Três comentários sobre o povo nas ruas

No meio de tanto que tem sido dito sobre as manifestações populares dos últimos dias, três comentários me chamaram atenção, e expressam  meu entendimento do que está ocorrendo.

O primeiro foi da economista Eliana Cardoso, ao dizer  que, se Brasília quiser mesmo responder às demandas populares, poderia começar cortando imediatamente para vinte os quarenta ministérios de hoje existem, e reduzir em 10% os salários e benefícios dos nossos “representantes” . O segundo foi do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, afirmando que o voto das ruas não pode prevalecer sobre o voto das urnas. E o terceiro foi de Bolívar Lamounier, ao descrever o romantismo que parece prevalecer no que tem sido dito por muitos que se apresentam para falar em nomes dos manifestantes.

O comentário de Eliana me parece resumir o grande fosso que hoje separa grande parte da população, sobretudo nos grandes centros urbanos, que sofre com a inflação crescente e a má qualidade dos serviços públicos, não se beneficia diretamente dos programas sociais do governo e vê com desgosto o mercado persa em que transformou grande parte da política brasileira, em que os políticos negociam abertamente votos e apoios por cargos e os corruptos mais óbvios continuam impunes e poderosos como sempre. Se o espetáculo de Brasília é lamentável, o da maioria das capitais estaduais não é melhor. Enquanto via horrorizado, pela TV, como tentavam incendiar a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, me perguntava ao mesmo tempo quanta gente, no Estado, sabe mesmo para que ela serve.

Fernando Haddad tem toda razão ao dizer a vontade de milhões, expressa nas urnas, e que dá aos governantes um mandato para tomar decisões e implementar políticas, não pode ser atropelada pelo voto das ruas, expresso por porta-vozes cuja representatividade ninguém sabe exatamente qual é. Suas propostas sobre como lidar com os transportes públicos em São Paulo contribuíram para sua eleição, e seu papel é levar estas propostas à frente, e não mudar de rumo de repente. Mas o mandato político não pode ser somente uma formalidade legal, precisa ter legitimidade, as pessoas precisam acreditar que realmente os eleitos as representam, e os protestos de centenas de milhares de pessoas nas ruas nos últimos dias mostram a grande fragilidade desta representação.

É esta falta de legitimidade que cria o caldo de cultura para o florescimento das ideologias “românticas” que parecem dar o tom de grande parte das manifestações que se ouvem de muitos de seus supostos porta-vozes, e de que nos fala Bolivar Lamounier. “Romântico”, aqui, não tem ver com amores, paixões e ódios, mas com um tipo específico de ideologia política que sonha com um passado ou um futuro, ambos utópicos, em que as pessoas vivem em comunidade, tudo é decidido e feito em comum, em harmonia entre homens e mulheres e destes com a natureza. Comparado com o mundo perfeito dos românticos, o mundo real, de instituições, leis, recursos escassos, interesses contraditórios, tudo isto é inaceitável. Eleições, parlamentos, juízes, instituições, bancos centrais, nada disto serve para nada. “Que se vayan todos!” como se dizia na Argentina em um de seus momentos mais tristes. No mundo utópico não existem limitações de recursos, os serviços públicos são perfeitos e gratuitos, não se pagam impostos, e só precisamos trabalhar naquilo que gostamos. Alguns românticos, como os velhos hippies, decidem se recolher em comunidades isoladas de paz e amor, aonde os malefícios do mundo real não entram; outros, como os antigos anarquistas, partem para a destruição deste mundo imperfeito, contra o qual tudo vale, inclusive o terrorismo.

A grande vantagem das ideologias românticas é que elas são simples e fáceis de entender; a grande desvantagem é que elas são impossíveis. Não há exemplos de sociedades organizadas conforme as ideologias românticas (as utopias, por definição, não existem), mas não faltam exemplos de sociedades em que as instituições públicas acabaram sendo destruídas e substituídas por regimes populistas, autoritários, corruptos e ineficientes, que conseguem apoio de muitos e se apresentam como representantes dos romantismos mais puros. Mas existem também exemplos de sociedades que foram capazes de reformar suas instituições públicas, fazendo com que as pessoas se sintam representadas, tenham canais adequados de expressão,  e onde a apropriação deslavada dos recursos públicos pelos políticos não seja permitida nem tolerada.

Precisamos urgentemente de governabilidade e legitimidade, e, para mim, pelo menos, a principal lição do voto das ruas é a necessidade urgente de uma reforma política que consiga produzir isto, com as inevitáveis imperfeições do mundo real.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

12 thoughts on “Três comentários sobre o povo nas ruas”

  1. Stefan, cordial e encarecidamente, devo lembrar pelos menos uns três atos de participação de empresários, e de parte do empresariado, nos movimentos e cobranças da população brasileira pelas melhorias e reformas que devemos fazer no país. No dia 20/06, deste ano letivo, os empresários do comércio de Aracaju decidiram fechar suas lojas, no início da tarde, e aderir ao movimento contra o aumentos das passagens. O próprio presidente da Federação dos Comerciários do estado de Sergipe, chamado Ronildo Almeida, se pronunciou dizendo que “os comerciários estão participando e ajudando a fortalecer essa manifestação que é um ato de cidadania. Os protestos já começaram a mudar o Brasil, algumas capitais reduziram as tarifas a exemplo de Aracaju. Quando o povo se une em torno de um projeto coletivo, o resultado é positivo.” E eles estavam requerendo ainda melhorias na saúde, educação e o fim da violência policial, da corrupção e dos desperdícios nos gastos públicos. Essa informação está veiculada no site da Prefeitura de Pedrinhas/SE, por exemplo.

    Em uma empresa digital de Florianópolis/SC, chamada AG Web +, defendeu a internet como uma forma dos manifestantes mostrarem as mobilizações em todos os cantos do país. Isso foi em 17/06 e a forma simbólica, então, era colocar uma toalha branca em residências e escritórios com o objetivo de cobrar a transparência e a ética por parte dos governantes. No caso a empresa colocou uma toalha/baner branca na página inicial do seu site. Apoiando esse movimento. Inclusive o Diretor Geral da AG Web+, Anderson Gomes, um profissional experiente e gabaritado, se pronunciou com as seguintes palavras: “A ideia é apoiar esta geração que teve a coragem de ir para a rua, lutando por um governo digno. Percebemos que as manifestações estão organizadas, merecendo apoio de todos, sejam empresários, universitários, donas de casa, etc. Não estamos apoiando nenhum partido político e sim um modelo de governo onde todos sejam respeitados, que tenha saúde, segurança e educação de qualidade”. Vc irá encontrar essa informação no site http://www.acontecendoaqui.com.br, em matéria do dia 18/06, deste ano.

    Conforme notícia veiculada na última terça-feira no blog do jornalista Edson Lima, do jornal O Diário, do estado do Paraná, ontem, dia 25/06, haveria um manifesto na cidade de Maringá, em frente a Prefeitura da cidade, a partir das 17:30h. Tratar-se-ia de um ato contra a PEC 37 e a PEC 33. Esse ato teria como parceiro o Ministério Público e os Diretores da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM) conformaram presença na mobilização. Claro, em apoio. Não houve ontem em decorrência de volumas chuvas na cidade e região.

    São somente três exemplo, distribuídos por estados e regiões do Brasil. Onde há o apoio de empresários e entidades classistas empresariais ao movimento e mobilizações em todo o país e contra a corrupção e negligência do sistema e gestão estatal em suas atribuições e objetivos com relação a sociedade. Vou destacar uma parte das palavras do dirigente da AG Web+ que ressalta a necessidade de um modelo de governo onde todos sejam respeitado, que tenha saúde, segurança e saúde de qualidade. E para isso o estado tem que fazer suas reformas requeridas pela população.

    Então essas ideias das cobranças que estão em pauta nas mobilizações cortam todas as camadas. Embora algumas estejam mais isoladas e tímidas, como no caso dos posicionamentos, mais explícitos, dos empresários e dirigentes empresariais, como um todo. Mas existe sim a participação e a manifestação a favor das mudanças da realidade atual do Brasil, por parte dos empresários e dirigentes empresariais. E estas cobranças estão muito dentro do que a população em geral está requerendo.

    O que está carecendo talvez seja uma manifestação mais coordenada e intensa, explícita e densificada, da classe empresarial como um grupo ou corpo. Porque muitas das mazelas desse país são gargalos para o desenvolvimento e crescimento das empresas e do setor empresarial. Da economia como um todo. E isso podia ser um ponto para que as associações empresariais, empresas e empresários também explicitassem suas insatisfações com a máquina estatal, a gestão pública e com a política nacional. Nos agregando a proposição de soluções! Isto pelas mudanças nas áreas de saúde, educação e segurança. Contra a corrupção, a negligencia e má gestão pública. E a favor das condições que nos são fundamentais e necessárias para que o Brasil possa competir no cenário internacional de acordo com os novos desafios do Séc XXI. Mas creio que antes, e prioritariamente, nós temos que arrumar a nossa Casa. E a participação de todos é fundamental e necessária para o país mudar e se desenvolver. Inclusive, e especialmente, dos empresários.

    Quanto especificamente a corrupção, se atacarmos esses problemas na área pública estatal, mitigamos as condições para que os agentes do setor privado se aproveite dos, ou cedam aos, mecanismos que viabilizam a corrupção e o trabalho dos corruptores. A própria classe empresarial deve saber o quanto é ruim para o funcionamento do mercado e para a boa função da competição entre empresas, os mecanismos que são voltados às facilidades que a corrupção permite existir, e da qual se aproveitam os corruptos. O foco, hoje, é contra a corrupção na máquina estatal (executivo e legislativo), mas pode se voltar contra àqueles empresário e executivos que assim atuam no setor privado, mais adiante.

    A participação que eu gostaria de ver da classe empresarial, já que a mesma dispõe de recursos técnicos, intelectuais e culturais, conhecimento e informação, e vivência, é em relação a que reformas – em detalhes na crítica, na estrutura, nos processos, nos projetos e nas soluções – deveria haver na área política. E quais prioridades e reformas mais deveriam ser engendradas na área pública estatal, e voltadas a privada, dos governos dos espaços em nível municipal, estadual e nacional.

    Deixo um abraço a Stefen. E a todos.

    É só uma singela opinião da minha parte.

  2. Neste debate sobre as manifestações, gostaria de acrescentar, como ex Presidente da Federação das industrias de Minas Gerais (mais detalhes sobre a historia da entidade no livro “Os senhores das Gerais” da Heloisa Starling ), mas orinundo do Departamento de Ciência Politica da UFMG, a pergunta: e os empresarios, pequenos,grandes, lideranças ou não, o que dizem disso?

    Na área de transporte, são os empresários privados que dominam, que fazem as tarifas e planilhas. Eles tem bancadas fortes em todas as camaras legislativas no pais e são os principais financiadores das campanhas políticas. Eles elegem prefeitos. Nunca consegui ver uma planilha ou durante meus sete anos na presidência da FIEMG e discutir com os empresários do setor como melhorar o transporte ou ver uma planilha para dar ou não apoio a suas reinvidicações.

    Não vi nenhum pronunciamento das chamadas lideranças empresarias. O movimento ou movimentos tem profundas consequências econômicas. Não só pelos prejuízos provocados pela fúria, mas pelas consequencias financeiras e econômicas no sentido tanto amplo como restrito. Enquanto seus gerentes, operários protestam, os acionistas e dirigentes das empresas acham o que? Será que estão conscientes da mudança frontal que está acontecendo?
    E mais: as acusações de corrupção estão dirigidas só ao governo, aos políticos ou também ao empresariado, parceiro inalienável da situação que se coloca perante a nação pela a maioria não mais silenciosa?

    No Brasil temos uma parcela preponderante do empresariado pertencente a classe de lumpenempresariat, pequenos,nano empresários, informais, vivendo de isenções e favores de pequena corrupção como a ex chacrete vendendo cachorro quente na mais nova novela da Globo. Eles estão agora, que tem Ministro de pequena empresa, alinhados com o governo? Provavelmente o novo Ministro faz para eles a parte do pacote de protesto na rua. A mobilidade social desta classe social é quase nula.

    Um abraço, Stefan

  3. Muitos pensavam que a questão era dos R$ 0,20 de aumento nas passagens, e pode ser até a motivação original desse movimento nacional de manifestações. Mas as pessoas estão claramente requerendo uma gestão pública limpa, honesta, clara e eficiente dos recursos públicos (pagamos impostos e queremos qualidade e volume em serviços públicos e melhorias das condições e qualidade de vida social e coletiva) e isso quer dizer respeito a sociedade e satisfação da credibilidade e expectativa, por mais débeis que na realidade essas sejam, depositadas no que há de oferta de políticos e ideologias partidárias para ocupar e liderar as funções públicas estatais executivas e legislativas. As pessoas parecem ter tomado a noção de que os impostos pagos não são só a receita do Estado, são nossos recursos e para os quais abrimos mão de 5 (cinco) meses de salários por ano para repassar ao governo estes impostos e, no caso, histórico, não nos devolvem em serviços públicos o mínimo que esses recursos, analisados de forma tecnicamente viável nas suas possibilidades e probabilidades, poderiam nos oferecer efetivamente em qualidade, volume e abrangência populacional. Queremos que o Governo trabalhe e as coisas tomem seu lugar de acordo com a ordem e integridade. E com as prioridades que satisfaçam as necessidades sociais. Porque creio que todos nós sentimos na pele. Está insuportável ver tanto desprezo, e até cinismo, dos atuais gestores públicos e demais políticos com a situação da população e do País. Enquanto muitos fazem da área pública e da política um meio de vida para interesses pessoais, particulares e de grupos. Está insuportável pagar um custo de vida da magnitude dos países mais desenvolvidos desse planeta – como no caso vem sendo veiculado nos jornais que o Brasil já supera o custo de vida dos EUA – e recebermos em troca serviços públicos, e até privados, de países cujo nível de desenvolvimento beira os pobres e desorganizados de nosso mundo. Ou seja um da cá de impostos em nível de países desenvolvidos e um toma lá de nível baixíssimo, nos piores níveis de qualidade dos países mais pobre e em desenvolvimento. Essa sensação (e como na sensação térmica é sempre maior que o real, na medida) de que pagamos um custo de vida (em escala crescente) de uma Dinamarca e recebemos uma qualidade de vida (saúde, segurança, educação e bens e serviços) beirando Haiti, Bangladesh e Ruanda (com a devida licença poética). Isso nos deixa indignados. E é para qualquer um ficar indignado mesmo.

    Tanto é verdade que o que vemos hoje são as várias camadas da sociedade – de classes trabalhistas, classes socioeconômicas, faixa etária, nível cultural e de educação, etc – misturados com uma retórica em comum que é pelas mudanças do quadro político, público, econômico e social. Em pró de serviços públicos de qualidade. Sem ainda ter chegado em um teor mais específico e quente sobre os detalhes, de forma mais pragmática, das reformas. E creio que isso irá acontecer, pois vejo que esse movimento ainda se desdobrará ao longo do tempo. Até chegar em seu ponto crítico nas próximas eleições (será de fato?).

    E por falar em classes. Quanto ao vandalismo, sou piamente contra a violência. De todos os tipos e principalmente contra a violência sorrateira, silenciosa e tácita da corrupção. Porque quem tem vivência em todas as camadas da população sabe o quanto afeta as pessoas (estou falando de gente como todos nós) a má alocação dos recursos público e a privação dos direitos do cidadão dos serviços públicos básicos. E fundamentalmente quero dizer que há muitos problemas de saúde simplesmente porque as comunidades e pessoas que vivem em bolsões de pobreza não tem acesso sequer a um adequado saneamento básico, alimentação e um trato verdadeiramente humano dos seus problemas sociais. E quando olhamos pela TV, ou ao vivo, pessoas que aderem a depredação do patrimônio público, para qualquer um que tenha sensibilidade, há de se enxergar que muitas dessas pessoas, marginalizadas ao longo da vida e talvez por gerações passadas, não tem outros recursos, frente a sua raiva e indignação, e no calor do momento, se não protestar através da bandalheira. O que quero dizer que foram tantas camadas aderindo ao movimento que chegou as camadas mais revoltadas e despreparadas, fazendo-as sucumbir nas suas próprias condições e expressas em seus sentimentos e emoções mais primitivos e levando ao confronto, saques e depredação das cidades. O que deve ser tratado pelas autoridades, claro. Mas antes de serem re-marginalizados, e até virarem os bodes expiatórios dessa história atual, aproveitando-se as instâncias políticas para desviar a atenção dos protestos e requisições mais autênticas da população, devemos entender que essa “revolta” se faz em vários níveis. Integrando da manifestação pacífica e de certa forma organizada, com a maiorias das pessoas, chegando até a população mais revoltada, carente e esquecida pelo Estado. Esta última, onde os serviços público quase não chegam, nem em quantidade nem em qualidade, encontram uma forma senão na barbárie e na destruição para expressar o que sentem. O que está em seus corações. Como um grito dos mais revoltados e desesperados que na falta da capacidade de se organizar e requerer, partem para a destruição, saques e violência. Isso ninguém procura entender, que essas pessoas podem ser o resultado dos anos e mais anos de descaso das instância públicas e da ausência das políticas públicas com relação as suas necessidades básicas e demais direitos. E talvez sejam as que mais precisam do trabalho do Estado para ser reerguerem como cidadãos, e talvez se juntar a maioria que pratica a manifestação legítima e pacífica e se incluir na sociedade.

    Não é só a reforma política que devemos engendrar no Brasil. Mas também a reforma do Judiciário. A reforma dos sistemas e aplicações penais. A reforma dos sistemas tecnocratas que viabilizam a má alocação de recursos, a má aplicação e gerência dos recursos e principalmente a corrupção. Pelo menos esses três têm que estar integrados. Mas principalmente necessitamos da reforma moral das lideranças desse país. Porque não adianta formularmos e implantarmos os melhores sistemas e políticas sem o comprometimento integro das pessoas para melhorar esses país. E isso inclui todas as camadas da população. E hoje eu enxergo e sinto, e isso ouvindo desde diretor de empresa até a profissional que limpa minha casa, que a reforma moral da sociedade civil que saiu às ruas parece ter começado. Ninguém quer ficar calado frente ao que se passa. E as ruas lotadas demonstram isso. Cabe a todos nos engajarmos e cuidarmos para que isso ocorra de forma organizada e pragmática, e principalmente democrática, saindo do discurso e do papel e impactando efetivamente na realidade e em nossas vidas.

  4. Oi Simon,
    Na minha opinião o que está acontecendo é algo muito mais próximo a maio de 68 do que a qualquer outro fenômeno. A identidade da mobilização social é o sentimento anti status quo, mas a motivação para a participação é bastante diferenciada: há o grupo de pessoas que recentemente ascenderam à sociedade de consumo, a chamada “nova classe média brasileira” que está extremamente frustrada com o baixo desempenho da economia e com a alta da inflação, o comportamento deste grupo da respaldo à “velha” teoria da revolução conhecida como “frustração-agressão”, este é o grupo que dá ao movimento o caráter de massa. Há o grupo de intelectuais e estudantes de classe média que moralmente estão indignados com os níveis de corrupção e nepotismo do nosso sistema político e,finalmente,há o grupo, também de classe média, descrente das nossas instituições políticas e burocráticas ( refiro-me ao judiciário com seus enormes salários e mordomias). Enfim esta massa altamente diferenciada em termos de motivos, emoções e interesses, se consolida no sentimento comum anti status quo.
    Abraço, Antonio Augusto P. Prates

  5. “Estava a toa na vida, o meu amor me chamou, prá ver a banda passar cantando coisas de amor”. As irrupções que provocaram mudanças a contragosto dos governantes foram aquelas não programadas ou articuladas por lideranças políticas. Collor pediu para que as pessoas saissem as ruas de branco e elas sairam de preto sem que ninguém esperasse. Os jovens que saem as ruas hoje nasceram numa classe que deu a eles acesso a um computador ligado na Internet. Compartilham diariamente as mazelas, os vídeos denunciadores, os flagrantes, as frases de encorajamento, os sites de advertências, enfim, um mundo de novidades que os pais jamais teriam condições de atualizarem no processo educacional familiar. Os pais dessa juventude ascendeu há pouco a classe média e teve medo de ir as ruas temendo perder os poucos privilégios desse status social: uma casa financiada a longos anos e juros exorbitantes, um carro usado que vive na oficina, ganhar mais de um salário mínimo que garante um mercantil por mês. Mais os filhos não tem compromisso com esse sistema. Eles podem correr atrás e vão correr. Sou privilegiada de estar vendo isso e com certeza vou fazer meu próprio cartaz e acompanhar a banda.

  6. Simone :
    Não sou da área mais vou dar o meu palpite. Este movimento atual segue o curso da interpretação weberiana, qual seja a de que as pessoas se reúnem , seguindo a lógica dos interesses.Os jovens reivindicam acesso a uma sociedade de direitos. Não querem mudar o mundo,mas querem o que nenhuma de nossas gerações obteve: transportes, educação, saúde , segurança, respeito, de qualidade, querem ainda participar; ou seja, querem uma nova agenda. O caminho institucional é muito longo. Não bastaria uma nova agenda?.Desta vez o povo aplaude a agenda proposta.
    Em tempo, os comentários e analises estão primorosos e muito instrutivos.
    Atenciosamente,
    Ana Maria de Rezende Pinto

  7. Parabenizo-lhe pelo comentário, acrescentando que a imobilidade do aparato militar em face do premente necessidades de seus comandantes agradarem à opinião pública não fortalece a democracia, como querem alguns. Pelo contrário, significa que saímos do ESTADO DE DIREITO e chegamos a barbárie. Para mil, a cena mais triste, até agora de todos esses dias, foi a polícia encurralada sendo “protegida” pelos manifestantes “pacíficos”.

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