Fernando Henrique e a Educação

É a primeira vez, acho, que leio algo de Fernando Henrique Cardoso sobre educação, no artigo “Fazer a Diferença”, publicado hoje, 2 de abril, no O Globo e outros jornais. Ele tem toda a razão em dizer que são temas como este devem ser discutidos na campanha eleitoral, em vez de ataques pessoais ou querelas ideológicas vazias.

No entanto, acho que ele se equivoca em dois pontos fundamentais. Primeiro, ao criticar o governo por ter levantado a questão sobre os métodos de alfabetização e materiais didáticos, que ele desqualifica como “discussão estéril”. Eu tenho criticado muitas coisas feitas pelo atual governo na área da educação, e por isto me sinto à vontade para dizer que, longe de ser uma discussão estéril, é um tema de importância fundamental, e o Ministro Fernando Haddad foi muito corajoso ao colocar na mesa um tema que em sido tabu na educação brasileira, por causa das ideologias pedagógicas dominantes. A percentagem de crianças que passam pelas escolas e permanecem analfabetas no Brasil é altíssima, e isto tem muito a ver com os métodos equivocados, ou falta de métodos, no processo de alfabetização. Existe sólida evidência em todo o mundo de que o método fônico produz melhores resultados, sobretudo para crianças que vêm de famílias mais pobres, onde os pais não conseguem suprir a má qualidade das escolas. Vejam, por exemplo, o que diz o National Reading Panel, dos Estados Unidos:

The meta-analysis revealed that systematic phonics instruction produces significant benefits for students in kindergarten through 6th grade and for children having difficulty learning to read. The ability to read and spell words was enhanced in kindergartners who received systematic beginning phonics instruction. First graders who were taught phonics systematically were better able to decode and spell, and they showed significant improvement in their ability to comprehend text. Older children receiving phonics instruction were better able to decode and spell words and to read text orally, but their comprehension of text was not significantly improved.

Não é o método sozinho, naturalmente – ele deve estar acompanhado de materiais didáticos apropriados, e de sistemas regulares de avaliação e correção de resultados. A formação de professores é muito importante, mas não adianta exigir diplomas de nível superior se os cursos não formam os professores com as metodologias adequadas.

O outro equívoco de FHC é a ênfase que ele coloca no uso de computadores nas escolas. O que se sabe é que, se a escola é de boa qualidade, o computador pode ser um instrumento de trabalho importante para o aluno; se a educação é má, o uso do computador se transforma em um fim em si mesmo, que pouco ou nada acrescenta. Programas de introdução de computadores em escolas são necessariamente caros, despertam o interesse e a mobilização dos lobbies de venda de equipamento e sistemas, mas seu uso não é nada trivial, e seu impacto tende a ser muito pequeno. Eis como uma autora resume a questão, a partir de dois livros sobre o assunto:

With the advent of new technological advances, teachers can become facilitators of learning in a resource-rich environment rather than disseminators of information. A problem-based, student-centered, non-linear approach to education – one that encourages students to take responsibility for learning – is in order. To make that pedagogical shift, teachers must receive quality professional development. They need to know how to infuse technology into their everyday curriculum rather than how to use particular software programs. They also need ongoing support and mentoring from instructional leaders. The thrill of using technology in the classroom is compelling. However, it must be tempered by concern for productive use and an awareness of the possible negative effects of computers on young learners. Keeping students’ physical well-being in mind, teachers must carefully arrange computers in the classroom (taking ergonomics into account) and set time limits for computer use. An informed, balanced approach to technology infusion is key. (Katie Kashmanian. The Impact of Computers in Schools)

A novas tecnologias de informação podem ter grande impacto nas modalidades de educação continuada e na educação de jovens e adultos, áreas aonde o Brasil avançou muito pouco até agora. Mas, na educação fundamental, acredito que é o contrário do que diz FHC: as questões de método são fundamentais, e o uso de computadores, um desvio de prioridade, e muito provavelmente, um desperdício de recursos.

No mundo da lua

Fiquei constrangido ao ver a Sérgio Resende, nosso respeitado Ministro de Ciência e Tecnologia, ir à TV falar da glória de nosso astronauta no espaço, em comemoração aos cem anos da viagem de Santos Dumont no 14 bis. De herói em herói, não pude deixar de lembrar a tragédia de Alcântara de agosto de 2003, quando 21 técnicos e cientistas morreram em uma explosão do foguete espacial brasileiro, e que deveria ter levado – mas não levou – a uma reflexão profunda sobre se esta é realmente nossa prioridade na área de ciência e tecnologia.

O programa espacial brasileiro vem dos tempos dos governos militares e da guerra fria, quando nossos nacionalistas pensavam que o Brasil sofria de um “cerco tecnológico” das grandes potências, que não queriam que o país tivesse acesso aos conhecimentos de que necessitava para se transformar também em potência mundial. Era irmão do programa nuclear, ambos consumiam grande quantidade de recursos, e a suposição era que eles alavancariam o desenvolvimento científico e tecnológico do pais. É claro que, com tantos investimentos, algo sempre se ganha em formação de pessoas, incorporação de tecnologias sofisticadas, etc. Mas a experiência dos paises que realmente conseguiram dar o salto para o mundo moderno mostra que o caminho certo, para dar exemplos conhecidos, são os da Coréia do Sul e da Irlanda, com investimentos pesados e de longo prazo na educação de qualidade e no desenvolvimento de uma economia altamente competitiva e voltada para os grandes mercados internacionais, terreno fértil a partir do qual a ciência e a inovação florescem; e não o da Coréia do Norte ou do Iraque, com seus programas nucleares. A Índia, que por muitos anos foi nossa inveja, com seus satélites e bombas atômicas, só começou realmente a se transformar em uma sociedade moderna quando conseguiu a mobilizar em massa seus recursos humanos na área de computação e de serviços de qualidade.

Tanto a NASA quanto o programa espacial russo são velhos dinossauros, grandes burocracias que se deram as mãos para sobreviver em uma época em que a exploração do espaço já quase não captura a imaginação; não mais constituem a fronteira da pesquisa, e têm cada vez maior dificuldade em conseguir os financiamentos que necessitam para seus projetos gigantescos. A carona de nosso astronauta no foguete russo, que dizem ter custado uns 10 milhões de dólares para o governo brasileiro, pode ser uma excelente matéria publicitária, mais barato, possivelmente, do que comprar todo este espaço na TV Globo e nos jornais; mas dificilmente terá impacto mais significativo para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia do pais.

Mas há quem argumente que o importante não é isto, e sim fixar, na população, a imagem da importância da ciência, pela veneração dos cientistas e de seus grandes feitos, e desta forma aumentar o apoio social à ciência e à tecnologia – daí o Ministro no horário nobre da TV. Não há duvida que o culto aos heróis, em uma ponta, e o populismo na outra, podem ser muito eficazes a curto prazo, mas não sei se é o melhor caminho para construir uma sociedade baseada na competência, autonomia intelectual e liberdade de seus cidadãos.

Ernesto Schiefelbein, Lo urgente y lo importante

Transcrevo abaixo um artigo de Ernesto Shiefelbein, conhecido pesquisador sobre educação e ex-Ministro da Educação no Chile, entre outras coisas, publicado em LaTercera / Opinión, em: 24-02-2006:

Seis tareas urgentes resolverá el nuevo ministro de Educación. La Presidenta electa, Michelle Bachelet, le pidió en la reunión inicial ofrecer un subsidio escolar, cupos en prekinder, subvención diferenciada, nuevos créditos y becas en educación superior consolidados en un sistema y permitir su eventual pago con trabajo. Son tareas urgentes que solucionarán en el plazo señalado.

Pero hay consenso en que la educación es la “piedra angular de cualquier esfuerzo por aumentar la productividad, mejorar los salarios y lograr una distribución del ingreso más equitativa . . .(y que) . . . la política educativa . . . en Chile . . . ha fracasado”, como destacó Sebastián Edwards el 5 de febrero pasado en el cuerpo de Reportajes de La Tercera. Es decir, la verdadera tarea excedería las urgencias. Hay que “declarar una emergencia educativa” y realizar “cambios profundos” en las políticas, como lo indica ese artículo y ya lo estipulara antes la misma Presidenta.

Es oportuno, entonces, vislumbrar las tareas importantes y prioritarias. Aquí se sintetizan siete de los dilemas a dilucidar, antes de que el nuevo gobierno establezca metas realistas.

¿”Cuidar” a los niños de 0 a 5 años mientas los padres trabajan (más de lo mismo ofrecido hasta ahora) o “estimular” su desarrollo intelectual y creativo? Dada la brecha entre el vocabulario de un niño de familia pobre (500 palabras) y el de una rica (3 mil o más palabras), la primera alternativa no permitiría reducirla, como lo señaló Gregori Elacqua en su columna de La Tercera del martes pasado. En cambio, se lograría con buena estimulación cognitiva.

¿Cómo invertir el probable aumento de la subvención? No es lo mismo dar un incentivo salarial por el mayor trabajo que tendría el mejor profesor al atender al primer grado (para que la mayoría aprenda a leer y no sólo el 40%, como ocurre ahora), que comprar aparatos que parecerían ayudar a aprender mejor, aunque nunca se demostró su valor.

¿Mantener la formación inicial de los profesores o lograr una docena de cambios didácticos valiosos? El bajo nivel de comprensión de lectura aflige a toda la población, incluso a alumnos de buenos colegios privados. Pero no se debe culpar a aquellos profesores que usan las modalidades inadecuadas de enseñanza de la lectoescritura con que los formaron ni esperar mejoras por una mayor diligencia en su trabajo. Esto se expresa en un dilema adicional. ¿Tratar de evaluar pequeñas diferencias en las técnicas que usa cada maestro o elevar substancialmente la formación inicial de todos los maestros?

¿Continuar distribuyendo libros que los profesores no usan porque no facilitan un aprendizaje pertinente? Esto tiene especial importancia cuando un mismo maestro atiende a varios grados en una sola sala (multigrados, que predominan en áreas rurales).

¿Usar criterios de selección que parecen equitativos porque se asocian con un puntaje en una prueba de rendimiento o premiar a los que obtienen los primeros puestos en la condición específica en que estudia en el establecimiento? La selección por puntaje está siempre asociada al nivel social de la familia (como el vocabulario inicial, citado más arriba), pero el mejor alumno en un contexto pobre suele seguir siéndolo cuando estudia en un excelente ambiente (una mala enseñanza no le ocasiona un daño permanente).

¿Conviene “vender” la educación pública (como lo sugieren comentaristas y un rector) o resolver los problemas que limitan hoy los niveles de aprendizaje? Los países desarrollados han optado por la segunda alternativa, mejorando la formación inicial de los profesores (Chile ya la usó para resolver la desnutrición) y se debe recordar que los aprendizajes en los colegios privados son bajos cuando se comparan con los resultados de esos países. Además, ¿a dónde iría el alumno que hoy expulsa el colegio privado por un mal aprendizaje y debe pasar al sistema público?

Estos y otros dilemas de similar importancia tienen que ser analizados con cuidado por el nuevo gobierno para evitar que, en el año del Bicentenario, nuestra educación siga limitando su desarrollo.

ENEM e Provão: comparar ou nao comparar?

Como quem não quer nada, o INEP divulgou na Internet as médias dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para todas as escolas do país, com grande repercussão na imprensa. O interessante é que esta divulgação vai no sentido oposto da idéia de que escolas e instituições não devem ser comparadas, de que os processos são mais importantes do que os resultados, de tudo, enfim, que levou à desfiguração do antigo “provão” do ensino superior.

Como medida de avaliação, as médias do ENEM estão longe de ser um bom instrumento. Primeiro, porque, em geral, só fazem o exame os que querem se candidatar para as universidades, e com isto ficam excluídos todos os que repetiram, abandonaram a escola, ou simplesmente resolveram não se candidatar naquele ano. Depois, como acontecia com o “provão”, não há como saber quanto do resultado se deve ao “capital cultural” que os estudantes trazem para a escola de suas famílias, e quanto é de fato acrescentado pela escola em termos de formação. Além disto, não se sabe exatamente quais os conteúdos que o ENEM mede.

Apesar disto, a publicação destes resultados cumpre uma função essencial, que é dar à sociedade uma informação bastante sintética sobre desempenho, e abrir espaço para o debate sobre a qualidade. Justamente o que parece ter desaparecido do ensino superior, aonde o tema das cotas parece dominar todas as preocupações.

Alfabetização: luz no fim do tunel?

A Folha de São Paulo de hoje, 11 de fevereiro, dedica uma página à notícia de que o Ministério da Educação resolveu enfrentar o tabu e abrir espaço para a adoção do método fônico na alfabetização infantil, em contraponto ao chamado método construtivista que, em suas diversas modalidades, é adotado nos parâmetros curriculares adotados oficialmente no Brasil. Na matéria, o jornal entrevista a João Batista de Araujo e Oliveira, que fala do consenso internacional que existe hoje sobre a superioridade do método fônico, sobretudo em relação a crianças oriundas de famíias menos educadas e menos favorecidas, que geralmente não conseguem se beneficiar de metodologias aparentemente mais abertas. O Ministro é cauteloso, não chega a tomar posição a favor de um método ou de outro, mas só o fato de considerar esta possilidade e abrir espaço para discutir o tema já é uma grande contribuição.

Pelo que entendo, além de dar melhores resultados com crianças com menos capital cultural familiar, o método fônico tambem requer o desenvolvimento de materiais pedagógicos bem definidos e estruturados, que são necessários sobretudo para professores com pior formação. Em algumas de suas versões mais extremas, os defensores do método construtivista rejeitam a adoção de qualquer tipo de material pedagógico que já venha pronto, como algo autoritário e impositivo. É claro que estes materiais podem ser dispensados quando o professor é excelente e o aluno vem de um ambiente intelectualmene estimulante, mas, quando uma destas duas condições não se dá, o resultado tende a ser desastroso.

A matéria da Folha diz, em algum ponto, que o método construtivista foi adotado durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e algumas pessoas poderiam pensar que a oposição entre os dois métodos é uma oposição ideológica entre PSDB e PT. Nada mais equivocado, e seria uma pena que a questão passasse a ser vista sob este prisma. Trata-se de uma questão de natureza técnica e pedagógica, que pode e tem sido testada, e sobre a qual temos que avançar, para ir reduzindo os níveis alarmantes de analfabetismo funcional que existem em nossas escolas.

Redução da desigualdade, da pobreza, e os programas de transferencia de renda

Coloquei na minha página na Internet um texto sobre Redução da desigualdade, da pobreza, e os programas de transferência de renda no Brasil, aonde, com o auxilio de inúmeras tabelas e gráficos das PNADS, procuro entender melhor o que vem ocrrendo recentemente em relação à renda no país. Transcrevo abaixo as conclusões gerais:

As análises sobre a evolução da pobreza e da desigualdade social mostram que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, tanto a pobreza quanto a desigualdade no Brasil vêm se reduzindo ao longo do tempo, com algumas mudanças significativas nos anos mais recentes. As principais causas da redução da pobreza e da desigualdade são a melhoria progressiva do acesso à educação e da disponibilidade e custos reduzidos de alimentos e bens de consumo duráveis. O baixo crescimento da economia nos anos mais recentes tem constituído uma limitação importante neste processo, impedindo que a renda da população aumente. No entanto, o aumento sistemático dos indicadores de consumo, expectativa de vida, educação e condições habitacionais, mesmo quando a economia não cresce, mostra uma redução progressiva das condições de pobreza extrema, ainda que novos problemas tenham também surgido, sobretudo os associados às condições de vida nos grandes aglomerados urbanos. Os dados mostram também o grande peso da distribuição regressiva dos benefícios das aposentadorias e pensões, concentrados nos segmentos de renda media e alta.

As políticas de transferência de renda têm tido algum impacto nestas modificações, mas limitado, tanto pelo pequeno volume dos recursos transferidos para cada família, quanto pela má focalização dos gastos, já que estes recursos são distribuídos tanto a famílias realmente pobres quanto a outras menos pobres, e, além disto, a outras cujo padrão de vida não se expressa com nitidez na renda monetária medida pela PNAD. Uma política que fosse capaz de redistribuir melhor os gastos públicos em aposentadorias e pensões poderia contribuir muito mais para a redução da desigualdade de renda no pais país do que as políticas compensatórias implementadas atualmente.

Um dos argumentos a favor da prioridade que tem sido dada recentemente às políticas de transferência de renda é que elas seriam associadas a condicionalidades, ou seja, à freqüência das crianças à escola, ao atendimento das famílias aos centros de saúde púbica, e assim por diante. Isto seria importante, porque, a médio prazo, as transferências de dinheiro deveriam fazer com que as pessoas deixassem de depender destes recursos. Não há evidência, no entanto, que estas condicionalidades estejam de fato sendo implementadas, e nem há razões para crer que políticas que busquem alterar o comportamento quotidiano das pessoas possam ser dirigidas e comandadas a partir do governo federal, em uma relação direta com as famílias.

De uma maneira geral, chama a atenção que as análises macroeconômicas que buscam estimar o impacto destes programas deixam de tomar em conta as questões relacionadas ao sistema federativo e os problemas associados aos diferentes níveis de implementação dos programas sociais. O governo federal tem condições de redistribuir recursos e estabelecer sistemas genéricos de incentivo, mas muito pouca capacidade de gerenciar ações de nível local. De fato, as evidências disponíveis sobre o programa bolsa-escola mostram que se trata de um programa muito pouco efetivo do ponto de vista educacional, não só pela má focalização (Schwartzman, 2005), como também pela impossibilidade de controlar efetivamente sua condicionalidade mínima, que é o controle de freqüência à escola. Os recursos a ele destinados teriam tido maior impacto se fossem utilizados para fortalecer as escolas e seus vínculos locais e diretos com as comunidades das quais participam.

Programas específicos que apóiam ações descentralizadas de governos estaduais, municipais e da comunidade, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, parecem ser muito mais bem sucedidos do que programas genéricos como o da bolsa família. É um tema que precisa ser aprofundado.

Merval Pereira: cooptação politica e verticalização eleitoral.

Merval Pereira, em sua crônica política no O Globo dos dias 4 e 5 de fevereiro de 2006, escreve sobre o tema da coerência ou fragmentação dos partidos políticos brasileiros, a propósito da mudança de legislação sobre verticalização partidária, e cita, entre outras coisas, trechos de uma correspondência que trocamos a respeito recentemente. Para não infringir direitos autorais, deixo de reproduzir o texto aqui, mas recomendo que ele seja buscado no site do jornal (http://oglobo.globo.com), de onde os dois textos podem ser baixados (sem pagar nada se até 7 dias depois da publicação). Em compensação, coloco abaixo a nota que enviei para Merval, ligeiramente editada:

“Em 1975 publiquei “São Paulo e o Estado Nacional”, que depois saiu, revisado, como “Bases do Autoritarismo Brasileiro”, em 1988. A tese principal era que o sistema político brasileiro não era formado pela simples representação de interesses privados na esfera política, mas que havia uma forte esfera, a estatal, que tinha sido, historicamente, tão ou mais importante do que a simples representação de interesses privados. Eu dizia, seguindo a tradição de Max Weber, que este setor estatal era, na sua origem, patrimonial-burocrático, e que, na medida em que ele criava um sistema político com partidos, etc., este sistema operava por cooptação das lideranças que fossem surgindo na sociedade mais ampla. As origens desta forma de organização do sistema político remontam ao Estado patrimonial português, estão associadas ao padrão de colonização que eles trouxeram ao Brasil, e se prolongou nas elites que administraram o Império e mantiveram o controle da coisa pública desde então. Existe toda uma linha de interpretação do sistema político brasileiro nestes termos, a começar por Raymundo Faoro, e seu famoso livro sobre o Estamento Burocrático.

Mas quem realmente entendeu o que estava acontecendo não foi Faoro, e sim Victor Nunes Leal, no seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”. Faoro acreditava que o Estamento Burocrático era como que um destino, uma essência da sociedade brasileira, do qual só poderia vir coisas ruins, e passou a vida lutando contra este monstro, que, por definição, jamais poderia ser derrotado. Victor Nunes, ao contrário, mostrava como os grupos e setores ligados ao poder central, embora dominantes e influentes, dependiam do apoio e da troca de favores dos “coronéis” (coronéis do campo, não do exército) para as eternas disputas de poder que ocorriam no seio do Estado. Este coroneis não eram, como alguns pensavam, simples representantes de interesses agrários, mas, justamente, pessoas que se especializavam nesta barganha, e graças a isto conseguiam apoio para manter suas posições de poder nas disputas locais. O ponto principal que aprendemos com Victor Nunes (e creio Bolívar Lamounier, entre outros, diria o mesmo) é que o estado não é monolítico, seus espólios estão sempre em disputa, e por isto seus detentores precisam de fazer barganhas e parcerias para existir.

Numa simplificação talvez exagerada, mas acredito que sugestiva, eu argumento no livro que sempre houve, desde o Império pelo menos, uma tensão entre esta forma de fazer política, típica de sociedades de estados relativamente avantajados e capitalismo canhestro, e as formas pelas quais normalmente se pensa a política, baseada nos interesses privados que se articulam para colocar o setor público agindo conforme seus interesses, e que eu chamei de “política de representação”. No Brasil, a tensão entre os dois tipos de política se dava, em grande parte, entre São Paulo, por um lado, berço da “república de bandidos” que eram os bandeirantes, e do capitalismo brasileiro, e aonde os capitalistas, e mais tarde os operários, se organizavam para defender seus interesses, e, por outro lado, o centro político do Rio de Janeiro, em parcerias e barganhas de tipo coronelista com as elites dos demais estados empobrecidos da federação, ou com a tradição militar e autocrática do Rio Grande do Sul. Ao longo da história do Brasil – o Império, a República das intervenções, o período Vargas, a República de 45-64 (dominada por mineiros e gaúchos, associados ao sindicalismo pelego) – o domínio foi sempre ou quase sempre do poder central, com breves interregnos como os tempos do “café” da República Os paulistas conseguiam proteger seus interesses e tentavam se organizar em partidos mais autônomos e independentes, mas nunca, efetivamente, chegavam ao poder. Era a subordinação do centro econômico ao centro político do país, o inverso do que pensam normalmente os marxistas e os politicólogos de tradição americana, ou européia, que é a economia, com seus jogos de interesse e relações de classe, que condicionaria e daria forma ao sistema político. Esta seria, então, a base do autoritarismo brasileiro, que só iria se alterar quando “São Paulo”, naquilo que poderia representar de uma sociedade mais autônoma e senhora de seu destino, crescesse e se espalhasse por todo o país, transformando as administrações burocráticas em governos eficientes, e os partidos políticos em organizações de articulação e interesses e preferências de setores importantes da sociedade. Isto foi escrito na década de 70, nos anos da ditadura, e o governo militar me parecia um prolongamento natural do velho estado patrimonial, embora as vezes tecnocrático, e que, quando começou a precisar de aliados, foi buscá-los nas oligarquias dos estados mais pobres e dependentes do país.

É claro que este esquema de interpretação deixa muitas coisas importantes de fora, e uma delas é o populismo, que eu interpretava, basicamente, como uma outra modalidade de cooptação – verdadeiro para Vargas, possivelmente, mas não para Jânio Quadros e outros demagogos com um forte componente fascista, que outros paises latino americanos conheceram mais do que gente.

Antes dos governos militares, haviam partidos nacionais – PSD, UDN, PTB – e partidos paulistas – PSP, e outros menores. Depois do governo militar, surgem os melhores exemplos de partidos representativos no Brasil, com todos os seus defeitos – o PSDB e o PT, ambos ancorados em São Paulo. Com isto, parecia que minha tese dos anos 70 se cumpria. A incorporação de São Paulo ao lugar que lhe era devido no centro da política brasileira poderia contribuir para esvaziar os velhos sistemas de cooptação, e abrir uma nova era de política representativa no país. O que vemos agora, no entanto, é que o PSDB desenvolve uma nova política de governadores, enquanto que o PT incorpora as piores práticas da política de cooptação. Não vai ser assim tão fácil…

Com isso chegamos ao tema da verticalização. Eu não penso que só existam partidos de cooptação no Brasil, existem outras coisas também. A discussão que existe está baseada em cálculos de quem perde e quem ganha com as diferentes alternativas, e não em uma análise do que é melhor ou pior para o país. Queremos partidos bem estruturados em torno de programas, ou mais amorfos? Queremos partidos que se imponham autoritariamente do centro, ou partidos construídos de baixo para cima? O Brasil de hoje combina fortes elementos de uma política programática que não tínhamos antes, ou tínhamos pouco, com vários tipos de partidos tradicionais que vivem da intermediação política e administrativa. Estas diferenças não ocorrem somente entre partidos, mas inclusive dentro de cada um dos partidos principais. Eu gostaria que os partidos de base programática, de tipo representativo, passassem a predominar, mas não sei se forçar a verticalização eleitoral ajuda para isto. O Brasil é muito grande, com fortes regionalismos, é totalmente artificial forçar uma coerência dos partidos de forma vertical, e em todos os Estados. Eu deixaria esta questão como escolha de cada partido. O PT, se quiser, pode decidir que não aceitará coalizões regionais ou locais distintas da coalizão nacional que estabelecer. O PMB, se quiser, pode decidir o oposto.”

Constituição do Racismo – 2

A Folha de São Paulo de hoje, 13 de janeiro, publica a seguinte carta de Bolivar Lamounier:

“Tem toda a razão Demétrio Magnoli ao alertar o país para as conseqüências nefastas que poderão advir da eventual aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pela Câmara dos Deputados (“Constituição do racismo”, 12/1). Com lucidez e coragem, ele põe o dedo na ferida. A pretexto de apressar a consecução da “igualdade racial”, vem-se implantando no Brasil uma política “racial” em tudo contrária aos princípios basilares de nossa Constituição. Equivocada, imitativa e contraproducente, tal política provavelmente agravará os problemas que se propõe solucionar. Nas últimas duas ou três décadas, houve notável evolução no conhecimento e no debate público sobre os problemas sociais e culturais brasileiros. Aprofundou-se a consciência de que é necessário assegurar de maneira efetiva, e não retórica, os direitos que a Constituição confere aos cidadãos. Ninguém de bom senso se opõe a providências múltiplas, flexíveis e não-coercitivas que facilitem a superação de preconceitos e garantam o acesso igualitário a oportunidades e compensações. Infelizmente, ao lidar com essas questões, o projetado estatuto inspirou-se nos piores modelos, conceitos e métodos disponíveis. Sua aprovação pela Câmara dificilmente resolverá problemas importantes no que se refere à redução das desigualdades. É bem mais provável que enrijeça percepções e preconceitos, fomentando desentendimentos artificiais e, como diz Magnoli, solapando o princípio republicano da igualdade dos cidadãos”.

Assino em baixo.

Constituição do Racismo

Eu tinha decidido, tempos atrás, não escrever mais sobre o tema das políticas raciais, depois de ter sido acusado mais de uma vez de fazer parte da conspiração racista-judaico-liberal contra os negros brasileiros. No entanto, gostaria de chamar a atenção para o artigo de Demétrio Magnoli na Folha de São Paulo de hoje, 12 de Janeiro, sobre o tal “Estatuto da Igualdade Racial” que está tramitando aparentemente sem crítica pelo Congresso, e que vai significar, na prática, a revogação do princípio constitucional da igualdade de todos, consagrado no artigo 5 da Constituição brasileira, entre outras coisas. Este estatuto, que ninguém no Congresso parece querer discutir, dá continuidade a um projeto da antiga Senadora Benedita da Silva de obrigar a todos terem uma identidade racial obrigatória, sobre o qual escrevi em 1998, e que, na minha ingenuidade, achei que estava sepultado, pelos absurdos que continha. Ledo engano.

Não vou repetir aqui os argumentos contra este tipo de legislação, que estão muito bem apresentados no artigo de Magnoli, e podem ser vistos também no meu texto de 1998. O que queria assinalar aqui é o clima de culpa, reforçada pelo patrulhamento, que faz com que muitas pessoas deixem de examinar e discutir estas questões, por medo de serem chamadas de racistas ou pior, e acabem sendo levadas de roldão pelos defensores de projetos aparentemente “progressistas” como este. Prefiro continuar sendo chamado de racista, ou o que seja, e continuar dizendo o que penso.

Idéias de 2005

Começo o ano com a sensação de não ter nada a dizer além do que todo mundo já está dizendo, e muito melhor… Em todo caso, algumas coisas merecem destaque:

Homem de idéias – Bernardo Sorj recebeu do “Caderno de Idéias” do Jornal do Brasil o titulo de Homem de Idéias de 2005”. Nada mais merecido, pelos livros que vem publicando e pela tentativa de pensar de forma original, livre dos velhos esquemas interpretativos, a nova sociedade que está sendo formada no país. O que surpreende, positivamente, é que o jornal tenha escolhido um intelectual que realmente trabalha com idéias, em vez de cultivar a midia, como fazem muitos de seus concorrentes…

Homem sem idéias – Fernando Veríssimo, em uma crônica, protesta contra os que o colocam junto com os “intelectuais silenciosos” que primaram pela sua ausência no ano passado. Como, diz ele, eu que tive que falar tanto sobre o meu pai? Ah, bom, como diria o Ancelmo Gois…

Estado de emergência nas estradas – Durante anos, eu sofri um processo do Tribunal de Contas da União, porque decidi contratar uma firma de publicidade sem licitação para fazer a campanha do IBGE da contagem populacional de 1996. Fiz isto porque o dinheiro chegou na última hora, e, ou a campanha era feita logo, ou a contagem tinha que ser suspensa. Como as taxas das firmas de publicidade são fixas, escolhemos a que tinha ganho a licitação mais recente, conforme o parecer da procuradoria. Os auditores do TCU disseram que isto não era desculpa, e me acusaram de imprevidência. A absolvição só veio no inicio de 2005. Agora vejo que o governo federal decretou “estado de emergência” para poder gastar o dinheiro de obras das estradas. Isto significa que não vai haver licitação, e que o governo vai poder contratar as empreiteiras como quiser? Todos parecem contentes porque os buracos das estradas serão tapados, mas ninguem está comentando o que este tal de “estado de emergência” significa, e porque o governo não tomou esta decisão antes, e seguiu os procedimentos normais de licitação. Será que o TCU vai achar que, neste caso, não houve negligência?

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