Coloquei na minha página na internet uma versão revista do texto sobre o tema acima, que incorpora, na tabela 10, um sumário dos dados mais recentes do suplemento daPNAD 2004 sobre os programas sociais do governo brasileiro (quadro 10). O texto pode ser baixado aqui. Estes dados não alteram a conclusão do texto original:
As análises sobre a evolução da pobreza e da desigualdade social mostram que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, tanto a pobreza quanto a desigualdade no Brasil vêm se reduzindo ao longo do tempo, com algumas mudanças significativas nos anos mais recentes. As principais causas da redução da pobreza e da desigualdade são a melhoria progressiva do acesso à educação e da disponibilidade e custos reduzidos de alimentos e bens de consumo duráveis. O baixo crescimento da economia nos anos mais recentes tem constituído uma limitação importante neste processo, achatando os rendimentos nominais. No entanto, o aumento sistemático dos indicadores de consumo, expectativa de vida, educação e condições habitacionais, mesmo quando a economia não cresce, mostra uma redução progressiva das condições de pobreza extrema, ainda que novos problemas tenham também surgido, sobretudo os associados às condições de vida nos grandes aglomerados urbanos. Os dados mostram também o grande peso da distribuição regressiva dos benefícios das aposentadorias e pensões, concentrados nos segmentos de renda média e alta.
As políticas de transferência de renda têm tido algum impacto nestas modificações, mas limitado, tanto pelo pequeno volume dos recursos transferidos para cada família, quanto pela má focalização dos gastos, já que estes recursos são distribuídos tanto a famílias realmente pobres quanto a outras menos pobres, e, além disto, a outras cujo padrão de vida não se expressa com nitidez na renda monetária medida pela PNAD. Uma política que fosse capaz de redistribuir melhor os gastos públicos em aposentadorias e pensões poderia contribuir muito mais para a redução da desigualdade de renda no pais país do que as políticas compensatórias implementadas atualmente.
Um dos argumentos a favor da prioridade que tem sido dada recentemente às políticas de transferência de renda é que elas seriam associadas a condicionalidades, ou seja, à freqüência das crianças à escola, ao atendimento das famílias aos centros de saúde púbica, e assim por diante. Isto seria importante, porque, a médio prazo, as transferências de dinheiro deveriam fazer com que as pessoas deixassem de depender destes recursos. Não há evidência, no entanto, que estas condicionalidades estejam de fato sendo implementadas, e nem há razões para crer que políticas que busquem alterar o comportamento quotidiano das pessoas possam ser dirigidas e comandadas a partir do governo federal, em uma relação direta com as famílias.
De uma maneira geral, chama a atenção que as análises macroeconômicas que buscam estimar o impacto destes programas deixam de tomar em conta as questões relacionadas ao sistema federativo e os problemas associados aos diferentes níveis de implementação dos programas sociais. O governo federal tem condições de redistribuir recursos e estabelecer sistemas genéricos de incentivo, mas muito pouca capacidade de gerenciar ações de nível local. De fato, as evidências disponíveis sobre o programa bolsa-escola mostram que se trata de um programa muito pouco efetivo do ponto de vista educacional, não só pela má focalização, como também pela impossibilidade de controlar efetivamente sua condicionalidade mínima, que é o controle de freqüência à escola. Os recursos a ele destinados teriam tido maior impacto se fossem utilizados para fortalecer as escolas e seus vínculos locais e diretos com as comunidades das quais participam. Programas específicos que apóiam ações descentralizadas de governos estaduais, municipais e da comunidade, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, parecem ser muito mais bem sucedidos do que programas genéricos como o da bolsa família. É um tema que precisa ser aprofundado.