Prêmio ao desempenho: uma boa idéia em perigo

No momento em que o Rio de Janeiro enfrenta uma greve de professores contra o sistema de premiação por desempenho das escolas implantado pela Secretaria Estadual de Educação, causou grande impacto a notícia de que a cidade de New York havia interrompido um programa semelhante de pagamento por mérito, porque não tinha mostrado resultados.  Se os americanos chegaram a esta conclusão,  não significa isto que os sindicatos têm razão, e que esta política de incentivos, adotada também pela prefeitura do Rio, pelas secretarias de educação do Estado de São Paulo, Pernambuco,  Minas Gerais e em outras regiões, deveria ser abandonada?

Devagar com o andor. New York interrompeu um programa experimental e voluntário de três anos, que não mostrou resultados por uma série de fatores analizados em um estudo detalhado da Rand Corporation, mas por outro lado a cidade de Washington continua implementando um programa vigoroso de bonus para professores que mostram bons resultados e demissões para os que não conseguem desempenhar minimamente suas funções.

Existem muitas razões pelas quais um sistema de incentivos pode não funcionar, o que não significa que não seja importante reconhecer, prestigiar e premiar quem mostra dedicação e resultados em seu trabalho; apoiar e ajudar a quem se esforça mas não consegue ir adiante; e, no limite, punir ou afastar quem não tem motivação ou condições de fazer o que precisa ser feito.

Uma parte importante da discussão sobre os sistemas de premiação por desempenho é o uso de testes como indicadores de resultados. Uma das críticas é que eles podem levar as escolas e professores a treinar os alunos para os testes, deixando o resto da educação de lado. Eles podem levar escolas a só aplicar os testes aos melhores alunos, como parece estar acontecendo com a Prova Brasil, afetando o IDEB; e existe ainda o problema de as escolas e os professores não saberem interpretar os maus resultados em um teste, nem saber o que fazer para melhorar, ficando somente com o estigma do mau desempenho.

E no entanto, se bem desenvolvidas e utilizadas, avaliações por testes são insubstituíveis como instrumentos para saber o que está acontecendo, identificar problemas e buscar soluções. Nos debates havidos sobre testes e sistemas de mérito, o que fica cada vez mais claro é que, sozinhos, eles não conseguem resolver os problemas da educação, e podem até piorar a situação, pelas resistências e clima de conflito que podem gerar; mas que podem ter um papel muito importante se usados como parte de uma política mais ampla de melhora da educação.

Dois artigos recentes também do New York Times (que me foram gentilmente enviados, já devidamente traduzidos, pela vereadora Andrea Gouvea Vieira) mostram muito bem isto, ao discutir o posicionamento recente da conhecida educadora Diane Ravitch contra o uso dos testes (a tradução dos textos para o português está disponível aqui). Um deles, de Paul Tough, cita o Secretario de Educação de Massachussetts, Paul Reville, para o qual “estratégias tradicionais de reforma não irão, de um modo geral, permitir a superação das barreiras para o aprendizado dos alunos em condições de pobreza”.  Segundo o autor, “os reformistas também precisam tomar medidas concretas para tratar toda a gama de fatores que mantêm o atraso dos estudantes pobres. Isso não significa esperar sentados por utópicas transformações sociais. Significa levar para as salas de aula estratégias específicas, baseadas em intervenções fora da sala de aula: trabalhar intensamente com as famílias menos favorecidas para melhorar ambientes domésticos para crianças pequenas; fornecer educação de alta qualidade na primeira infância para crianças de famílias mais necessitadas; e, quando as aulas começarem, proporcionar aos estudantes pobres um eficaz sistema de apoio emocional e psicológico, além, naturalmente, do apoio acadêmico”.

O outro artigo, de David Brooks, é ainda mais contundente. Segundo ele, “Ravitch acha que a solução é se livrar dos testes. Mas é um caminho que só levaria a uma letargia e mediocridade perpétua. A verdadeira resposta é manter os testes e responsabilidade, mas certificando-se de que cada escola tenha um sentido claro de missão, um principio e uma cultura moral forte que se faça sentir ao se chegar na sua porta. A tese de Ravitch é de que os Estados Unidos têm escolas locais humanizadas que estão ameaçadas por fanáticos por testes. O fato é que várias escolas ficaram espiritualmente exauridas e até os grandes professores estão lutando numa cultura inerte. São os reformistas que normalmente criam a paixão, usando os testes como alavanca. Se a sua escola ensina para testar, não é culpa do teste, mas sim dos diretores”.

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

2 thoughts on “Prêmio ao desempenho: uma boa idéia em perigo”

  1. Simon, o tema é importante, o problema está nos detalhes. Por exemplo, aqui em SP o governo Serra resolveu utilizar o Saresp como apoio a um programa desse tipo, recompensando com bônuses professores de escolas que se saíssem bem na avaliação. Aí começam os probelmas: o Saresp, assim como o SAEB, foi projetado para ser uma avaliação de sistema, não, em princípio, de escolas individualmente ou de docentes. Quem estuda avaliação sabe que o ponto fundamental é a análise de validade, que não é do exame ou do processo, mas do uso que se fazem dos resultados do sistema. Por exemplo, o Enem parece uma avaliação razoável de indivíduos para ser utilizado como parte de um sistema de seleção ao ES. Já, como avaliação de escolas, que acontece quando o MEC/INEP divulga as médias de cada escola, é totalmente inapropriado. Pior ainda para dar diploma de EM para quem abandonou o EM, que está acontecendo, infelizmente. O mesmo ocorre com o Saresp: um bom sistema de avaliação do sistema escolar de SP, mas dificilmente se justificaria, de forma técnica, a utilização para avaliar docentes. Isso por inúmeras raz’ões, incluindo o fato de que os professores chegam a “ajudar”os estudantes a irem bem na avaliação. Ou a escola treina os estudantes para o exame. Ou seja, algo que deveria servir para avaliar o sistema, servindo de base para indicar políticas de aprimoramento, passa a ser critério de prêmios para escolas, municípios ou professores. Não serve para isso e acaba deixando de servir para avaliar o sistema, sua missão inicial. Assim como nos exames federais, incluindo o Enem, a falta de cultura sobre avaliações de um ponto-de-vista acadêmico, em que o conceito de validade é fundamental, está nos levando a prejudicar, gradativamente, as boas iniciativas que começaram lá atrás. Isso vale para o SAEB, o ENEM, o ENADE e agora os exames estaduais. Aqui em SP já se fala até em usar o Saresp para ingresso em cursos superiores. Melhor acabar de vez com ele.

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