É a primeira vez, acho, que leio algo de Fernando Henrique Cardoso sobre educação, no artigo “Fazer a Diferença”, publicado hoje, 2 de abril, no O Globo e outros jornais. Ele tem toda a razão em dizer que são temas como este devem ser discutidos na campanha eleitoral, em vez de ataques pessoais ou querelas ideológicas vazias.
No entanto, acho que ele se equivoca em dois pontos fundamentais. Primeiro, ao criticar o governo por ter levantado a questão sobre os métodos de alfabetização e materiais didáticos, que ele desqualifica como “discussão estéril”. Eu tenho criticado muitas coisas feitas pelo atual governo na área da educação, e por isto me sinto à vontade para dizer que, longe de ser uma discussão estéril, é um tema de importância fundamental, e o Ministro Fernando Haddad foi muito corajoso ao colocar na mesa um tema que em sido tabu na educação brasileira, por causa das ideologias pedagógicas dominantes. A percentagem de crianças que passam pelas escolas e permanecem analfabetas no Brasil é altíssima, e isto tem muito a ver com os métodos equivocados, ou falta de métodos, no processo de alfabetização. Existe sólida evidência em todo o mundo de que o método fônico produz melhores resultados, sobretudo para crianças que vêm de famílias mais pobres, onde os pais não conseguem suprir a má qualidade das escolas. Vejam, por exemplo, o que diz o National Reading Panel, dos Estados Unidos:
The meta-analysis revealed that systematic phonics instruction produces significant benefits for students in kindergarten through 6th grade and for children having difficulty learning to read. The ability to read and spell words was enhanced in kindergartners who received systematic beginning phonics instruction. First graders who were taught phonics systematically were better able to decode and spell, and they showed significant improvement in their ability to comprehend text. Older children receiving phonics instruction were better able to decode and spell words and to read text orally, but their comprehension of text was not significantly improved.
Não é o método sozinho, naturalmente – ele deve estar acompanhado de materiais didáticos apropriados, e de sistemas regulares de avaliação e correção de resultados. A formação de professores é muito importante, mas não adianta exigir diplomas de nível superior se os cursos não formam os professores com as metodologias adequadas.
O outro equívoco de FHC é a ênfase que ele coloca no uso de computadores nas escolas. O que se sabe é que, se a escola é de boa qualidade, o computador pode ser um instrumento de trabalho importante para o aluno; se a educação é má, o uso do computador se transforma em um fim em si mesmo, que pouco ou nada acrescenta. Programas de introdução de computadores em escolas são necessariamente caros, despertam o interesse e a mobilização dos lobbies de venda de equipamento e sistemas, mas seu uso não é nada trivial, e seu impacto tende a ser muito pequeno. Eis como uma autora resume a questão, a partir de dois livros sobre o assunto:
With the advent of new technological advances, teachers can become facilitators of learning in a resource-rich environment rather than disseminators of information. A problem-based, student-centered, non-linear approach to education – one that encourages students to take responsibility for learning – is in order. To make that pedagogical shift, teachers must receive quality professional development. They need to know how to infuse technology into their everyday curriculum rather than how to use particular software programs. They also need ongoing support and mentoring from instructional leaders. The thrill of using technology in the classroom is compelling. However, it must be tempered by concern for productive use and an awareness of the possible negative effects of computers on young learners. Keeping students’ physical well-being in mind, teachers must carefully arrange computers in the classroom (taking ergonomics into account) and set time limits for computer use. An informed, balanced approach to technology infusion is key. (Katie Kashmanian. The Impact of Computers in Schools)
A novas tecnologias de informação podem ter grande impacto nas modalidades de educação continuada e na educação de jovens e adultos, áreas aonde o Brasil avançou muito pouco até agora. Mas, na educação fundamental, acredito que é o contrário do que diz FHC: as questões de método são fundamentais, e o uso de computadores, um desvio de prioridade, e muito provavelmente, um desperdício de recursos.