seria coberto com 30% dos recursos federais do sistema da previdência social, os dois financiados pelas contribuições dos trabalhadores, empresas e governo. Quando o sistema previdenciário começou a ficar insolúvel, cessou a transferência de recursos para a saúde, que saiu da previdência e se socorreu na CPMF para continuar funcionando, embora de forma precária. Na medida em que a população envelhece e a medicina avança, os custos do atendimento médico tendem a crescer, com medicamentos e equipamentos cada vez mais complexos, tempos prolongados de internação, e profissionais de saúde que querem ser remunerados de acordo com seus esforços e sua capacidade. Mesmo os paises ricos que tem sistemas universais de saúde pública, como a Inglaterra ou a França, embora gastem cerca de 10% do PIB em saúde, encontram dificuldades crescentes para manter os sistemas funcionando. Nos Estados Unidos, que gasta cerca de 15% do PIB com saúde, as dificuldades são ainda maiores. O Brasil gasta menos de 4%. Quanto a sociedade estaria disposta a gastar? Tirando de onde? Não há solução fácil para isto, mas um bom sistema de saúde, da mesma forma que um bom sistema de previdência social, seria aquele que focalizasse os poucos recursos públicos disponíveis nas populações mais carentes e nos atendimentos mais críticos, e estimulasse a que a maior parte possível da população fosse coberta por sistemas de seguro financiados pelos contribuintes ou seus empregadores.
Além disto, a organização do sistema SUS é inviável. O princípio é que seria um sistema descentralizado, controlado pelos governos locais e conselhos comunitários, que deveriam zelar pelo bom atendimento dos serviços, mas não pela administração de recursos, que fica basicamente com o governo federal. Um sistema em que um lado só gasta, e outro paga a conta, não tem como dar certo, já que não há interesse por parte dos que gastam em usar eficientemente os recursos disponíveis. A idéia por trás deste sistema é que os recursos públicos para a saúde seriam infinitos, e apareceriam na medida em que a sociedade, através dos conselhos e administrações locais consiga se mobilizar e aumentar sua demanda.
Existem muitos outros problemas com o sistema SUS, entre os quais o do relacionamento do sistema público com o setor privado de saúde, que não há como discutir aqui. O ponto principal é que estes problemas, distorções e mal funcionamento não são acidentes de percurso e perturbações menores de um sistema que seria “o mais avançado do mundo”, e sim conseqüências inevitáveis de um sistema ambicioso e mal concebido, que precisa ser urgentemente revisto.
Mas sabe de uma coisa? Eu gosto do SUS justamente por ele ser pouco eficiente: é uma rede de segurança para os mais pobres, enquanto há incentivos para a saúde privada para quem quiser algo melhor…
Neste ano, atualizei minhas vacinas e fiz exames laboratoriais em unidades públicas de saúde, e não tenho muito do que reclamar. Procuro investir na prevenção para ter saúde: não fumo, não bebo excessivamente, pratico exercícios físicos regularmente e tenho um bom sono. Recomendaria o atendimento no setor privado àqueles que querem ser atendidos mais rapidamente e com maior conforto. Estas são considerações a partir de minhas experiências como pessoa jovem (tenho 33 anos), não muito exigente em termos de conforto e confiante na prevenção.
sou economista, trabalhei na Previdência e fui diretor de Projetos Especiais do Instituto Vital Brazil. Estranhei não ver em sua análise uma avaliação dos benefícios que o secretário Osmar Terra aponta como o SUS já tendo gerado. Ou ele não é tão ruim como você deduz na sua análise, ou os dados do Osmar estariam errados.
Na verdade, o Sistema Único da Saúde já atende na prática apenas os mais carentes. Lembro que antes do início do SUS, nos hospitais do Ministério da Previdência a população só podia ser atendida mostrando a carteira assinada e a contribuição ao INPS. Ou seja, o trabalhador desempregado ou na informaldade ficava extremamente vulnerável.
Saúde é muito caro no custeio, é urgente melhorar sua gestão. Quando dirigi o Programa da Saúde da Baixada organizamos 14 mini hospitais, que atenderam entre 1987 e 1988 em torno de 2 milhões de pessoas. O programa inicialmente funcionou maravilhosamente. Doutor batia cartão de ponto, não necessariamente médico era o diretor da unidade, a comunidade participava do conselho diretor, as consultas eram com hora marcada e os médicos passavam a ter um cadastro de seus pacientes. Infelizmente, pela lógica política prevalescente no Rio de Janeiro nas últimas décadas, o programa foi para o ralo.
Cheguei a levantar dados relativos ao custeio. Se estivessem disponíveis em cada unidade todo o previsto, em cada quatro meses gastaria-se o equivalente à construção de uma unidade nova com todos os equipamentos dentro. Este programa fazia exames gratuitamente e dava medicamentos gratuitos, mas como fazer diferente em uma população com sérios problemas de renda?
Vivi uma experiência prática que na verdade se contrapõe a uma suposição sua. Visando descentralizar os recursos, criamos no Programa Especial de Saúde da Baixada – PESB, administrado pelo Vital Brazil, recursos descentralizados. Na reunião em que anunciei esta decisão o administrador de uma das unidades falou que caso soubesse que a decisão havia sido tomada, não teria encaminhado um determinado equipamento para revisão porque na verdade as prioridades seriam outras. Mesmo que o recurso não seja municipal, conforme o exemplo do seu raciocínio, o adminstrador na ponta sofre as pressões da comunidade e vai definir melhores prioridades e usos. Concordo, no entanto, que deve se procurar obrigar as prefeituras e estados a entrarem com uma contrapartida.
Além disso, acredito que podemos também considerar que os gastos em saúde além de fundamentais para a população, geram dinamismo econômico em diversas áreas.