(Publicado em O Estado de São Paulo, 11 de abril de 2025)
Em 1957, os Estados Unidos tomaram um susto quando souberam que a União Soviética havia lançado o primeiro satélite ao espaço, indicando que o sistema de ciência e tecnologia soviético poderia ter superado o americano. A superioridade americana que havia se consolidado depois da Segunda Guerra se apoiava em pelo menos três pilares. Primeiro, na big science, a capacidade de investir e coordenar conhecimentos, recursos humanos e materiais em grande escala, no projeto da bomba atômica e, mais amplamente, na tecnologia militar. Segundo, na política apoio às ciências em todos os seus aspectos, estabelecida no documento liderado por Vanenevar Bush que ficou conhecido como Science, the Endless Frontier, que incluía desde o apoio à pesquisa básica nas ciências naturais, sociais e humanidades, sem objetivos imediatos, com destaque para a pesquisa universitária e instituições como a National Science Foundation, até a ciência aplicada na área da saúde e outras. E terceiro, no fortalecimento da cooperação entre universidades, governo e indústria, que consolidou os Estados Unidos como o país mais avançado na pesquisa, na produtividade econômica e na educação superior, atraindo talentos de todo o mundo.
Como explicar que a União Soviética tivesse passado à frente? O que os russos fizeram foi levar ao extremo um modelo extremamente concentrado e centralizado de investimento de recursos e talentos em seus projetos militares de big science, provavelmente em escala semelhante à americana, mas sem seus dois outros componentes, um sistema universitário aberto e vigoroso e um setor produtivo independente capaz de absorver e multiplicar as inovações tecnológicas que surgiam. O fracasso da pesquisa agrícola, sufocada pela recusa ideológica em aceitar os avanços da pesquisa genética mendeliana, deixou claro seus limites. A reação americana ao choque do Sputnik foi reforçar a política de ciência sem limites, e em pouco tempo o país havia não somente superado a União Soviética na corrida espacial, como consolidado sua liderança nos outros dois componentes, como uma sociedade aberta e plural.
O novo Sputnik surgiu aos poucos, com o inesperado sucesso da indústria japonesa nos anos 70, e depois da Coreia do Sul, até a década de 90. De repente, os americanos perceberam não só que as fábricas japonesas e coreanas de eletrônicos e depois automóveis eram mais eficientes, como que seus produtos eram melhores, e a custos muito mais baixos. Diferente dos Estados Unidos, os novos “tigres asiáticos” investiam quase nada em ciência básica, e suas universidades se dedicavam sobretudo à formação de técnicos especializados. Ao invés de grandes projetos estatais, desenvolviam forte parceria entre o governo e conglomerados de empresas privadas no desenvolvimento de indústrias de bens de consumo para o mercado internacional. No início, os americanos tentaram copiar os métodos dos asiáticos, como por exemplo na adoção de sistemas de produção just-in-time e círculos de qualidade, mas aos poucos foram entendendo que a melhor alternativa era estabelecer parcerias comerciais e industriais com estas economias em ascensão.
Mas é com a China, a partir da década de 2000, que o novo Sputnik mostra sua força. Igual à antiga União Soviética e os Estados Unidos, ela desenvolve uma ciência estatal de grande porte na área militar, espacial e de infraestrutura. Igual aos tigres asiáticos, abre espaço para um setor empresarial privado que se beneficia de parcerias e apoio governamental para produzir em grande escala para o mercado internacional, com produtividade e qualidade crescentes. E, igual aos Estados Unidos do pós-guerra, expande seus investimentos em educação superior e pesquisa básica em quantidade e qualidade. No início, como com a União Soviética no passado, os Estados Unidos imaginaram que o sucesso da China se devia à espionagem e pirataria da tecnologia americana. Hoje é obvio que, ainda que isto possa ter existido, e que os Estados Unidos ainda mantenham a liderança em muitas áreas de alta tecnologia, a China já é a potência dominante em produção industrial e em muitas áreas de tecnologia aplicada, sem falar em sua consolidação como potência militar.
Desta vez, no entanto, ao invés reforçar suas qualidades e procurar se integrar a um novo cenário internacional mais competitivo, o que vemos por parte dos governos americanos é uma dupla reação negativa. Por um lado, fechar sua economia e tentar reprimir a expansão da China, negando acesso a tecnologias avançadas e impondo barreiras a seus produtos. Por outro, internamente, concentrando poder político e econômico em alguns segmentos do setor privado, às custas tanto do sistema nacional de pesquisa e desenvolvimento quanto das universidades, que perdem sua autonomia intelectual, gerencial e financeira. Do antigo e imbatível tripé de governo, universidade e empresas, parece que só restará parte destas últimas. Ao invés de uma sociedade aberta e plural, o totalitarismo ideológico. É difícil imaginar que com isto seja possível fazer a América grande de novo.
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