Acho difícil não interpretar a defesa veemente de Chaves feita dias atrás pelo Presidente Lula como o início da campanha para permanecer no poder indefinidamente, através de alguma reforma constitucional ou plebiscito. Segundo Lula, a única crítica que se pode fazer a Chaves é de excesso de democracia, dadas as vezes em que ele realizou e ganhou eleiçoes e plebiscitos. Lula não é ingênuo, e sabe muito bem que democracia não é só mobilização popular e votos, mas também instituições – legislativo e judiciário independente, pluralidade partidária, liberdade de expressão, garantia dos direitos das minorias. Presidencialismo plebiscitário tem outro nome: fascismo. Pelo critério de Lula, Mussolini, Hitler, Fujimori e Perón, sem falar em Getúlio Vargas, seriam também grandes democratas. Se ele prefere ignorar isto, não deve ser à toa. Não há dúvida, também, que esta ambição continuista mal-disfaraçada se apóia na desmoralização do legislativo, que atingiu níveis impensáveis.
Um espectro ronda as Américas: a deformação dos regimes democráticos em hiper-presidencialismos aberta ou veladamente autoritários. O espectro materializou-se por completo na Venezuela, assumindo tendências totalitárias, com a formação de milícias leais ao presidente Chávez, doutrinação e mobilização ideológicas em larga escala, etc.
O hiper-presidencialismo, no entanto, dá sinais de sua existência mesmo nos Estados Unidos, berço da democracia no continente, onde o governo Bush, em seus dois mandatos, promoveu a maior concentração de poderes em mãos do Executivo desde o New Deal de Roosevelt (e para fins bem menos proveitosos). Ali, o que era exceção tornou-se quase rotina: legislação por decretos presidenciais, utilização dos chamados “signing statements” para isentar a presidência do pleno cumprimento de leis aprovadas pelo Congresso, partidarização do aparelho do Estado, para não falar no cerceamento de liberdades individuais em nome da guerra contra o terror.
Se é verdade que o fenômeno alcança os Estados Unidos, que portanto não estão em boa situação para ensinar democracia a ninguém, é na América Latina que o hiper-presidencialismo encontra seu terreno mais fértil. Em primeiro lugar, por razões históricas: afinal, caudilhos, líderes populistas e generais-presidentes foram freqüentes “en nuestra América”. Aqui, a personalização do poder e a relativa fraqueza do Legislativo e do Judiciário frente ao Executivo têm sido antes a regra que a exceção histórica. Em segundo lugar, por razões estruturais, isto é, a persistência de amplos contingentes da população em condições de pobreza, tornando-os suscetíveis aos apelos e benefícios do governo de plantão. Finalmente, por razões conjunturais, em particular o fato de que a recuperação das sucessivas crises da segunda metade dos anos 90 resultou, num ambiente externo favorável, na ampliação das receitas fiscais. Nas condições estruturais e institucionais da região, esses recursos financeiros adicionais se traduzem quase que diretamente em maiores recursos de poder dos presidentes eleitos.
Além da Venezuela, a presença do hiper-presidencialismo salta aos olhos na Argentina. Lá a concentração de poderes em mãos do presidente Nestor Kirchner só encontra paralelo histórico, afora as ditaduras, no primeiro governo de Perón. Legislação aprovada por um congresso subserviente lhe permite modificar a lei orçamentária, redirecionando gastos com uma simples canetada. O fenômeno está presente também no Equador e na Bolívia, embora neste país o hiper-presidencialismo esteja rapidamente cedendo lugar ao impasse político-institucional. No Brasil e na Colômbia, também é possível identificá-lo, apesar do melhor funcionamento das instituições democráticas. No nosso caso, basta ver o uso e abuso das medidas provisórias e o quase total controle do Executivo sobre a agenda do Congresso. Entre os países mais relevantes, a exceção fica por conta do Chile.
O hiper-presidencialismo compreende, em graus variados, desequilíbrios cada vez maiores nas relações entre os poderes, em favor do Executivo e em prejuízo do Legislativo e do Judiciário, utilização do Estado para fins partidários, intervenção governamental nos meios de comunicação e não raro limitações às liberdades civis e políticas. Sintoma evidente da doença é a quantidade crescente de países em que a ampliação do número permitido de reeleições tornou-se tema político de primeira ordem, obviamente por coação, indução ou sugestão dos maiores interessados.
Não bastasse a concentração de poderes, os hiper-presidentes pretendem perpetuar-se no cargo. Se não pretendem explicitamente, sentem comichões de fazê-lo. Seguem, assim, a lição de Maquiavel de que não é suficiente conquistar o poder, senão que é necessário conservá-lo e ampliá-lo, tanto quanto possível, importando apenas a eficiência dos meios para obtenção dos fins. Essa máxima é incompatível com a democracia, que supõe controles sobre o Executivo, equilíbrio na competição política, alternância no poder e ampla liberdade de organização e expressão políticas.
No passado, as democracias na América Latina morreram de morte matada. Ainda que houvesse um processo de crise interna, o desenlace classicamente assumia a forma de um golpe militar. Hoje os riscos são de uma morte mais lenta, por degeneração progressiva, mais ou menos veloz, uma morte em vida, por assim dizer, em que se preservam somente as aparências de vitalidade. O certo é que se o hiper-presidencialismo não encontrar resistência à altura, a democracia não sobreviverá para valer.
Por isso, todo repúdio é pouco à tese de permitir uma terceira reeleição sucessiva ao presidente Lula. Seria um retrocesso incalculável e aproximaria o Brasil do grupo de países latino-americanos que descem em marcha batida ou zigue-zagueando o plano inclinado do autoritarismo político e do arcaísmo econômico. O Brasil assumiria a vanguarda do atraso, quando pode exercer uma liderança capaz de pesar em favor da democracia e do desenvolvimento da região.
Fez bem o presidente Lula em negar o patrocínio dessa tese e determinar que seus auxiliares mais próximos também o fizessem, embora em todas as declarações, até aqui, o acento tenha recaído sobre a inconveniência política, mais do que sobre a questão de princípio. Assim, não nos iludamos: o repúdio da sociedade deve ser proporcional à tentação de um terceiro mandato. Proporcional e reiterado, pois ainda há tempo pela frente e a tentação é enorme para um partido que se vê sem candidato competitivo nas próximas eleições presidenciais e já deu mostras de sobra de uma grande vocação para servir-se do poder.
Ademais, não podemos nos esquecer da franca campanha que o PT e Lula vêm desencadeando para desmoralizar as instituições representativas. Primeiro como uma esperta manobra de auto-proteção contra as denúncias de corrupção, mas,creio, mais profundamente, como uma estratégia de longo prazo de desmoralização das instituições plurais da nossa democracia.
Elizabeth Balbachevsky (USP/DCP)
Os elogios lulistas ao Chávez e a defesa de legitimidade democrática de um “terceiro mandato” devem-nos alertar ainda mais para essa eventualidade. Eu já alertara de modo explícito para essa hipótese numa entrevista ao Estadão (23/1/07). Dora Kramer e Hélio Gaspari registraram o aviso mas meus colegas cientistas políticos consideraram que as chances eram pequenas por razões constitucionais, políticas … e da personalidade do próprio Lula.
O próprio Estadão produziu um editorial denominado “Tema “Descabido” (27/1/07): “Ninguém tem o direito de dividar que, até agora, são sinceros os votos de fidelidade de Lula aos principios democráticos consagrados na Constituição”. Há cerca de três semanas, a revista Época voltou ao assunto, com uma declaração minha alertando para a atuação petista em prol do terceitro mandato (junto com a de mais outros três cientistas políticos minimizando essa probabilidade). Ainda na véspera da defesa aberta do terceiro mandato feita pelo deputado Devanir (ex-sindicalista e amigos íntimo de Lula dos tempos de S.Bernardo), tive uma discussão (amigável) com Lourdes Sola e J. A. Moisés que discordavam frontalmente de mim.
Agora, se por um lado, tenho a satisfação de ver que outros estão acordando para as manobras lulistas e que finalmente não sou tão paranóico, por outro lado, no entanto, assusta-me ver que meus prognósticos, infelizmente, vão se tornando mais realizáveis. Para que eles falhem, é preciso mais do que nunca estar alerta e denunciar as manobras continuísta.
Abraços, Leôncio
Chavéz,Evo Morales e Lula são o que se conhece como “Governo de Frente Popular”, nos momentos históricos de grandes crises sociais, os “populares” sempre aparecem como uma resposta da classe burguesa dominante à insatisfação do povo, como uma espécie xarope para a tosse, que jamais poderá curar a pneumonia que sofre o povo. Na verdade é clara a semelhança do governo Lula com o governo de FHC, apenas ressaltaria um “melhoramento” nos programas sociais, chamados por Lula de programas de distribuição de renda,que na verdade servem de cabresto para lidar com a classe mais pobre, assegurando-se a compra desses votos. Bom por trás de todas as medidas Chavistas ,respressivas e ditatoriais em nome do Socialismo, está com certeza associado o interesse com as classes burguesas anteriores, através de privilégios em compras estatais, por exemplo. O engraçado é que por baixo de uma máscara que critica o imperialismo norte-americano, benzendo-se até diante da figura assustadora do “Belzebush” Chavez e seu programa socialista continuam a pagar a tão honrosa dívida externa!! É difícil!!!
Na mesma linha do artigo de Fausto, com um pouco mais de pimenta…
Realmente sobram evidencias de totalitarismo. Quem irá resgatar a razão?
João Walter Dürr
Professor – UPF
POR QUE O LULOPETISMO NÃO PODE SAIR DO PODER
19.10.2007
por Augusto de Franco
“A república dos pelegos não vai querer voltar a ganhar R$ 800 assim tão facilmente”, disse Cesar Maia, segundo a coluna da Dora Kramer hoje no Estadão. É verdade. Essa “classe” (que Reinaldo chama de “burguesia do capital alheio”) fará tudo – por vias legais ou ilegais – para não sair dos postos conquistados, as tais “trincheiras” da “guerra de posição” gramsciana; Gramsci, como sabemos, não descartava os meios violentos, senão que compreendia que, nas sociedades complexas do ocidente, seria inútil tentar tomar pela força o poder de Estado sem antes estabelecer a legitimidade desse movimento por meio da conquista da hegemonia de uma certa visão. A idéia de guerra de posição, o mais importante conceito estratégico de Gramsci (identificado ao de hegemonia: “em política, a guerra de posição é a hegemonia” – dizia ele, literalmente: esta é uma citação dos “Caderni”) foi tomado de empréstimo à ciência militar (sobretudo no que se refere à oposição entre guerra de movimento e guerra de posição, fruto da experiência da guerra de 1914-1918).
Por trás dos interesses objetivos da “classe” dos burocratas sindicais e dos apparatchiki (como se escreve o termo no plural) estão os intelectuais “orgânicos” que infestam os departamentos de sociologia e política das instituições de ensino superior, ensinando-nos que esse é o caminho para a transformação social. O termo russo apparatchik designava um funcionário profissional, full time do partido ou da administração soviética, freqüentemente aboletado em altos cargos do Estado.
Bom, mas o fato é que, como argumenta Dora antes da dar a palavra ao prefeito do Rio, “os políticos oposicionistas mais preocupados com a sucessão presidencial de 2010 – vale dizer, quase todos – divergem quanto ao caminho a ser adotado, mas todos concordam que algum plano a nação petista terá para continuar no poder depois de concluído o segundo mandato de Luiz Inácio da Silva. Aquele contingente de milhares que ascendeu social e politicamente com a eleição do presidente Lula, reza o raciocínio unânime, não vai se conformar com facilidade em voltar à planície que, em muitos casos, significa o retorno ao vale dos despossuídos. E aí, já sem o charme do diferencial “do bem” relativamente aos outros partidos. Um baque de boa monta para quem teve acesso a mares dantes nunca navegados e não dispõe de preparo, tradição e formação profissionais para, na eventualidade de derrota eleitoral, preservar o padrão adquirido nos oito anos de poder”.
Essa não é uma especulação ociosa. É um problema seriíssimo colocado para a democracia brasileira. Eles não vão abandonar facilmente o poder por quatro motivos:
a) em primeiro lugar, porque sabem que não terão outra chance como essa de avançar na tal “conquista da hegemonia” se abandonarem as importantes posições já conquistadas no aparelho de Estado e adjacências;
b) em segundo lugar porque, fora do poder, ficarão vulneráveis à investigação dos numerosos crimes que cometeram desde 2003 (e, a rigor, até antes, passando pela gestão fraudulenta de prefeituras – incluindo Santo André, onde o caso é mais grave – e de governos estaduais);
c) em terceiro lugar, porque Lula não quer mesmo sair do poder (ele é pessoalmente fixado, obcecado por isso); e,
d) em quarto lugar, então, pelos motivos já diagnosticados por Dora Kramer: os interesses materiais, objetivos, da nova “classe”.
De todo modo, pode-se dizer que o problema não é apenas que eles não queiram sair do poder (isso eles não querem mesmo), mas, principalmente, que eles não podem sair do poder. É uma questão de sobrevivência, pessoal e grupal, econômica e, sobretudo, política. Só aceitariam tal hipótese com base em um acordo amplo, que, por um lado, lhes assegurasse uma espécie de anistia prévia, uma condição de inimputabilidade (uma promessa de que seus malfeitos não seriam investigados pelo novo governo) e, por outro lado, como não podem confiar na palavra dos inimigos, lhes garantisse a manutenção de alguns “territórios” conquistados em fundos de pensão, empresas estatais, aparatos para-estatais, centrais e sindicatos, movimentos sociais e ONGs aparelhadas e abastecidas de recursos públicos suficientes para sobreviver por uns quatro anos, até a próxima eleição presidencial. Ou seja, o vencedor (da oposição) teria que negociar com o vencido (da situação) a manutenção de parte substantiva do Estado paralelo que foi construído no Brasil.
Mas para que esse acordo pudesse valer de fato seria necessário que Lula não fosse derrotado em 2010 e que continuasse como um grande líder de massas, com capacidade de convocar essas massas caso o dispositivo fosse ameaçado. Em outras palavras, o vencedor do pleito de 2010 deveria governar até 2014 monitorado de perto pelos agentes do lulopetismo e sempre sob ameaça: caso contrariasse o grande líder, teria seu governo inviabilizado por um PT fora do governo mas não totalmente fora do poder.
É difícil que um oposicionista aceite tais condições, a menos que seja um tucano. Portanto, a chave para a continuidade do processo de perversão da política e de degeneração das instituições continua, por incrível que pareça, nas mãos daquela mesma força política que salvou Lula do naufrágio em 2005 e, objetivamente, concorreu para sua reeleição em 2006.
Lula sabe que política efetiva é aquela que se faz com o adversário (para mudar o comportamento do adversário), não com o aliado. Lula sabe como ninguém manipular as deficiências “genéticas” tucanas para induzir comportamentos que lhe são favoráveis. É por isso que a linha central da atuação política de Lula é – sempre foi, pelo menos desde 2003 – com o PSDB. E é por isso que esse partido e não o PT é o grande responsável pelos retrocessos políticos que estamos vivendo no Brasil.
Ocorre que o lulopetimo usa o tucanato, dele fazendo gato e sapato, mas não confia no objeto da sua manipulação. Por isso, embora o assunto não esteja ainda resolvido no Estado-Maior do governo-partido no poder, são muito fortes as posições que prefeririam uma alternativa mais segura. As alternativas, entretanto, não são muitas:
1) eleger um petista orgânico em 2010 (tipo Wagner, Pimentel ou essa criatura oca que foi inventada para substituir Dirceu na Casa Civil, cujo gestual afetado e a encenação de eficiência burocrática lembram os de uma Zélia Cardoso de Mello da esquerda). Essa seria a melhor alternativa, mas as chances de sucesso são pequenas pois todos os postulantes são fracos e desconhecidos e teriam que ser construídos;
2) eleger um aliado que faça as vontades do petismo e fique segurando a vaga para a volta triunfal de Lula em 2014. Seria uma alternativa aceitável, se existisse um nome confiável na base aliada que tivesse voto. Lula especula com Ciro, mas nem o próprio Ciro sabe se é para “queimá-lo” (matando no nascedouro uma candidatura independente) ou para valer. Ademais, para o PT, é uma alternativa arriscada, pois trata-se, como o Brasil todo já viu, de um personagem instável, um tipo mercurial e que, ainda por cima, tem idéias próprias (e ruins) e dá a impressão de acreditar nelas;
3) alterar a Constituição para conquistar um terceiro mandato para Lula (o que só encontraria respaldo na opinião pública diante de uma grave comoção social e “produzir” tal comoção é uma operação muito arriscada, pois o efeito de tais urdiduras pode ser – e costuma ser – o inverso do pretendido);
4) convocar uma Constituinte exclusiva para fazer uma reforma política e introduzir modificações que alterem de tal modo as regras do jogo que justifiquem uma prorrogação do mandato de Lula por mais um ou dois anos (segundo alguns, essa é a melhor alternativa, que não soluciona o problema, por certo, mas ganha tempo enquanto não se encontra a solução ótima); e,
5) tentar negociar com a oposição (sobretudo com os tucanos) uma espécie de transição-interregno (com o fim da reeleição) para Lula poder voltar em 2015 (mantendo parte substantiva do aparato construído e a liderança de Lula incólume). Essa é a alternativa que já foi comentada acima.
Lula e o PT trabalham com as cinco alternativas pois não têm condições, agora, de optar por uma delas. Em contrapartida, eles sabem muito bem qual é a alternativa que não podem admitir: concorrer de modo limpo, sem falsificar ou manipular o processo eleitoral, aceitando democraticamente a derrota com todas as suas conseqüências.