Entrevista publicada em “O Estado de São Paulo”, 6 de agosto de 2012
Em meio à greve das universidades federais que já completou 80 dias de paralisação – começou em 17 de maio -, o sociólogo, professor e pesquisador Simon Schwartzman questiona o modelo de ensino superior brasileiro, o papel dos sindicatos e a “suposta” autonomia defendida por essas instituições. “Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente”, argumenta, na entrevista a seguir.
Um dos pontos criticados pelos sindicatos é o atrelamento da promoção à titulação. Como o senhor vê isso?
Acredito que a proposta do Ministério da Educação (MEC) valoriza o desempenho. E isso é bom. Se um órgão de ensino não valoriza e prioriza o desempenho – valor central de uma instituição acadêmica e profissional – não pode ser uma universidade. Sem isso, o que sobram são funcionários públicos brigando pelo seu salário. O mérito não pode ficar em segundo plano.
E a titulação é o que mede isso, não é?
A titulação não deve ser o único critério, mas é um indicador importante de desempenho, mostrando o esforço do professor em se aperfeiçoar e o reconhecimento de seus pares.
Os grevistas questionam as avaliações externas por acreditarem que isso pode ferir a autonomia. Qual é a avaliação do senhor sobre isso?
Em todo o mundo as avaliações são externas. Não são realizadas necessariamente pelos governos, mas muitas vezes por instituições independentes, credenciadas para isso. Avaliações internas são necessárias em qualquer instituição, mas quando ficam apenas nisso, o grande risco é de se resumir a uma ação entre amigos. Isso não é autonomia. Autonomia não pode ser o direito de fazer o que se quer sem prestar contas, mas sim liberdade para buscar os melhores caminhos para exercer as funções públicas pelas quais as universidades são financiadas.
O que uma avaliação externa não invalidaria…
Claro que não. Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente. A sociedade não pode dar um cheque em branco. Aliás, uma universidade verdadeiramente autônoma não funcionaria como querem os grevistas, com essa isonomia que prega salários idênticos aos docentes.
Como seria?
A tendência em todo o mundo é que as universidades, mesmo públicas, uma vez bem avaliadas, recebam um orçamento integrado e o administrem com autonomia, buscando sempre os melhores talentos, até mesmo negociando os salários de cada um individualmente. Os professores com melhor desempenho recebem ofertas, podem ganhar mais e mudam muitas vezes de instituições, buscando as que oferecem melhores salários e condições de trabalho.
Isso não acontece por aqui…
Aqui fica tudo em família. A pessoa se forma e se torna professor da mesma instituição. E de lá nunca sai. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma universidade não contrata uma pessoa formada por ela. Na Alemanha, o professor, para ser promovido, precisa ser convidado a ir para outra instituição. Elas seguem um princípio de mobilidade, de que é preciso circular, criam um mercado de talentos, e acabam se valorizando nesse trânsito. É por essa autonomia que os professores universitários brasileiros deveriam brigar. Mas, pelo contrário, os sindicatos fogem disso. Querem todos iguais. Se esquecem de que as universidades não são fábricas.
Mas elas se comportam como se fossem?
Para os sindicalistas que querem tudo igual para todo mundo, sim. Mas há muita gente fora disso. Mesmo durante a greve, basta entrar nas melhores universidades e departamentos que você encontra laboratórios em funcionamento, professores que continuam seus projetos, que seguem participando de congressos científicos, que têm pesquisas financiadas e não podem paralisá-las. Eles não participam dessas assembleias grevistas. Aliás, acham essas assembleias muito chatas, com aquele blablablá e sem solução.
Isso desgasta a instituição?
Isso deteriora a universidade. Os alunos se desinteressam, os cursos são mal dados, cria-se uma atmosfera de total desestímulo que enfraquece a instituição pública. À medida em que fica desacreditada, professores e alunos que podem migram para universidades privadas. Isso foi o que aconteceu no ensino médio há algumas décadas, quando a educação pública, que era referência, se deteriorou e quem podia pagar foi para as escolas particulares. Se continuar assim, esse será o futuro de nosso ensino superior público.
Como o senhor vê a discussão sobre a cobrança de mensalidade no ensino público?
Hoje, o ensino público é mantido integralmente pelo governo. Acredito que seja necessário criar condições e estimular as instituições a buscar recursos próprios, até mesmo cobrando anuidades dos alunos que podem pagar. Quase todo o mundo faz isso – China, Inglaterra, Estados Unidos, Chile, Rússia, Japão, Austrália, Canadá -, aliado a programas específicos de ajuda ou empréstimos aos que não podem bancar. Se isso acontecesse, as universidades federais teriam mais recursos para gerir com autonomia e só ficariam na instituição os estudantes que realmente quisessem investir em seus estudos.
Como o senhor avalia a nossa produção científica?
A pesquisa no Brasil está concentrada em poucas universidades e em alguns departamentos. Dentre as universidades federais, umas cinco ou seis têm pesquisas mais densas, mas, na grande maioria, ela é muito rarefeita. Mas nem toda instituição e nem todos os professores devem se dedicar à pesquisa. É preciso haver uma combinação de instituições de pesquisa e outras voltadas ao ensino. Nos cursos profissionais como Engenharia, Medicina, Direito e Administração, é importante que muitos professores tenham contratos de tempo parcial, trabalhem em suas respectivas profissões e transmitam essa experiência do mercado de trabalho para seus alunos.
Nos últimos anos, houve no Brasil um investimento público na expansão de universidades que seguem a mesma estrutura de dedicação à pesquisa. Não teria sido melhor apostar em outros modelos, como centros de formação técnica etc?
Sim, mas foi feito o contrário. Nos últimos anos, o governo transformou os antigos centros de formação técnica, os Cefets, em institutos universitários, com a mesma estrutura de cargos e salários das universidades federais. Com isso, em vez de avançar na diferenciação do sistema, abrindo espaço para a formação técnica intermediária de que o País tanto precisa, o movimento foi no sentido contrário.
Por fim, o senhor acredita que o professor universitário é mal remunerado no País?
Não. Participei de um estudo internacional comparado e os resultados mostraram que o Brasil não se sai mal. O padrão de vida do professor de uma universidade federal não é ruim e cresce à medida em que ele se qualifica, participa de grupos de pesquisa, de projetos, recebe bolsas. Mas, para isso, ele precisa ser bom. Estamos de volta à discussão do desempenho. E, como se vê, os sindicatos não querem falar disso.
Bom Simon, lendo seu artigo e o comentário do professor Iratan dei uma olhada na internet e percebo que ele não está enganado no número professor-aluno, veja:
Média de aluno/professor no ensino superior no Brasil supera a dos países ricos
Qua, 16 de Maio de 2012 09:28
Para o professor Nelson Cardoso Amaral, as instituições de ensino superior públicas não podem elevar muito mais as relações aluno/professor
A média de alunos por professor na educação superior brasileira já ultrapassa a dos países ricos que integram a Organização para a Coordenação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre 1998-2010, esta relação passou de 12,6, para 17,9 no Brasil, enquanto nos países da OCDE ela é de 14,9. Os dados fazem parte de um estudo do professor Nelson Cardoso Amaral, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), entregue ao Ministro da Educação, Aloízio Mercadante, na semana passada. O professor conclui que as instituições de ensino superior públicas não podem elevar muito mais as relações aluno/professor, “considerando-se que a pós-graduação e a pesquisa brasileira estão concentradas nessas instituições, o que impede uma maior elevação do quantitativo de estudantes em suas turmas, tanto de graduação, quanto de pós-graduação”.
Os dados foram coletados a partir da publicação Education at a Glance 2011, da organização, que não inclui o Brasil, do Censo da Educação Superior e do GEOCAPES, ferramenta de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao MEC. Na tabela com 29 países, quem tem menos aluno por professor é a Suécia, com 8,8 e Noruega, com 9,2. Já os campões neste indicador são Chile, com 23,3 e Indonésia, com 22,7. Na Argentina a relação é de 15,7 e na Rússia, 12,7,
A média no de aluno/professor no Brasil é puxada pelas instituições privada, com 19,9. Já a relação das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) está em 12,7. Nas universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) este número é de 13,8 e também está abaixo da média mundial. Nas Ifes, a média passou de 9,4 alunos por professor em 1998 para 12,7 em 2010, um crescimento de 35,1%. Nas estaduais paulistas o indicador cresceu 23,2%, passando de 11,3 para 13,8. Nas privadas o indicador, foi de 15,8 em 1998 para 19,9 em 2010, um crescimento de mais de 24%.
Fonte: CGC Educação
O argumento tem alguns problemas. Primeiro, a média brasileira é alta por causa que ela é muito mais alta nas instituições privadas do que nas públicas, e não se pode usar a média do conjunto para falar de um setor só. Segundo, a pesquisa e a pós-graduação no Brasil estão concentrados em poucas universidades – a maioria das universidades públicas, inclusive federais, têm baixa produção científica, e para elas, portanto, o argumento de que “nstituições de ensino superior públicas não podem elevar muito mais as relações aluno/professor, considerando-se que a pós-graduação e a pesquisa brasileira estão concentradas nessas instituições” não é verdadeiro para a maioria dos casos. O outro problema é o que se chama de “professor” nestas estatísticas. São só os professores de carreira ou também os assistentes de ensino, atividade desempenhada nos Estados Unidos e muitos outros países por estudantes de pós-graduação?
Uma política correta em relação aos docentes deveria tomar em consideração estas diferenças em relação à existência real de pós-graduação e pesquisa, e o número de professores nas instituições mais intensivas em pesquisa poderia se manter menor com o uso mais extenso de auxiliares de ensino, prática que o Brazil raramente adota.
Prezado Prof. Simon,
“Sim, mas foi feito o contrário. Nos últimos anos, o governo transformou os antigos centros de formação técnica, os Cefets, em institutos universitários (…) ”
Mas por outro lado, casos de sucesso neste aspecto particular como foi a transformação do CEFET-PR em UTFPR, fazem com que seu discurso seja um encorajamento a mais para a tal mudança de paradigma! Além de que favorece ideologicamente a introdução da carreira única, ora discutida aguerridamente na greve atual! Concorda?
Afinal, a pergunta que não quer calar é: para que a duplicidade de estruturas (IFs vs UFs) se com uma carreira única (EBTT = MS = Professor Federal) como proposto nessa greve poderíamos ter sobre a mesma direção ensino Técnico, Tecnológico, Licenciaturas, Bacharelados e Pós-graduações de forma integrada, meritocrática e de profunda qualidade?
Note também que os recentes resultados do IDEB do colégio de aplicação da UFPE (http://ne10.uol.com.br/canal/educacao/noticia/2012/08/14/no-brasil-colegio-de-aplicacao-tem-melhor-desempenho-no-ideb-361526.php) aliados aos bons resultados daquela instituição enquanto universidade mostram que ampliar o modelo, e unificá-lo, ao invés de restringi-lo (ou submetê-lo a cotas) é o caminho a seguir … mas isso custa, e bons resultados (embora certos) demoram a surgir: por isso governos denominam investimentos em educação meramente por “gastos”!
Por fim, reflito que a carreira ora proposta pela ANDES pode ser vista como igualmente meritocrática. Já que possui classes intrínsecas (i.e. já que salários dependem diretamente da titulação) e por níveis: sendo estes galgados por tempo de serviço e mérito no desempenho da função. É portanto, algo que muito se assemelha à carreira atual das universidades estaduais paulistas, que além de classes (auferidas apenas por titulação) concedem quinquênios (adicionais percentuais por tempo de serviço) aos seus docentes.
Como se pode constatar, a interpretação de uma realidade objetiva depende imensamente do seu observador!
Se o mérito deve ser valorizado, gostaria de entender porque no meu contra-cheque a retribuição por titulação não é incorporado ao salário básico!
Me admira muito a análise do Professor Simon.
Por alguns motivos:
O primeiro deles é que não conheço nenhum funcionário público federal que tenha que disputar bolsas e financiamentos para melhorar seu salário. Isso é algo apenas para nós, e veja que não é uma questão de mérito simples, é uma competição, uma vez que não existe financiamento para todos não basta ser bom ou ótimo. Tem-se que ser melhor que os outros o que cria um clima pernicioso e patológico de competitividade (por favor veja os estudos realizados pelas áreas de psicologia e medicina do trabalho com ênfase na carreira docente e verá o quão assustador e crescente é o indicie de adoecimento).
Incentivo externo não é salário. Nunca se vê alguém procurando emprego pensando em quanto poderá ganhar com trabalhos externos ao trabalho que já tem que desenvolver no próprio emprego. Essa é a lógica do avesso.
Vi alguns estudos sobre o salário do professor brasileiro e sinceramente temos salários menores inclusive que países da América Latina, com PIB bem abaixo do Brasil.
Além disso existem fatores que devem ser considerados nesse raciocínio, o principal deles é o custo de vida no país; o que inclui carga tributária e retorno do Estado ao que é pago, dentre outros. O Brasil é um país caríssimo de se viver, e o retorno dos impostos é quase nenhum; temos que pagar educação, saúde e transporte duas vezes (ao governo e a iniciativa privada). Para que tenha uma ideia os carros no Brasil são em média 15% mais caros que em todo o mundo, inclusive os carros que exportamos para outros países são mais baratos lá que aqui; nossas passagens aéreas são exorbitantes, para ficar em alguns exemplos.
Outro ponto é que _todos_ os salários melhoram com o passar do tempo, em _todos_ os níveis e setores existentes. Não existe sequer um caso real no mundo do trabalho onde o trabalhador progrida na carreira e seu ganho vá diminuindo, logo, creio não ser esse um ponto de análise válido.
Acredito que o Professor Simon não se recordou de mencionar que nas grandes universidades ao redor do mundo existe a figura do pesquisador, e a figura do professor; que em alguns casos é dissociada. Notem que no Brasil temos o mérito da titulação, mas Mestrados e Doutorados não preparam professores, preparam pesquisadores. Basta buscar as competências necessárias para professor e para pesquisador e veremos que elas não coincidem necessariamente.
Creio que para a universidade o pesquisador e o professor são igualmente importantes. Mas a meritocracia é não é do professor, apesar de ser ele que forma a linha de frente da grduação.
A meu ver existem duas coisas distintas: o cargo e o título.
Veja bem: a titulação já é reconhecida como importante no momento em que um doutor ganha mais que um graduado. Note o contra senso: mestrados e doutorados formam pesquisadores, o governo tem setores especializados em pesquisa e a universidade em que a pesquisa é uma das três pernas fundamentais que a compõem; apenas na universidade, que não é exclusiva da pesquisa, a titulação é barreira de progressão, não só isso, apenas nós em todo o funcionalismo federal temos essa barreira.
Incentivar a titulação não é criar clausula de barreira. Isso é item básico no processo educacional e organizacional, o incentivo se dá pela positivação, nunca pela negativa. Nesse caso o incentivo deveria vir na forma de bolsas de qualificação, a ausência de cotas e dificuldades para se contratar professores para substituir os que se afastam para esse fim e programas permanentes de intercâmbio de estudo em outras instituições, voltados principalmente para os doutores e pós-doutores; para que criemos vínculos de pesquisa e melhoramento dos que já não tem mais titulação a adquirir.
Eu acredito que o critério de avaliação externa não venha a ser de todo inválido, mas me questiono seriamente em como essa avaliação é feita.
Veja a média mundial da relação professor/aluno gira na casa de 1/10, no Brasil temos uma meta de 1/18, é quase o dobro! Não tenho como acreditar, com isso e com as exigências de publicações cada vez mais vorazes da CAPES, que os critérios externos serão atingíveis sem o custo da saúde dos professores (coisa que, como falei, já acontece).
O que acontece aqui e nesse momento é a evidência do desnível de tratamento e como isso afasta novos professores. A pouco tempo uma professora com larga experiência docente que passou recentemente em um concurso para uma federal me afirmou: “se eu tivesse que fazer concurso depois da nova lei de aposentadoria para a federal, eu não faria; a universidade particular me dava melhor condição de trabalho”.
Analise o quadro da educação no Brasil, a nova proposta que o governo nos fez e certamente concordará comigo que uma avaliação externa teria uma _forte chance_ de ser um gargalo por onde passariam poucos, independente da competência.
E não se engane Professor, já temos o quadro de progressão mais cruel do funcionalismo público federal. Ninguém, em nenhuma esfera pública ou privada, tem que provar que trabalhou; juntando todas as comprovações de tudo o que fez (muitas vezes tirando do bolso para pagar congressos e eventos); juntando cem, duzentas, quatrocentas folhas em um documento monstruoso; pedir a gentileza (porque ninguém gosta de fazer parte da banca) para que seus pares lhe avaliem em banca constituída; apresentar isso em colegiado; se submeter a aprovação de departamento e do CPPD.
Estou momentaneamente na coordenação do curso e lhe garanto, o dos técnicos administrativos (como de todas as outras pessoas mundo a fora) são quatro folhas de itens objetivos. Eu assino, o chefe do departamento assina, o CPPD aprova.
Dizer que o professor no Brasil ganha bem é no mínimo estranho. Porque sou professor com mestrado e ganho menos que um amigo também funcionário federal que tem graduação e está em um cardo de nível médio.
Concordo sim, que uma parcela de 5% dos professores ganham bem, quando depois de quase vinte anos de careira chegam perto do topo.
Mas se usarmos esse parâmetro então todos no Brasil são ricos, considerando que cerca de 5% da nossa população nada em dinheiro, enquanto cerca de mais de 50% sobrevive de trocados.
Gostaria de saber de onde vieram as informações de que “temos salários menores inclusive que países da América Latina, com PIB bem abaixo do Brasil”, e de “a média mundial da relação professor/aluno gira na casa de 1/10, no Brasil temos uma meta de 1/18”, ou ainda de que “nas grandes universidades ao redor do mundo existe a figura do pesquisador, e a figura do professor; que em alguns casos é dissociada”. Que países seriam estes? De onde saiu esta média de alunos por professor?