Educação e Ciências Sociais: O Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais
Maria Clara Mariani
Publicado em Simon Schwartzman, organizador, Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro,
Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
1982, pp.167-195
Anísio Teixeira
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
A Biblioteca do CBPE
Estudos e pesquisas sociais
Estudos e pesquisas educacionais
A Lei de Diretrizes e Bases
A Universidade de Brasília
Após Anísio Teixeira
Conclusão
Em 1952, Anísio Teixeira foi empossado como diretor do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP), órgão de pesquisa do Ministério da Educação e Cultura.
Assumia o lugar de Murilo Braga de Carvalho, morto num desastre aéreo quando
se dirigia para os Estados Unidos, para representar o Brasil num Congresso de
Educação.
ANÍSIO TEIXEIRA
Anísio Teixeira era uma das figuras míticas da educação brasileira: reformador
do sistema educacional baiano no governo Góes Calmon (1924/1928), foi um dos
técnicos com quem Francisco Campos discutiu a sua reforma do ensino (1930),
Diretor de Educação do prefeito Pedro Ernesto (1931/1935), signatário do "Manifesto
dos Pioneiros" (1932), fundador da Universidade do Distrito Federal (1935),
novamente secretário da Educação na Bahia no governo Otávio Mangabeira (1946/1950).
Chegava ao INEP cercado de uma intensa expectativa. Sua imagem era a de um técnico
de competência internacionalmente reconhecida, cuja principal característica
era ser inteiramente avesso à burocracia. Nos vários cargos que ocupou deixara
sempre marca inovadora: como inspetor de ensino no governo Góes Calmon fez o
primeiro levantamento global das condições materiais e humanas das escolas baianas.
O resultado, como não podia deixar de ser, foi extremamente insatisfatório,
tendo sido constatado que, ao lado de quase total ausência de recursos, existia
uma máquina burocrática dominada pela mentalidade mais mobilista. Hermes Lima
nos informa que, já naquela época, o objetivo de Anísio Teixeira era "traçar
para a educação as diretrizes de um pensamento que colocasse o sistema de ensino
a serviço da reconstrução não apenas da instrução, mas da própria sociedade"[1].
Tinha percebido a necessidade de fugir do acidentalismo e das injunções políticas,
e partiu para uma análise concreta da situação do ensino e das condições sociais
do meio em que teria que ser organizado. Concluiu que era melhor lutar pela
melhor educação possível nas condições existentes, do que por uma educação utópica
e inatingível. A formação do professor primário (quase sempre professora) era
uma das peças chave nesse processo. Em todo o Estado da Bahia existia apenas
um Instituto Normal, o de Salvador. A quase totalidade das professoras eram
"leigas" que, se muitas vezes faziam o seu trabalho com dedicação
e honradez, não dispunham do aparato técnico considerado o mínimo indispensável
para a realização de um trabalho eficiente. Para começar a combater essa deficiência,
foram fundados em duas cidades do interior - Feira de Santana e Caetité -
novos institutos, ao mesmo tempo que o currículo se tornava mais diversificado
e mais exigente.
No fim do governo Góes Calmon, Anísio Teixeira produziu um documento a pedido
do novo governador Vital Soares, que pretendia mantê-lo no cargo, no qual enumerava
uma série de sugestões que permitiriam a reorganização progressiva do sistema
educacional baiano. Defendia principalmente uma educação diferenciada para os
centros urbanos, as pequenas comunidades rurais do recôncavo ou do sertão e
a população propriamente rural das fazendas e sítios. Insistia em que só através
da pesquisa das condições reais da vida desses grupos, do conhecimento das suas
necessidades e projetos, e de preparação de professores de boa qualidade, poderia
surgir uma rede escolar que não se limitasse ao papel formal de ensinar a ler
e contar, habilidades que, na maioria das vezes, eram perdidas por falta de
utilização. Sua colaboração ao governo Vital Soares foi curta, porque não encontrou
apoio para levar adiante seus planos e preferiu demitir-se.
A partir deste momento, até o seu retorno à administração pública, como diretor
da Educação do prefeito Pedro Ernesto, esteve nos Estados Unidos estudando administração
e filosofia de educação do Teacher’s College da Universidade de Columbia, onde
entrou em contato com o sistema educacional norte-americano. Ali descobriu Dewey
e Whitehead, e entusiasmou-se com as suas propostas. De volta ao Brasil, passou
a participar intensamente das discussões da Associação Brasileira de Educação
(ABE), defendendo o ponto de vista de que o papel do ensino era, não o de acompanhar,
mas o de preceder ou até provocar modificações que permitissem o Brasil passar
de país agrário a industrializado.
Como diretor de Educação do Distrito Federal desenvolveu um trabalho coerente
com esta linha de pensamento. É verdade que nos últimos anos, em parte graças
à pregação da ABE, aumentara a importância atribuída pelo Estado à educação:
a criação do Ministério da Educação e Saúde, um dos primeiros gestos de Getúlio
Vargas como presidente provisório depois da Revolução de 30, é sintomática.
Assim, sua tarefa era menos solitária, embora continuasse a despertar a estranheza
dos políticos. Sua preocupação inicial foi repetir o que fizera na Bahia, e
que considerava pré-requisito para qualquer tomada de atitude: fazer o levantamento
das condições materiais e funcionais do ensino oferecido nas escolas públicas.
Se na Bahia a tônica tinha sido a penúria, no Rio era a falta de uniformidade,
tanto das instalações existentes quanto da qualidade do ensino oferecido. Esforçou-se
com sucesso para reestruturar o sistema de ensino dentro da linha que viria
a ser sistematizada no Manifesto dos Pioneiros, combatendo o empirismo dominante,
ao dar um encaminhamento científico ao estudo e às soluções dos problemas educativos,
que, na sua opinião, deveriam estar não no terreno burocrático-administrativo
mas no político-social. Este objetivo só seria atingido na medida em que fosse
fortalecido o papel do Estado como educador, para torná-lo capaz de oferecer
a todos uma escola uniforme, laica, gratuita, obrigatória e mista. Nessa intenção
foram introduzidos novos métodos e técnicas pedagógicas ao mesmo tempo que se
expandia a rede escolar. Numa segunda etapa procurou atacar os pontos considerados
críticos a partir do levantamento feito: a inoperância e a repetência. A estratégia
adotada foi mais uma vez tentar melhorar a formação dos professores. Para isso
foi criado o "Instituto de Educação", que seria uma Escola Normal
modelo. O projeto previa a existência, além da Escola de Professores, de Jardim
de Infância, Escola Primária e Secundária, que funcionariam como laboratórios
para novas técnicas e Escolas de Aplicação para os alunos do Curso Normal. Em
1935 a Escola de Professores foi incorporada à Universidade do Distrito Federal,
e passou a chamar-se "Escola de Educação". Foi a primeira vez que
se fez no Brasil a formação de professores primários a nível universitário.
Ao lado da Escola de Educação funcionava um Instituto de Pesquisas Educacionais,
dirigido por Delgado de Carvalho, primeiro passo para desenvolver o hábito do
debate e dos estudos coletivos entre os educadores.
Esse trabalho de expansão e melhoramento da rede de ensino oficial desencadeou
uma série de críticas contra Anísio Teixeira, provenientes principalmente do
clero e da liderança católica leiga. O Manifesto dos Pioneiros foi uma resposta
da comunidade dos educadores a esses ataques, que continuaram durante todo o
período em que Anísio esteve à frente da Secretaria. Com a criação da Universidade
do Distrito Federal, em 1935, organizada fora dos padrões tradicionais, somou-se
a hostilidade dos integralistas à dos católicos, As acusações se tornaram mais
precisas - aos argumentos técnicos juntaram-se os ideológicos - e a universidade
foi classificada de esquerdista. Com o agravamento dos conflitos políticos,
Pedro Ernesto viu-se impossibilitado de continuar a dar cobertura ao trabalho
desenvolvido por Anísio Teixeira, que voltou para a Bahia, onde passou a desenvolver
atividades privadas, fora da área de educação.
Em 1947, foi novamente chamado à administração pública, como secretário da Educação
de Otávio Mangabeira. Encontrando-se na mesma situação de 1924, foi necessário
reiniciar a luta para tirar a educação das mãos do partidarismo, da improvisação
e da descontinuidade, dando-lhe um tratamento administrativo mais isento e mais
objetivo. Desse período o que ficou de mais importante foi a elaboração da Lei
Orgânica de Educação e Cultura do Estado e o projeto para os centros experimentais
de educação. Esses centros teriam sempre Jardim de Infância, Escola Elementar
Modelo, Escola Normal, Escola Secundária, Parque Escolar, Centro Social de Cultura
e internatos para as crianças que não tivessem família. Por absoluta falta de
recursos a idéia não chegou a ser posta em prática, a não ser no caso do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, que veio a ser a Escola Experimental
do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do INEP (não confundir com a Escola
de Aplicação do CBPE/Bahia). Seu objetivo seria provar a eficácia da educação
como fator de transformação social - o filho do lavrador ou o filho do operário,
atendido satisfatoriamente nas suas necessidades culturais e físicas, graças
a professores especialmente treinados, dieta adequada e assistência médica,
poderia render tanto ou mais quanto o filho de uma família abastada. Era a possibilidade
de escapar da longa prática de discriminação econômica e social em vigor no
Brasil, e permitir o surgimento de lideranças fora dos grupos oligárquicos tradicionais.
A constituição das elites deixaria de estar baseada no "direito de nascença"
para ser o resultado do desenvolvimento de aptidões naturais de determinados
indivíduos especialmente capacitados para determinadas tarefas. Ao mesmo tempo,
através da transmissão de hábitos, atitudes e aspirações, a escola iria preparando
a criança para a civilização técnica e industrial que o Brasil se propunha a
construir.
Com o fim do governo Mangabeira, Anísio Teixeira veio para o Rio dirigir, a
convite de Ernesto Simões Filho, ministro da Educação de Vargas, a Capes - Comissão
(depois Coordenação) de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior. A Capes
fora idealizada pelo economista baiano Rômulo de Almeida, e tinha como objetivo
desenvolver mecanismos que permitissem formar, no mais curto espaço de tempo,
os quadros necessários para o programa de desenvolvimento econômico pensado
pela equipe que cercava o presidente Vargas. Procurou-se melhorar a qualidade
dos docentes universitários através da concessão de bolsas no exterior ou em
centros brasileiros considerados de qualidade excepcional. Foram feitos também
levantamentos, pesquisa e documentação a respeito das condições do ensino superior
brasileiro. Nesse momento, com a morte de Murilo Braga de Carvalho, Anísio Teixeira
passou a dirigir o INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do MEC,
hoje denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, mas
conservando a mesma sigla.
O INSTITUTO NACIONAL DE
ESTUDOS PEDAGÓGICOS
Criado em 15/01/1937, na gestão de Gustavo Capanema no Ministério da Educação
e Saúde, com o nome de Instituto Nacional de Pedagogia, pela Lei no. 378, destinava-se
a realizar pesquisas sobre os problemas de ensino, nos seus diferentes aspectos,
atribuição até então do Departamento Nacional de Educação. Mas só em 1938, com
o Decreto-Lei no. 580, suas atribuições foram melhor definidas e, com a nova
denominação de "Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos" passou
a ter existência real. Idealizado por Lourenço Filho, educador também ligado
à ABE e ao movimento da Escola Nova, que realizara como inspetor-geral
de ensino no Ceará reformas tão importantes quanto as de Anísio Teixeira na
Bahia, tinha como atribuições:
"a) organizar documentação relativa à história e ao estudo atual das doutrinas
e das técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições
educativas; b) manter o intercâmbio, em matéria de pedagogia, com as instituições
educacionais do país e do estrangeiro; c) promover inquéritos e pesquisas sobre
todos os problemas atinentes às instituições educacionais do pais e do estrangeiro;
d) promover investigação no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como
relativamente ao problema de orientação e seleção profissional; e) prestar assistência
técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação, ministrando-lhes,
mediante consulta ou independentemente desta, esclarecimentos e soluções sobre
os problemas pedagógicos; f) divulgar pelos diferentes processos de difusão,
os conhecimentos relativos à teoria e á prática pedagógica"
Cabia também ao INEP cooperar com o Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP) "por meio de estudos ou quaisquer providências executivas, nos trabalhos
atinentes à seleção, aperfeiçoamento e readaptação do funcionalismo público
da União.
O INEP começou a funcionar com uma pequena equipe: Lourenço Filho e três técnicos
em educação. No ano seguinte, 1939, seu quadro foi ampliado, organizaram-se
diversas seções e definiram-se funções. Passou então a ter seis seções: Documentação,
Inquéritos e Pesquisas, Psicologia, Orientação e Seleção Profissional, Biometria
Médica, Biblioteca Pedagógica. A ênfase na psicologia explica-se pela formação
de Lourenço Filho. A existência das seções de Orientação e Seleção Profissional
e Biometria Médica estava ligada às funções de cooperação com o DASP.
O programa, como se pode ver, era ambicioso, mas a sua realização era dificultada
por dois obstáculos dificilmente contornáveis, não só na época em que foi concebido
como no correr da sua vida: a falta de pessoal especializado e as rígidas normas
do funcionalismo público.
Segundo Elza Rodrigues Martins, funcionária do INEP, desde 1947 e diretora do
CBPE de 1969 a 1975, um dos principais problemas do instituto, como órgão de
estudos e pesquisas, foi a dificuldade de recrutar pessoal especializado. Pelas
normas do DASP, o desempenho das funções especificas do INEP deveria ser entregue
aos "técnicos de educação". Mas o que era um técnico de educação?
Nunca ficou muito claro. A indicação ainda imprecisa está no regulamento do
Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia da antiga Universidade do Brasil,
que diz que aquele curso se destina também a formar técnicos de educação para
os quadros profissionais do Ministério da Educação e Saúde. Assim, o quadro
do INEP, um órgão de estudos e pesquisas, foi preenchido na maioria por pessoas
cuja principal qualificação era a de terem feito o Curso de Pedagogia - a mesma
exigência feita para um funcionário cuja tarefa fosse fiscalizar burocraticamente
instituições de ensino em qualquer dos seus níveis, ou o registro de diploma.
É sabido que o Curso de Pedagogia não ministrava aos seus alunos formação técnica
ou metodológica que lhes permitisse atuar na área de pesquisa. Não é difícil
concluir que o INEP nasceu com uma grande pretensão com relação às funções que
deveria desempenhar, sem que a essas funções correspondesse uma formação de
pessoal adequado.
É possível que essa limitação inicial tenha definido o rumo que o INEP tomou.
A administração Lourenço Filho (1938/1945) realizou, além do trabalho de implantação
do órgão, a organização de uma biblioteca pedagógica, de um serviço de documentação
da legislação educacional brasileira, e a criação da Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos em 1941, que divulgava não só os estudos e pesquisas
feitos no instituto como o pensamento pedagógico internacional, alguns estudos
e pesquisas importantes para o conhecimento da educação no Brasil. Foram realizados
inquéritos anuais sobre vários aspectos da administração dos serviços de educação
em geral e da organização do ensino público; estudos sobre a organização do
ensino primário e normal nos estados; coleta sistemática de documentação sobre
educação contemporânea e histórica (organizaram-se os originais de A Instrução
e A República, de 1889 a 1930); estudo sistematizado do conteúdo de jornais
e revistas ligados à educação, com o objetivo de seguir a evolução do pensamento
no país; levantamento da bibliografia pedagógica desde 1808; publicações técnicas
para serem distribuídas às instituições ligadas à educação. E, na verdade, grande
parte do quadro do INEP dedicou-se não à pesquisa, mas aos estudos relativos
á instituição de um "Fundo Nacional do Ensino Primário" que deveria
estabelecer a origem dos seus recursos e os critérios para a sua aplicação.
Em 1945, com o fim do Estado Novo, Lourenço Filho foi substituído por Murilo
Braga de Carvalho. Essa administração estendeu-se até 1952, e nesse período
o INEP praticamente perdeu o seu caráter de instituto de pesquisas: continuaram
apenas alguns serviços de documentação ligados à legislação e publicaram-se
catálogos sobre as oportunidades de educação existentes no país. As razões foram
várias: a principal talvez tenha sido a extinção da Diretoria do Ensino Primário
e Normal, e a passagem das suas atribuições para o INEP, que, junto com a administração
dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário, passou a ocupar a quase totalidade
da atenção do instituto: a tarefa de construir escolas em zonas rurais, nas
fronteiras e nas áreas de colonização estrangeira, levaram à necessidade de
estudos a respeito do melhor tipo de prédio para grupos escolares, escolas isoladas,
escolas normais. Da função de administrador do Fundo Nacional do Ensino Primário
surgiu um novo setor, o de Aperfeiçoamento do Magistério, que oferecia cursos
de especialização no Distrito Federal, para professoras primárias do interior,
em regime de bolsas de estudo.
Em 1952 tomou posse Anísio Teixeira. Sua principal preocupação foi a de dinamizar
o INEP, transformá-lo num órgão capaz de dar "à política educacional do Ministério
da Educação e Cultura (o Ministério da Educação e Saúde tinha sido desdobrado,
no governo Vargas, em Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Saúde)
a base de estudos e pesquisas necessária à um realismo operante de meios e a uma
inteligência esclarecida de fins e propósitos."
"As funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar
amplitude maior, buscando tornar-se, tanto quanto possível, o centro de inspiração
do magistério nacional, para a formação daquela consciência educacional comum
que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e orientar a escola brasileira.
Os estudos do INEP deverão ajudar a eclosão desse movimento da consciência nacional
indispensável à reconstrução escolar"[2].
Segundo Darcy Ribeiro[3], "Anísio
Teixeira, quando assumiu a direção do INEP em 1952, tinha a completa percepção
de que a educação, tanto quanto a saúde, necessita de pesquisas, estudos; necessita
que gente de melhor qualidade se dedique a pensar nos problemas da educação.
Tanto que tinha o sentimento físico do fracasso do governo brasileiro na tarefa
de educar elementarmente a sua população. Ele se inquietava com isso. Queria
saber o porquê do fracasso, ou se não seria fracasso, mas intenção. Ainda que
não fosse uma intenção explícita. A elite brasileira, formada numa sociedade
escravista, tinha a tendência de pensar em povo como carvão para queimar e não
pessoas para serem educadas,."
O quadro de funcionários do INEP não tinha condições de cumprir essa nova tarefa.
Nos últimos anos, sua ampliação se fizera em detrimento da qualidade, e muitas
pessoas que tinham entrado como interinos, sem terem ao menos o já ineficiente
Curso de Pedagogia, tinham sido efetivadas, impedindo a contratação através
de concurso de técnicos melhor qualificados. Anísio Teixeira propôs, como forma
de contornar o problema, a criação de duas campanhas: a "Campanha Extraordinária
de Educação" e a "Campanha do Livro Didático e Materiais de Ensino".
A primeira deveria, através de acordos, contratos e convênios com especialistas,
organizações técnicas e de ensino, fazer, em todos os estados da Federação,
o levantamento da situação dos diversos ramos e níveis do ensino. A segunda
deveria estabelecer as bases para a elaboração de manuais que servissem como
guias para o professorado secundário, até então habituado a um ensino verbalista
e na maioria das vezes inócuo. Os novos manuais deveriam servir de base para
uma transformação radical do ensino médio, e por isso deveriam ser elaborados
por profissionais de competência indiscutível, indicados pela comunidade dos
educadores secundários.
Em 1953 a idéia foi aprovada e surgiram a "Campanha de Inquéritos e Levantamentos
do Ensino Médio e Elementar" (Cileme) e a "Campanha do Livro Didático
e Material de Ensino" (Caldeme). Ambas definiram seus programas através
de seminários que reuniram os principais técnicos de educação do pais. O programa
da Cileme pretendia cobrir os aspectos gerais da educação média e elementar
(levantamento rápido, precedido da reunião da documentação existente, e destinado
a um contato com a situação real do ensino em todo o pais); os sistemas estaduais
da educação (especialmente quanto à organização administrativa e técnica); o
aluno do curso médio (suas condições sociais, capacidade, ideais, dificuldades
e conflitos); o professor do curso médio (suas condições sócio-econômicas, formação,
capacidade, condições de trabalho e eficiência); a escola de grau médio (visando
especialmente à organização de escolas para a sua classificação sob o ponto
de vista da eficiência geral).
A Caldeme, por sua vez, contratou oito técnicos com o objetivo de produzir manuais
relativos a diferentes matérias e iniciar uma coleção que englobasse toda a
bibliografia disponível sobre ensino, princípios e métodos educacionais. A
grande novidade do programa pensado para a Cileme foi pretender não acumular
dados, que já existiam, mas utilizá-los de maneira inovadora. Assim, a escola
deveria ser abordada não só pelo seu aspecto material e estatístico, mas nos
seus objetivos reais e no seu funcionamento. O enfoque deixou de ser quantitativo
para ser qualitativo. Perguntava-se basicamente: o que representa a escola para
os alunos que a procuram? Quais são os objetivos transcendentes aos dispositivos
legais de ordem geral que se propõe alcançar? Com que eficiência atinge esses
objetivos e de que modo atende aos ideais daqueles que a procuram? Quais as
causas essenciais das falhas que apresenta neste ou naquele setor? De que modo
poder-se-á contribuir para atenuar ou remover essas falhas?
A seleção não foi fácil: procurou-se encontrar pessoas que, além de competentes
tivessem uma tal convicção a respeito dos inconvenientes do ensino verbalista
que as levasse à elaboração dos manuais, em detrimento das suas atividades profissionais.
Aceitaram o desafio alguns professores cujos nomes é importante que fiquem registrados:
zoologia: Paulo Sawaya (da USP); botânica: Karl Arens (da FNF); biologia geral:
Oswaldo Frota Pessoa (da FNF); português: Mário de Souza Lima (da USP); francês:
Raymond Van Der Haegen (da Universidade da Bahia); história geral: Carlos Delgado
de Carvalho (FNF); história do Brasil: Américo Jacobina Lacombe (PUC/Rio); química:
Warner Gustav Krauledas (FNF).
Tanto a Cileme quanto a Caldeme tiveram um papel importante no processo de dinamização
do INEP concebido por Anísio Teixeira. Foram mecanismos que, embora transitórios,
permitiram que fossem contornadas dificuldades de pessoal e de verbas, e foi
introduzida uma filosofia de trabalho até então inexistente. Porque, como relata
Elza Rodrigues Martins[4]:
"A discussão a respeito de uma filosofia da educação só se fez a partir
de Anísio Teixeira. Dentro da faculdade - eu era do INEP e da antiga Nacional
de Filosofia - sentia que nunca houve a preocupação de estabelecer pressupostos
para uma educação brasileira, que por sua vez estava muito presa à filosofia
geral do governo. Com Anísio Teixeira, a consciência da necessidade de traçar
uma filosofia para a educação brasileira ficou muito viva. Nas faculdades padecíamos
de todo o mal que caracterizava e ainda caracteriza o ensino superior brasileiro.
Tínhamos um Curso de Pedagogia com disciplinas que se superpunham sem qualquer
consciência de departamentalização, sem qualquer presença de uma consciência
crítica a respeito da educação brasileira. No INEP essa consciência existia,
a de que só através do conhecimento, do levantamento, e do diagnóstico de uma
situação é que nós poderíamos encontrar uma solução. Não sentia essa preocupação
nem condições para que tal propósito viesse a existir na Faculdade de Filosofia,
pelo menos na do Rio de Janeiro. Porque essa é uma programação muito difícil,
em termos de pessoal e de recursos, e a nossa Faculdade de Filosofia era formada
por cerca de 20 cursos diferentes, nenhum deles com condições de promover pesquisas".
"No INEP, por sua vez, se existia a preocupação, não havia a possibilidade
de fazer pesquisa em ampla extensão. As dificuldades de pessoal e verbas eram
enormes. Algumas vezes foram contornadas com a criação de mecanismos que, embora
transitórios, permitiram ao órgão outra perspectiva no tocante a pessoal, a
material, a recursos. A administração Anísio Teixeira foi uma época de criação
de campanhas, comissões, como a Caldeme e a Cileme, para o aperfeiçoamento do
magistério elementar, entre outras funções. Essas comissões permitiam a vinda
de pessoal para a assessoria, inclusive do estrangeiro, proporcionando uma autonomia
que era impossível com os recursos habituais do serviço público, onde predominava
a hegemonia dos setores meio sobre os serviços fins. Anísio Teixeira foi o grande
construtor de uma nova filosofia de trabalho em um órgão técnico como o INEP".
Com relação ao que foi produzido, tanto a Cileme quanto a Caldeme podem ser
consideradas campanhas bem sucedidas. Numa época em que havia pouca sistematização
a respeito da educação, contribuíram para o conhecimento de problemas e encaminhamento
de soluções. A Cileme publicou dez livros e cerca de trinta estudos na sua área,
e a Caldeme, além de reunir mais de dez volumes sobre o ensino, princípios e
métodos educacionais, iniciativa sem precedentes no Brasil, elaborou oito manuais
para o ensino secundário.
Em fins de 1953 iniciou-se a organização do Centro de Documentação Pedagógica,
contando com sugestões feitas pelo técnico da Unesco, Herbert Coblans, cuja
organização foi confiada a Zunes de Menezes Dória. O centro deveria sistematizar
os trabalhos desenvolvidos pelas duas campanhas e por outros setores do INEP,
garantindo a documentação e divulgação dos resultados obtidos, Na mesma época
foi criada a Biblioteca Brasileira de Educação, de periodicidade semestral,
continuando o trabalho iniciado por Lourenço Filho.
O CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
Os planos de Anísio Teixeira eram ainda mais ambiciosos. Do seu ponto de vista
era impossível estudar a educação brasileira e seus problemas sem levar em conta
a realidade nacional. Para isso era necessário montar uma estrutura ainda inexistente
no Brasil. Aproveitando seu bom relacionamento com os técnicos da Unesco, conseguiu
com Wilhem Beatty, diretor do Departamento de Educação daquele órgão, que vinha
ao Brasil estudar as possibilidades de instalação no Brasil de um Centro Latino-Americano
de preparação de educadores rurais e especialistas em educação de base, que
a Unesco co-patrocinasse um grande survey sobre a situação educacional
brasileira, Esse survey deveria fornecer informações a partir das quais
fosse possível planejar, em todos os níveis e graus de ensino, medidas de grande
alcance visando à reconstrução educacional do país.
A idéia cresceu, e em agosto de 1953, Charles Wagley e Carl Withers, técnicos
da Unesco, redigiram um relatório com sugestões sobre a organização e finalidades
do levantamento planejado.
Em 1954, o projeto que vinha sendo intensamente discutido por educadores brasileiros
e técnicos da Unesco, começou a tomar contornos mais nítidos. Não se pensava
mais num survey mas numa instituição permanente que permitisse a realização
de estudos sobre a educação no Brasil em bases sólidas. A Unesco tinha no projeto
um interesse especial: funcionaria como um laboratório para toda a América Latina.
Seria o "Centro de Altos Estudos Educacionais", que deveria, segundo
o documento produzido por Anísio Teixeira, ter como objetivos:
"A - A pesquisa das condições culturais do Brasil em suas diversas regiões,
das tendências de desenvolvimento e de regressão e das origens dessas condições
e forças - visando a uma interpretação regional do país tão exata e tão dinâmica
quanto possível.
A' - A formulação de uma política institucional, especialmente de referência
à educação, capaz de orientar aquelas condições e tendências no sentido de desenvolvimento
desejável de cada região do pais.
B - A pesquisa das condições escolares do Brasil, em suas diversas regiões,
por meio do levantamento dos seus recursos em administração, aparelhamento,
professores, métodos e conteúdo de ensino, visando apurar até quanto a escola
está satisfazendo as suas funções em uma sociedade em mudança para o tipo urbano
e industrial de civilização democrática, e até quando está dificultando essa
mudança, com a manutenção dos objetivos apenas alargados da sociedade em desaparecimento.
C - À luz da política institucional formulada pela pesquisa antropo-social
e das verificações da pesquisa educacional: 1) elaborar planos, recomendações
e sugestões para a reconstrução educacional de cada região do país, no nível
primário, rural e urbano, secundário e normal, superior e de educação de adultos;
2) elaborar, baseados nos fatos apurados e inspirados na política adotada, livros
de texto de administração escolar, de construção de currículo, de psicologia
educacional, de filosofia da educação, de medidas escolares, de preparo de mestres,
etc.
D - Conjuntamente com esse trabalho de pesquisa, interpretação e elaboração de
material pedagógico e, por meio dele, o centro treinará administradores e especialistas
em educação para lotar os Centros Regionais de Estudos Pedagógicos que estão sendo
criados nos estados, ligados ao master-center do Rio de Janeiro, e, se possível,
os próprios departamentos de educação das Escolas de Filosofia das universidades
brasileiras".
Foi a partir desse documento, que já registra a preocupação de Anísio Teixeira
com a formação de quadros para enfrentar adequadamente o problema da educação
no Brasil, que foram recrutados os membros da equipe que seria enviada pela Unesco.
Bertran Hutchinson, sociólogo britânico, e Oto Klinemberg foram os primeiros a
vir, atendendo à convocação de Anísio Teixeira, com quem já tinham trabalhado
em outras oportunidades. Oto Klinemberg foi quem propôs, em bases mais concretas.
no que ficou conhecido como "Documento Klinemberg", um esquema dos objetivos
e da organização do centro. Foi ele também que sugeriu a mudança do nome "Centro
de Altos Estudos Educacionais" para "Centro de Pesquisas Educacionais".
O "Documento Klinemberg" conjunto de cinco memorandos foi a tentativa
de sistematizar num esquema concreto e operativo tudo o que o grupo de técnicos
brasileiros e da Unesco vinha discutindo há mais de dois anos. A tônica do documento
é a urgência do conhecimento "das necessidades e exigências do povo brasileiro.
nos vários níveis sociais, econômicos e educacionais, e nas várias regiões geográficas".
Preocupa-se também com o problema da divulgação dos resultados dos estudos e
pesquisas do centro: "Uma das principais tarefas do centro será a de comunicar
aos professores de todo o pais os resultados de pesquisas importantes em ciências
sociais, relativas ao passado e ao presente. O material concernente ao Brasil
em geral e às suas regiões deverá ser organizado de modo a poder ser utilizado
pelos professores, que poderão assim obter, sem dificuldades, informações relativas
a zona em que servem".
Klinemberg sugere as vantagens que adviriam de um trabalho sério de pesquisa
e divulgação:
1) conhecimento mais profundo da vida e da cultura do Brasil; de fato, provavelmente,
melhor conhecimento da cultura do Brasil do que qualquer outro pais; 2) maior
contato entre os estudiosos brasileiros e os educadores e especialistas em ciências
sociais de outros países; 3) melhoramento dos métodos de pesquisa e preparação
dos educadores e especialistas brasileiros em ciências sociais; 4) comunicação
aos professores de todo o pais de melhor conhecimento da cultura do Brasil em
geral, assim como de regiões específicas; 5) desenvolvimento em novas direções
da aplicação das ciências sociais aos problemas educacionais; 6) estabelecimento
de um padrão para o melhoramento de um sistema educacional, que pode ter aplicação
em outros sistemas além do Brasil, e a criação de um modelo que poderá efetuar
contato mais íntimo e proveitoso entre a educação e as ciências sociais."
Num momento em que as ciências sociais no Brasil, com exceção da Universidade
de São Paulo, não tinham um locus institucional onde pudessem se desenvolver,
não apenas como disciplinas acadêmicas mas como instrumento de compreensão e
modificação do real, o projeto da criação do CBPE vinha preencher essa lacuna,
e acenar com possibilidades até então impensáveis. Klinemberg demonstra estar
consciente das dificuldades que deveriam ser enfrentadas.
"Isso, a nosso ver, constitui um programa que se pode aspirar para o centro.
Até onde ele poderá ser realizado, dependerá dos recursos disponíveis e do pessoal".
Sugere portanto que se obtenha a melhor categoria possível de pessoal, tanto
brasileiro como estrangeiro, e admiti-lo sempre que possível em tempo integral.
Fugindo do velho modelo brasileiro dos "bicos", em que o pesquisador
se vê obrigado a pulverizar a sua atenção, trabalhando em vários lugares para
somar um salário que lhe permita viver, essa equipe coesa deveria, em regime
de dedicação exclusiva, desenvolver não pesquisas isoladas, mas um trabalho
integrado e coordenado, fugindo do individualismo.
Klinemberg voltou para a Unesco e pouco depois chegou Charles Wagley da Universidade
de Columbia, que já colaborara com Anísio Teixeira na organização da Capes.
Ele e J. Roberto Moreira iniciaram a fase de implantação do CBPE: instalação
na nova sede, planejamento das primeiras pesquisas, organização dos serviços
administrativos e bibliotecas e, finalmente, o recrutamento dos primeiros cientistas
que iriam colaborar com o centro.
Qual o critério que presidiu essa escolha? Voltando ao depoimento de Darcy Ribeiro:
"Um dos problemas da educação é que é muito difícil atrair gente inteligente
para se ocupar com problemas de criança da escola primária, ou do jovem da Escola
Normal ,." "Quando Anísio criou o CBPE, seu objetivo era ter um comando
fora do Ministério dedicado aos problemas da educação e vinculado à universidade,
à intelectualidade e também ao magistério. Foi a tentativa de interessar a intelectualidade
brasileira nos problemas da educação, coisa que não tinha acontecido até então.
A intenção era dar à educação o mesmo interesse, o mesmo critério de orientação
científica que se dá à medicina, e também fazer com que a universidade, que
havia incorporado por causa da tradição francesa a problemática da saúde, incorporasse
a problemática da educação. Nas universidades o que havia com relação à educação
era uma neblina pedagógica: os cursos de didática, de pedagogia, eram cursos
frouxos, não eram nada. A intenção de Anísio era subverter isso ,." "O
CBPE deveria estar articulado aos centros regionais que deveriam ter sempre
uma grande biblioteca e uma escola experimental que deveriam articular-se com
a intelectualidade local, para fazer o encontro dos educadores com os intelectuais
e do ministério com a universidade. Pretendia-se promover pesquisas que permitissem
fazer um diagnóstico da situação da educação, estudos sociais e culturais, e
experimentação educacional para criar modelos de escolas multiplicáveis para
quando o Brasil quisesse dar uma sadia ao problema da educação, e criar material
didático".
Numa das primeiras reuniões do período de organização em 18/08/1955, estiveram
reunidos educadores e cientistas sociais que responderam ao apelo de Anísio
Teixeira: Fernando de Azevedo, Almeida Junior. J. Roberto Moreira, Charles Wagley,
Mário de Brito, Jaime Abreu, Luis de Castro Faria, Antônio Cândido de Mello
e Souza, José Bonifácio Rodrigues, Lourival Gomes Machado, Bertran Hutchinson,
Florestan Fernandes, Egon Schaden. L. A, Costa Pinto e Henri Laurentie, este
representante da assistência técnica da ONU. Mais uma vez foi enfatizada a necessidade
de estabelecer urna intensa colaboração entre educadores e cientistas sociais,
entre especialistas do Rio e de São Paulo e de outros núcleos estaduais, e entre
especialistas estrangeiros visitantes e técnicos brasileiros.
Elza Nascimento Alves, que acompanhou o processo de gestação do CBPE, assinala
que
"Antes da criação do CBPE passaram-se meses de discussão. Discussão de
elaboração. Procurava-se dar um sentido novo à área da educação, que era muito
isolada. Pretendia-se chegar a um quadro que não tivesse um caráter apenas pedagógico
ou psicológico. Porque até então a educação estava ligada apenas à psicologia.
No INEP, principalmente, porque Lourenço Filho era psicólogo e toda a ênfase
da sua administração foi em educação e psicologia, toda a pesquisa feita foi
de caráter psicológico ou pedagógico. Anísio Teixeira veio com uma concepção
mais ampla. Queria unir educação e ciência social. Para se chegar a um esquema
organizacional, conceitual, de como essas duas coisas poderiam trabalhar juntas,
e de como a educação necessitava de conhecimento sobre o contexto social para
ser realmente autêntica, adequada ao país. A discussão levou muito tempo, porque
se tinha que elaborar uma coisa completamente nova.
Os primeiros estudos já estavam sendo feitos quando o centro foi oficialmente
instituído em 28/12/1955, pelo Decreto nº 38.460.
Eram os seguintes: análise sobre o que os estudos de comunidade já efetuados
no Brasil esclarecem a respeito do processo educativo nas comunidades estudadas,
por Josideth Gomes; estudo sobre estratificação social no Brasil, e levantamento
de bibliografia nacional de interesse sobre o assunto, por L, A. Costa Pinto
e Valdomiro Bazzarella; aproveitamento de questionários anteriormente preenchidos
sobre uma amostra de estabelecimentos de ensino no Estado do Rio de Janeiro,
por J. Bonifácio Rodrigues; estudo sobre o funcionamento de cinco escolas primárias
em Blumenau, por Orlando Ferreira de Melo; estudos sobre mobilidade social em
São Paulo, por Bertran Hutchinson; estudo sobre assimilação de imigrantes italianos
em São Paulo, e pequeno survey sobre as manifestações de fanatismo religioso
em Malacacheta, por Carlos Castaldi; estudo sobre relações étnicas ao sul do
Brasil, por Florestan Fernandes, entre outros.
Ao decreto de criação do centro está acoplado o "Plano de Organização do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e Centros Regionais" dividido
em quatro temas: fins e objetivos, organização geral, atribuições da direção
do programa, do pessoal e suas atribuições.
Esse plano é um documento extremamente bem feito e meticuloso, que descreve
uma organização que pode ser pensada como "perfeita". Seus objetivos
são ambiciosos mas não irreais. Ele pretendia, basicamente, promover a pesquisa
das condições culturais e escolares e das tendências de desenvolvimento de cada
região e da sociedade brasileira como um todo, tendo em vista a elaboração gradual
de uma política educacional para o país; elaborar planos, recomendações e sugestões
para a revisão e a reconstrução educacional do país em cada região nos níveis
primário, médio e superior, e no setor de educação de adultos; elaborar livros-fonte
e de textos, preparo de material de ensino, estudos especiais sobre administração
escolar, currículos, psicologia educacional, filosofia de educação, medidas
escolares e de qualquer outro material que concorra para o aperfeiçoamento do
magistério nacional; treinar e aperfeiçoar administradores escolares, orientadores
educacionais, especialistas de educação e professores de escolas normais e primárias.
Para atingir essas metas seriam adotadas as seguintes normas: análise do processo
de desenvolvimento que vem afetando a sociedade brasileira como um todo, embora
com intensidade variável nas diferentes regiões do país; contribuição dos estudiosos
de educação e ciências sociais para estabelecer as diretrizes de uma política
educacional; consideração das relações dinâmicas entre educação e sociedade
que vão ser analisadas como processo; a educação deve ser encarada como um dos
fatores que podem acelerar, corrigir ou equilibrar o desenvolvimento da sociedade
brasileira. Nesse sentido a escola deve ser uma agência de transmissão do patrimônio
cultural nacional a todos os brasileiros; a pesquisa em ciências sociais, realizada
dentro do centro, deve subordinar-se em principio aos interesses e objetivos
da ação educacional; a pesquisa em ciências sociais deve ser explorada amplamente,
para que seja possível obter conhecimentos positivos sobre as condições de existência
e as exigências de desenvolvimento econômico social e cultural das diversas
regiões do pais; os resultados da pesquisa em ciências sociais e da pesquisa
educacional servirão para elaborar os fundamentos da política educacional, ou
de orientação para reformas específicas, ou programas restritos de alteração
do sistema educacional; o estudo de organização da escola, nos diversos níveis,
se fará tendo em vista ajustá-lo às descobertas da investigação científica e
às necessidades do meio social ambiente.
Como funcionou o CBPE na prática?
O primeiro problema que teve que ser enfrentado por Anísio Teixeira e sua equipe
foi a oposição existente dentro do próprio INEP. Alguns técnicos satisfeitos,
ou pelo menos não insatisfeitos, com o regime que vigorava, opuseram-se frontalmente
à criação do CBPE, afirmando que a nova estrutura iria apenas reproduzir o INEP,
critica que não deixava de ser justa, porque formalmente isso acontecia. Mas,
mais uma vez utilizando o testemunho de Darcy Ribeiro:
"A idéia de Anísio Teixeira era criar algo exatamente para complementar
o INEP, que exercia funções que tinham que continuar. Até então, em detrimento
da pesquisa, fizera prédios de escolas, campanhas de alfabetização e convênios
com os estados, financiando a formação das professoras primárias. Isso estava
sendo feito e bem feito, e deveria continuar e continuou. Ao lado disso tentou
montar uma grande máquina de ciências sociais, de intelectuais tratando da problemática
da educação".
Outro grupo que resistiu foi o de pedagogos que pensavam a educação num sentido
bem estreito. Consideravam desnecessário investigar as condições sociais antes
de planejar novos modelos educativos ou modificar os antigos, Segundo Regina
Helena Tavares, que trabalhou no INEP desde 1952 e no CBPE até seu fechamento,
sendo sua diretora de 1975 a 1976, essa resistência, de maneira geral, foi quebrada,
A maioria dos técnicos do INEP se rendeu inteiramente às novas idéias, e passou
a trabalhar em conjunto, a participar, a colaborar com o novo grupo coordenado
por Darcy Ribeiro.
O Decreto nº 38.460 instituiu o CBPE que foi sediado no Rio de Janeiro, e
funcionava num prédio da Rua Voluntários da Pátria, e cinco centros regionais:
Pernambuco, dirigido por Gilberto Freire; Bahia, por Carmem Spínola Teixeira;
Minas, por Abgar Renault; São Paulo, por Fernando de Azevedo, e Rio Grande do
Sul, por Eloah Ribeiro Kunz. Cada um dos centros tinha quatro divisões: Divisão
de Estudos e Pesquisas Educacionais, Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais, Divisão
de Documentação e Informação Pedagógica, Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério.
A produção nos centros regionais foi muito desigual, tanto se compararmos um com
outro, quanto se observarmos diversos momentos de um mesmo centro. O que menos
produziu foi o do Rio Grande do Sul. O de Pernambuco teve uma boa fase, quando
foi dirigido por Gilberto Freire. Promoveu uma série de pesquisas, principalmente
na Zona da Mata, coordenada por Levy Cruz, sociólogo recém-chegado dos Estados
Unidos, onde fizera o doutoramento. Publicava uma revista - Cadernos Região
e Educação, e previa-se, coisa que não chegou a ser feita, a absorção de um
grupo de cientistas sociais locais que estava fazendo pós-graduação no exterior.
O Centro Regional da Bahia destacou-se pela experiência do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro como escola experimental. Era um sonho antigo de Anísio Teixeira,
da época do governo Otávio Mangabeira, que foi concretizado através do INEP. Localizado
num bairro proletário – Liberdade - funcionava em regime de tempo integral, e
com professorado especializado. Seria, na opinião de Darcy Ribeiro, a escola capaz
de subverter o modelo educacional brasileiro: "a escola brasileira está feita
para o menino de classe média, cujos pais têm educação primária completa e que
tem alguém em casa disponível para estudar duas ou três horas com ele, Portanto,
é uma mentira dizer que essa escola é para o povo, porque o povo vai para ser
reprovado. No Brasil nunca houve educação popular. Anísio Teixeira começou a fazer
uma coisa que muita gente condenou como cara, porque no Brasil a prioridade é
para viadutos" ... "No Centro Educacional Carneiro Ribeiro quanto mais
atrasada a criança, mais treinada a professora. Dava-se também complemento alimentar,
não apenas para matar a fome, mas para permitir um desenvolvimento saudável. Havia
acompanhamento médico permanente..."
Em São Paulo, o centro regional trabalhou em estreita colaboração com a Universidade
de São Paulo, o que lhe permitiu assimilar o prestigio com que a universidade
já contava. O primeiro prédio do campus da USP foi construído pelo CRSP:
destinava-se a ser um grande centro de estudos sobre a educação elementar, promovendo
não só pesquisas como cursos de aperfeiçoamento para as professoras primárias
do interior. Para isso oferecia inclusive condições de hospedagem. Chegou a
ter uma excelente biblioteca pedagógica, publicou a revista Pesquisa e Planejamento
onde saíram os primeiros levantamentos sobre ensino primário no município
da capital, ensino secundário oficial e ensino normal oficial e particular.
O Centro Regional de Minas Gerais foi dirigido sucessivamente por Mário Casassanta
e Abgar Renault. Promoveu cursos de francês e inglês para professores do ensino
secundário e fez pesquisas sobre vocabulário e pensamento lógico nas escolas
de Belo Horizonte.
O Rio Grande do Sul desenvolveu pesquisas sobre livros-texto de leitura, e promoveu
estudos para a adaptação de testes de inteligência e aptidão às condições locais,
Traçou também um plano de diagnose educacional aplicada à ortografia.
Os diretores dos centros regionais reuniam-se periodicamente numa comissão consultiva
formada por eles, pelo diretor do INEP e o pessoal técnico. O objetivo dessas
reuniões era buscar uma certa homogeneidade nos projetos e permitir o acompanhamento
não só dos trabalhos que estavam sendo feitos, mas do tipo de preocupação que
centralizava as atenções dos educadores de cada região. Mas, o que aconteceu
na realidade foi que nos centros regionais a falta de pessoal, somada à falta
de recursos, fez com que houvesse sempre hipertrofia de uma divisão em detrimento
das outras.
Quanto ao Centro do Rio de Janeiro, é importante aprofundar mais a sua história;
dirigido pessoalmente por Anísio Teixeira, tinha Darcy Ribeiro à frente da Divisão
de Estudos e Pesquisas Sociais, Jaime Abreu na Divisão de Estudos e Pesquisas
Educacionais, Elza Rodrigues Martins na Divisão de Documentação e Informação
Pedagógica e Lucia Pinheiro na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério. Como
se organizou cada uma dessas divisões?
A BIBLIOTECA DO CBPE
Comecemos pela Divisão de Documentação e Informação Pedagógica (DDIP) que, segundo
o Plano de Organização do CBPE e dos centros regionais, deveria desenvolver
as seguintes atividades: 1) documentação relativa às necessidades dos estudos
e pesquisas desenvolvidas pelas diferentes divisões; 2) Biblioteca da Educação,
de Ciências Sociais, e demais ciências fontes da educação, cumprindo-lhe ainda
manter a mais completa Brasiliana que for possível; 3) cadastro bibliográfico
e de instituições educacionais, de educadores e educacionistas; 4) informação,
intercâmbio e divulgação; 5) publicações; 6) Museu Pedagógico, destinado a demonstrar
a evolução das doutrinas, práticas educacionais, material de ensino, especialmente
em relação ao pais, cabendo-lhe ainda manter filmoteca, discoteca, arquivo de
fotografias e gravuras. A filmoteca, parte do serviço audiovisual, propunha-se
a prestar auxílio às escolas através do empréstimo de filmes e slides, projeções
didáticas para professores na própria sede do CBPE, e à elaboração de slides,
salientando-se a coleção "Tipos e aspectos do Brasil" feita em colaboração
como IBGE.
A grande realização da DDIP, foi a organização da biblioteca, que chegou a ter
mais de 70 mil volumes e 1.800 títulos de periódicos nacionais e estrangeiros,
Aberta a qualquer pesquisador, com serviços de apoio extremamente eficientes,
teve um papel importante no Rio de Janeiro como centro de estudos de educação
e de ciências sociais, mesmo para os que não pertenciam aos quadros da instituição.
Foi considerada a melhor biblioteca especializada em educação e ciências sociais
de todo o pais.
Reuniu também uma extensa Brasiliana, com objetivo de permitir o estudo de todos
os aspectos da cultura brasileira. O setor didático pedagógico continha toda
a informação básica e bibliografia internacional sobre educação, coleções de
livros didáticos utilizados nas escolas brasileiras e em países com os quais
tínhamos vínculos culturais e que poderiam servir como referência.
A organização dessa biblioteca ficou a cargo de um grupo misto de biblioteconomistas
e educadores que contavam com o auxilio dos técnicos da Unesco - principalmente
Hutchinson e Wagley, que ajudaram na seleção do que deveria constituir a base
das coleções.
Embora a DDIP tenha sempre sido lembrada pela qualidade da sua biblioteca, desenvolveu
uma série de outras atividades. O nº 15 da revista Educação e Ciências
Sociais (setembro 1960) informa que até aquele momento, isto é, em cinco,
anos, a divisão tinha distribuído 450.000 livros a bibliotecas e instituições
educacionais, sendo que 90.000 de janeiro a setembro daquele ano. Refere-se
também à colocação de 30 aparelhos de projeção cinematográfica, 200 laboratórios
de química e 200 de física, 400 unidades didáticas de física, química e biologia.
Um arquivo fotográfico, que pretendia abrir-se para todos os aspectos da vida
brasileira, mas com ênfase especial nos aspectos educacionais, já contava naquele
momento com 4.600 negativos.
Através de um trabalho cotidiano em que distribuiu pelo país inteiro comunicações,
estudos, livros didáticos importantes para a elevação do nível do professor
brasileiro, a DDIP exerceu um papel fundamental não só na divulgação das pesquisas
e experimentos realizados no CBPE e nas suas escolas experimentais, através
da revista do INEP, Educação e Ciências Sociais, como na distribuição
de livros didáticos de boa qualidade. É importante assinalar o papel inovador
e de divulgação de idéias e experiências educacionais exercido por estas revistas,
sobretudo a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, publicada com
continuidade desde a sua fundação.
ESTUDOS E PESQUISAS SOCIAIS
A Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais, até pelo fato de ser uma experiência
inédita, recebeu uma grande dose de atenção. Quando foi chamado para dirigi-la,
Darcy Ribeiro era o coordenador do primeiro curso sistemático para etnólogos
e antropólogos no Museu do Índio. Sua experiência era basicamente com sociedades
tribais, Atraído pelo projeto de Anísio Teixeira, organizou no CBPE o que pode
ser considerado o primeiro curso de pós-graduação brasileiro em ciências sociais,
Com um programa de dois anos, em tempo integral, centrado na temática brasileira,
ao fim dos quais o aluno deveria produzir uma monografia original, reuniu como
professores cientistas que antes trabalhavam sem qualquer contato entre si:
Oracy Nogueira, Jacques Lambert, Roberto Cardoso de Oliveira, Bertran Hutchinson.
O curso iniciou-se com 15 alunos e formou 10 pesquisadores nos dois anos em
que funcionou.
Quanto ao programa de pesquisas, era extremamente ambicioso. Nas palavras do
próprio Darcy Ribeiro, que participou intensamente da sua concepção,
"era um programa duplo, em que tomamos 14 áreas brasileiras, 14 municípios
típicos da Amazônia ao Rio Grande do Sul e estudamos a população rural e a população
urbana, condições de vida e condições culturais, com o objetivo de publicar
monografias sobre cada uma delas. Das 14, umas quatro chegaram a ser publicadas,
Além dessas 14, havia mais umas 20 pesquisas do tipo social sobre urbanização,
industrialização e educação. Nunca houve programa tão amplo na área das ciências
sociais, Essas pesquisas todas, se tivessem tido continuidade, formariam uma
biblioteca que teria sido a mais importante na área de ciências sociais no Brasil.
Era um ‘passar o Brasil a limpo’.” "Umas pesquisas eram de síntese do
conhecimento existente num determinado campo; outras eram estudos de campo do
tipo sociológico, sobre contraste rural/urbano nas cidades laboratório. Eram
orientadas por Bertran Hutchinson, Florestan Fernandes ou por mim. Se essas
pesquisas tivessem sido completadas, o Brasil passaria a ter uma biblioteca
de ciências sociais como não tem até hoje. Além do mais, teria tido o efeito
de voltar as ciências sociais brasileiras para a nossa temática, principalmente
a que tem relevância social, Esse era o sentido que Anísio queria dar, e não
impedir que alguém faça qualquer pesquisa que queira fazer, mas não facilitar,
como veio a acontecer depois, que o cientista social brasileiro seja alguém
cujo objetivo é colocar um ponto e vírgula em Levy Strauss. Se o programa tivesse
tido continuidade, nós teríamos voltado uma grande quantidade de cabeças, gente
de boa qualidade, para a temática da educação, que é a temática do conhecimento
e da cultura brasileira". "...O que as pesquisas pretendiam era ver
o que a antropologia, o que a sociologia podiam dizer ao educador. Não pretendíamos
tomar o lugar do educador. Pretendíamos criar uma bibliografia de ciências sociais
que aumentasse o grau de conhecimento do Brasil, supondo-se que, na medida em
que se tivesse um maior conhecimento sobre a sociedade e a cultura brasileiras,
o planejamento educacional seria melhor".
Nem tudo que estava previsto foi realizado, As razões foram várias, Há concordância
entre os entrevistados quando enunciam algumas delas: a sadia de Darcy Ribeiro
para organizar e depois dirigir a Universidade de Brasília num momento em que
ainda não tinha se formado uma liderança para substitui-lo; a mudança de governo
(Juscelino/Jânio), com inevitáveis repercussões na política de verbas; o emperramento
da máquina burocrática que dificultava a contratação de pessoal qualificado;
os baixos salários que não retinham os técnicos e pesquisadores que já estivessem
na instituição. Assim, alguns trabalhos não foram concluídos. Outros, concluídos,
foram arquivados, por terem sido considerados insatisfatórios, Mas alguns, como
os trabalhos de Bertran Hutchinson (Mobilidade e trabalho), Oracy Nogueira (Família
e comunidade em Itapetinga), Manuel Diegues Junior (Regiões culturais do Brasil),
Jacques Lambert (Os dois Brasis). Florestan Fernandes (A integração do negro
à sociedade de classes), Egon Schaden (O japonês e o alemão no Brasil), Eunice
Durham (Adaptação dos contingentes rurais nas metrópoles) são considerados momentos
importantes na literatura sociológica brasileira.
ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS
A Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais era dirigida por Jaime Abreu,
especialista em ensino médio, assessorado desde 1959 por Nádia Franco da Cunha.
Jaime Abreu foi um educador preocupado com os aspectos econômicos do ensino,
Promoveu uma série de inquéritos a respeito da economia, da educação, seus custos,
possibilidades e tempo de retorno. Foram feitas também análises de currículos
e estimuladas classes experimentais em busca de melhores modelos para o nível
médio.
Segundo Nádia Franco da Cunha, um dos aspectos mais satisfatórios do trabalho
na Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais foi o aproveitamento das pesquisas
feitas, tanto pelos órgãos deliberativos e executivos do Ministério da Educação
e Cultura quanto por outras instituições ligadas à educação pública ou privadas
(Secretaria de Educação, Faculdade de Pedagogia, etc.). A equipe sempre procurou
divulgar o que fazia, encaminhando para os possíveis consumidores os inquéritos
e pesquisas realizadas. A divisão recebia constantemente pedidos de informação
vindos tanto do Brasil quanto do exterior. O intercâmbio com a Unesco, com o
Instituto de Pesquisas de Paris, com a OEA era intenso: trocavam-se trabalhos,
respondiam-se questionários.
O terceiro setor que se dedicou à pesquisa no CBPE foi a Divisão de Aperfeiçoamento
do Magistério, dirigida por Lúcia Pinheiro. Originariamente essa divisão deveria
promover cursos e estágios para o magistério responsável pela formação de professores
primários, ou seja, das escolas normais e dos cursos de Pedagogia. Começou a
fazer pesquisas que interessassem à sua área por sugestão de Jaime Abreu.
A Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério recebia pessoas de todo o Brasil
em busca de formação, aperfeiçoamento e novas técnicas, A necessidade de ter
uma escola onde essas novas técnicas fossem postas a prova antes de serem divulgadas
levou o INEP a pedir à Secretaria da Educação do então Distrito Federal a concessão
da Escola Guatemala, recém-inaugurada no Bairro de Fátima, para ser a sua Escola
Experimental. Segundo Elza Rodrigues Martins, a Escola Guatemala foi um grande
laboratório de ensaio de métodos e processos de ensino, de avaliação, de tentativa
de busca de melhores soluções para a educação brasileira. Professores de todo
o Brasil vinham fazer estágios, observar, De volta aos seus estados tornavam-se
focos de efeito multiplicador, dentro das próprias secretarias de educação.
Esse trabalho foi documentado em seis filmes relativos a atividades de classe,
que deveriam ser utilizados no processo de implantação da reforma do ensino
de primeiro grau.
Lúcia Pinheiro procurou, como coordenadora da Divisão de Aperfeiçoamento do
Magistério, desenvolver um tipo de pesquisa que estivesse intimamente vinculada
à problemática vivida pela professora primária. Por essa razão a grande maioria
dos trabalhos da sua divisão referiu-se à 1a série. A 1a
série é o grande "fantasma" da educação elementar em função da altíssima
taxa de repetência.
Por volta de 1960, quarenta e oito por cento das crianças matriculadas no curso
primário estavam na 1a série. E, somando-se as duas primeiras séries,
chegava-se a 66%. A terceira série não contava mais do que 8% dos alunos. Para
identificar as causas do problema foram feitas várias pesquisas, como por exemplo
a respeito da formação das professoras primárias nas escolas normais de oito
estados brasileiros; sobre a prática real do professor primário; e um estudo
comparativo dos currículos das escolas primárias no Brasil, Suíça. França, Estados
Unidos e Itália. A cada pesquisa concluída correspondia uma pequena publicação
que, distribuída pelo maior número possível de escolas no país, divulgasse não
só o que tinha sido observado, como também sugestões para, senão resolver, pelo
menos encaminhar o problema.
Na concepção original do CBPE essas três divisões deveriam trabalhar em íntimo
contato. Mas na verdade isso não aconteceu, a não ser no período "áureo"
do CBPE: de 1956 a 1960. E se isso aconteceu não foi em função do tipo de organização
existente, mas na liderança pessoal de Anísio Teixeira que funcionava como um
mediador entre as três divisões, promovendo reuniões, estimulando a. discussão.
Foi uma época em que o INEP, segundo várias pessoas que viveram a experiência,
deixou de ser uma repartição pública para ser o local onde se debatiam os principais
temas ligados à problemática educacional brasileira, em todos os seus níveis.
Desses debates participavam não só os técnicos do instituto, como cientistas
sociais como Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Arthur Giannotti, Florestan
Fernandes que trouxeram importantes contribuições ao grupo e desempenharam um
papel relevante na difusão das idéias ali surgidas.
É interessante o depoimento de Elza Nascimento Alves sobre o clima dessa. época:
"No período de Anísio Teixeira o INEP era um verdadeiro cadinho de idéias.
E a concepção que se tinha naquela época de pesquisa era o que hoje em dia se
chama "sistêmica". Não se pensava em pesquisas isoladas. Hoje em dia
nem as universidades têm essa visão: não há um planejamento, uma concepção sistêmica.
E na época de Anísio Teixeira houve. O que se fez foi um planejamento integrado.
Tínhamos um esquema de referências ao qual as pesquisas se vinculavam: Brasil
urbano/Brasil rural. Era todo um quadro de pesquisas sociais para subsidiar,
para dar sentido à pesquisa educacional. Acho que nem as universidades nem o
ministério conseguiram retomar essa concepção de pesquisa dentro de um quadro
referencial mais completo e mais integrado. Além do mais, havia todo um clima,
todo um quadro de debate, de fermentação intelectual. Sentia-se um ambiente
absolutamente técnico. Não havia o conceito de autoridade pelo cargo. Quando
o grupo se reunia para discutir alguma coisa, era a autoridade de quem sabia
mais um assunto, de quem tinha mais experiência na área que contava. Era uma
coisa. sui generis, que nunca vi em lugar nenhum."
Dois grandes debates marcaram esse período: o primeiro, em torno da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, e o segundo, da organização da Universidade de Brasília.
A LEI DE DIRETRIZES E BASES
O projeto para uma lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi enviado
ao Congresso pelo ministro Clemente Mariani em 28/10/1 948, atendendo a uma
determinação da Constituição Federal de 1946. Elaborada por uma comissão da
qual fizeram parte Lourenço Filho como presidente, Pedro Calmon como vice-presidente
e presidente da Subcomissão do Ensino Superior, Fernando de Azevedo como presidente
da Subcomissão de Ensino Médio, Antônio Almeida Junior como presidente da Subcomissão
de Ensino Primário e uma série de outros educadores entre os quais o padre Leonel
Franca, Alceu Amoroso Lima, Antônio Carneiro Leão e Celso Kelly, era. uma lei
cuja principal característica era o seu caráter evolutivo. Pretendia dar à educação
uma organização que a livrasse de reformas espasmódicas, que permitisse uma
evolução natural, sem tornar necessária uma reforma atrás da outra, Segundo
Anísio Teixeira suas grandes linhas seriam:
1. Unidade da educação brasileira toda a educação brasileira, em todos os seus
níveis e ramos, terá diretrizes e bases comuns, constituindo um sistema contínuo,
diversificado e uno, a ser executado por particulares e pelos poderes públicos,
sob a administração dos Estados e a supervisão discreta, mas eficaz, do governo
federal.
2. Divisão de competências: os sistemas estaduais de educação representam os
corpos também eles próprios diversificados componentes do supersistema completo
e amplo da educação nacional, enquanto não se chega até o município, ao que
tenderá o sistema, à medida que amadureça a experiência administrativa brasileira.
3. Poder supervisor e normativo da União - a União não perde nenhum dos seus
poderes, que antes se ampliam, com a inclusão pela primeira vez do ensino
primário dentro de sua órbita normativa. Seu poder se exercerá pela própria
Lei de Diretrizes e Bases e por uma ação, extraordinária, nos casos de cassação
e revisão de atos dos governos estaduais, e continua permanente, na ação supletiva,
por meio da qual assistirá financeira e tecnicamente os governos dos Estados,
exercendo, indiretamente, a mais profunda influência sobre o ensino que, de
fato, se quiser, poderá dirigir, pela forma mais fecunda de direção, que é a
de demonstração, do estímulo e da sugestão.
4. Flexibilidade, liberdade e descentralização ...os planos impostos de cima
para baixo podem funcionar na ordem mecânica, e mesmo aí apresentam seus graves
defeitos, nunca em sistemas vivos como os da educação. Temos de restabelecer uma
linha de autonomia que unifique todos os tecidos do sistema educacional, desde
o trabalho de classe até a ordem administrativa mais alta, não para se perder
a unidade, mas para se conseguir a forma única de unidade, que não é prejudicial
às instituições sociais vivas e dinâmicas: a unidade obtida pela emulação de meios
e formas diversas com objetivos comuns e de que resultará uma consciência comum.
Durante dez anos a Lei de Diretrizes e Bases foi discutida no Congresso, sugeridas
emendas, propostos substitutivos. Em todo esse período os técnicos do INEP,
muitos dos quais já tinham assessorado os membros da comissão, participaram
do debate, fornecendo dados, depondo na Comissão de Educação da Câmara.
Mas o momento em que a participação do INEP/CBPE se fez sentir com mais intensidade
foi o da discussão do Substitutivo Lacerda, em 1959. Esse projeto, calcaldo
no de 1948, apresentava uma série de modificações que desvirtuaram o seu sentido
original. A principal delas era o uso de verbas públicas para subsidiar a escola
privada, em nome do "direito fundamental da família de promover a educação
dos seus filhos e acompanhá-la de perto". O campo definiu-se entre os defensores
da idéia de que a totalidade dos recursos do Estado deveria ir para a escola
pública e os que insistiam em que a escola particular deveria ser subsidiada.
O clero católico liderava a corrente ligada ao ensino privado que defendia a
canalização dos recursos para a. escola particular. É importante assinalar que
um grupo religioso e ligado ao ensino privado não entrou no processo de hostilização
a Anísio Teixeira: os educadores metodistas, que no Rio mantinham o Colégio
Bennett. Foi nesse contexto que surgiu o memorial dos bispos gaúchos protestando
contra a presença de Anísio Teixeira na Capes e no INEP. Hermes Lima diz que,
"na opinião dos bispos, Anísio estaria envenenando e destruindo a família
e preparando a revolução socialista na sociedade brasileira"[5]. Pouco depois, em julho, com a ratificação, pela IV Reunião
Ordinária da Conferência dos Bispos do Brasil, da posição defendida pelo arcebispo
de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, criou-se uma crise política que quase resultou
na saída de Anísio Teixeira dos órgãos que dirigia. Depõe Darcy Ribeiro, que
teve um papel importante na situação:
"Foi nessa época que houve um memorial dos bispos do Rio Grande do Sul,
acusando Anísio de estar comunizando o Brasil por ter criado o CBPE, Juscelino
deu a cabeça de Anísio para os padres. Clóvis Salgado chamou Anísio e pediu
os cargos, Anísio entregou À tarde, eu declarei que ele não tinha pedido demissão
e escrevi um artigo, com Almir de Castro, e Tude de Souza - foi o único artigo
de Anísio que ele não escreveu: Sou contra - 10 coisas e Sou a Favor - 10
coisas. A reação nacional foi tão grande que saíram 70 editoriais de jornal
defendendo Anísio. Juscelino voltou atrás, pediu desculpas e apelou para que
ele ficasse. Nós ganhamos. Naquele momento a Igreja era contra a educação do
povo, pela educação da elite. A reivindicação que faziam era que na nova lei
das Diretrizes e Bases o dinheiro fosse destinado à educação privada. Nós não
éramos contra a educação privada, desde que ela se pagasse. Éramos contra que
o pouco dinheiro que havia disponível para a educação popular fosse dado a gente
rica. A posição da Igreja hoje está totalmente modificada".
A superação da crise provocada pelo documento emitido pela Conferência dos Bispos
não encerrou os debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases, que continuaram
intensos e envolvendo todos os setores ligados ao ensino. Não foi um debate
que tenha ficado restrito às publicações especializadas. Jornais e revistas
participaram, abrindo espaço para os representantes das posições em jogo. Conta
Elza Rodrigues Martins:
"A época do substitutivo Lacerda foi uma época muito efervescente. Reuniam-se
no INEP muitas pessoas, por exemplo Paulo Duarte, da Revista Anhembi,
Geraldo Rastos Silva, que era um profundo conhecedor do ensino médio, Roque
Spencer Maciel de Barros, Laerte de Carvalho Ramos do Centro Regional de São
Paulo, Joel Martins, Renato Jardim, Roberto Moreira, todos defendendo uma linha
de participação e de verbas públicas para a instrução pública. Toda essa discussão
está documentada em um número especial da Revista do INEP. Foi um período muito
vivo, muito efervescente para o INEP. A Lei de Diretrizes e Bases, por ser uma
primeira lei formulando um plano orgânico, continha a educação brasileira. sob
todos os aspectos, em todos os graus, em todos os ramos. O INEP tinha uma equipe
numerosa, capaz de questionar com pertinência sobre qualquer aspecto da lei".
O testemunho de Darcy Ribeiro complementa o de Elza Rodrigues Martins, quanto
ao papel dinamizador do INEP/CBPE na discussão:
"A luta pela escola pública na. batalha pela Lei de Diretrizes e Bases
foi toda orientada por nós, do CBPE. Uma das suas conseqüências foi atrair Florestan
Fernandes, que era um cientista que escrevia sobre a organização social dos
Tupinambás, ou a guerra entre os Tupinambás, para a tarefa da educação, foi
um modo de chamá-lo para a realidade brasileira. Isso foi bom num momento em
que se discutia a escola pública, em cuja defesa Florestan cresceu como líder.
Dificilmente isso teria acontecido se não fosse Anísio, se não fosse o CBPE".
A UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
O planejamento e organização da Universidade de Brasília foi outro tema que
envolveu de maneira oficiosa o INEP/CBPE. Em UnB: invenção e descaminho[6] Darcy Ribeiro diz que a UnB "foi e é o projeto mais
ambicioso da intelectualidade brasileira. Efetivamente, de 1959 a 1961 a criação
da UnB foi a questão cultural mais séria, mais desafiante e mais empolgante
que se colocou diante da intelectualidade do pais, que a via como sua meta e
sua causa.".
O plano de estruturação da universidade foi oficialmente coordenado por uma
comissão especial nomeada pelo presidente Kubitschek composta por Darcy Ribeiro,
Oscar Niemeyer e Cyro dos Anjos. Mas, como relata Darcy Ribeiro no livro citado,
quando saiu o decreto nomeando a comissão, o planejamento já estava avançado,
o que permitiu que fosse rapidamente publicado um documento que continha o plano
para a nova universidade junto com uma avaliação redigida por diversos intelectuais.
Essas discussões tinham se realizado no CBPE e concentravam as atenções de todas
as pessoas ligadas ao ensino superior no Brasil. Resultaram num diagnóstico
nada satisfatório das condições de funcionamento das universidades existentes,
através da análise da universidade modelo - a Universidade do Brasil. Foi denunciada
a rigidez de sua estrutura, centralista e autoritária, que tinha levado à instituição
de um sistema cartorial que, burocratizando a educação superior brasileira,
a conduziu a extremos de irresponsabilidade e de clientelismo, Graças a isso
multiplicaram-se por todo o país escolas superiores degradadas e improvisadas,
mas que atendiam às exigências do Ministério da Educação.
Rapidamente o campo dividiu-se entre os partidários da nova universidade e os
que se opunham a ela, de maneira velada ou aberta. O modelo proposto opunha-se
frontalmente à manutenção dos privilégios da cátedra e às formas vigentes de
entrada e ascensão na carreira universitária, que tinham dificultado a formação
de pessoal qualificado, e, como não podia deixar de ser, despertou uma série
de hostilidades, que se revelaram em criticas técnicas e políticas.
A nova universidade deveria retomar e reavaliar duas experiências na área do
ensino superior que, por razões diversas, tinham sido castradas: a da Universidade
de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, ambas fundadas na década
de 30, A grande novidade que trouxeram foi pretender cobrir todos os campos
do saber e da cultura - o que na época se chamava cultura desinteressada -
sem uma preocupação imediatista com a sua aplicabilidade. Pretendeu-se também
que não fossem apenas uma aglutinação das faculdades preexistentes, como tinha
sido o caso da Universidade do Rio de Janeiro. Para isso era necessária a existência
de uma faculdade que articulasse todas as outras, estimulando o convívio universitário
ao mesmo tempo que evitasse a duplicação de esforços: no caso da USP foi a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras e, na UDF, um complexo sistema de escolas e
institutos ligados a centros de pesquisa e experimentação que deveriam cultivar
e divulgar as ciências exatas e humanas.
O projeto para a faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP foi desvirtuado
pela resistência dos professores da Escola de Medicina, Engenharia e Direito
que não aceitavam que as disciplinas básicas fossem dadas pela nova Faculdade,
o que acabou por transformá-la numa outra escola profissional: passou a formar
pesquisadores e professores secundários de ciências e letras. A UDF, por sua
vez, foi esvaziada por razões políticas, depois que Anísio Teixeira, seu idealizador
e alguns dos seus professores foram acusados de participarem de movimentos de
contestação ao governo Vargas.
Na prática, os planejadores da Universidade de Brasília contavam quase que apenas
com indicações negativas: como não deveria ser a nova universidade. Darcy Ribeiro
assinala no seu depoimento que "só nos consola dessa estreiteza pensar
que a própria carência teria, talvez, dado à Universidade de Brasília uma liberdade
de se inventar que, provavelmente, seria tolhida em um pais melhor servido por
universidades que realizassem satisfatoriamente suas próprias ambições".
E como seria essa nova universidade?
Muitas das suas principais características decorreram do fato de não ser uma
universidade qualquer, mas a Universidade de Brasília, nova capital do Brasil.
Deveria, assim, cumprir uma série de papéis que em cidades como o Rio de Janeiro
ou São Paulo seriam exercidas por outras instituições. Brasília, preocupavam-se
os idealizadores da sua universidade, corria o risco de tornar-se uma cidade
burocrática, provinciana. Assim, era necessário que fosse criado um centro de
florescimento cultural e artístico, em que fossem estimuladas as letras e as
artes. Era importante também que a universidade proporcionasse aos órgãos públicos
toda a assessoria necessária, que em cidades já constituídas encontra-se com
maior facilidade. Para cumprir esse papel era fundamental que tivesse a mais
alta qualificação científica, aliada à liberdade docente e à autonomia acadêmica.
O terceiro objetivo da UnB seria o de tornar-se um núcleo de amadurecimento
de consciência critica nacional, Para isso deveria ser dada atenção especial
ao corpo de professores ‘"não só quanto à capacitação científica, mas quanto
à posição ideológica".
O grupo que, no CBPE, em torno de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira concebeu a
UnB era composto basicamente de pessoas ligadas à Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência. Pretendiam, fundamentados na experiência. da luta que
mantinham há anos para implantar ou desenvolver a atividade científica nas universidades
ou institutos em que trabalhavam, construir uma estrutura que, ao contrário
das que existiam, estimulasse e não dificultasse a transformação do Brasil num
país com um mínimo de autonomia científica. Darcy Ribeiro diz que "a verdadeira
vocação da Universidade de Brasília nela inculcada pela SBPC era ser uma universidade
completa que cobrisse, pela primeira vez em nossa história, todos e cada um
dos campos do saber, com a capacidade de cultivá-lo, de aplicá-lo, de ensiná-lo.
Expressávamos essa vocação dizendo e reiterando que a UnB se devia a duas lealdades:
a fidelidade aos padrões internacionais do saber e a
busca de solução para os problemas nacionais.[7]
Para alcançar esses objetivos surgiu uma universidade organizada em torno de
três componentes fundamentais: os institutos centrais de ciências, letras e
artes, dedicados ao cultivo e ensino do saber fundamental, as faculdades profissionais,
devotadas à pesquisa e ao ensino nas áreas das ciências aplicadas e das técnicas,
e os órgãos complementares, que prestariam serviços à comunidade universitária
e à cidade. Era um modelo inédito, que ao mesmo tempo que evitava duplicação
de esforços, permitia que cada setor desenvolvesse ao máximo suas potencialidades,
de forma complementar, do nível básico ao pós-graduado. Outra preocupação do
grupo que concebeu a Universidade de Brasília foi de livrá-la da burocracia
do Ministério da Educação e Cultura. Para isso foi organizada como uma fundação,
o que lhe permitia autonomia administrativa. Os recursos para a sua implantação
e manutenção viriam de verbas orçamentárias e da renda de bens que lhe seriam
doados pela União. Seria dirigida por um Conselho Diretor de seis membros, escolhidos
originariamente pelo presidente da República, que elegeriam entre eles o reitor,
e indicariam seus substitutos. No plano acadêmico, a UnB, se autodirigiria através
da Câmara dos Docentes, dos Decanos e dos Estudantes, As atividades docentes
seriam dirigidas por Congregações de Carreira que teriam como tarefa aprovar
currículos e planos de estudos e fiscalizar sua execução, A vida quotidiana
da UnB seria regida por pequenos colegiados, as mesas executivas, compostas
pelo titular do instituto, faculdade ou departamentos, um representante dos
professores e outro dos alunos.
O modelo proposto para a Universidade de Brasília não chegou a se realizar plenamente
ali, por razões que são amplamente conhecidas. Mas, além de ter desencadeado
uma das mais intensas discussões a respeito de como deveria ser a nova universidade
brasileira, inspirou a criação ou reformulação de várias instituições na América
Latina e na África.
APÓS ANÍSIO TEIXEIRA
Em 1964, com o fim do governo de João Goulart, Anísio Teixeira foi substituído
na direção do INEP por Carlos Pasquale, educador paulista. Na chefia do CBPE
ficou Péricles Madureira de Pinho, que fora por muitos anos seu diretor executivo
e estava plenamente identificado com os pontos de vista de Anísio Teixeira.
Carlos Pasquale não hostilizou a equipe que trabalhava com Anísio Teixeira,
nem promoveu devassas administrativas, comuns na época. Quem tinha pesquisas
em andamento - eram poucas - pôde continuá-las, mas sem grandes estímulos.
Tinha seus projetos próprios que, se em linhas gerais não entravam em conflito
com à orientação anterior, já estavam marcados pelas novas tendências que iriam
ser dominantes a partir de 1964. No período em que Carlos Pasquale esteve a
frente do INEP, foi realizado o censo escolar em todo o Brasil, retomaram-se
as Conferências Nacionais de Educação, iniciaram-se os estudos e sugestões para
a instituição do salário-educação (instituído em outubro de 1964) e instalaram-se
os Colóquios Estaduais para a Organização das Secretarias de Educação (Ceoses)
que tratavam da organização dos sistemas de ensino e do Programa de Assistência
Técnica em Educação aos Estados. Foi também iniciada a publicação do Anuário
Brasileiro de Educação que pretendia acompanhar o movimento educacional
brasileiro a partir de 1964 (foram publicados dois números).
A Carlos Pasquale seguiram-se Carlos Corrêa Mascaro, Guido Ivan de Carvalho
e Walter de Toledo Piza (1966-1969, 1969-1970 e 1970-1972). Foram períodos em
que o INEP se concentrou em suas funções burocráticas. Muitos técnicos saíram
para. trabalhar em outras instituições com melhores condições de trabalho ou
remuneração. Algumas poucas iniciativas foram tomadas: a implantação de um sistema
de assistência técnica aos Estados, realizado por um grupo de técnicos brasileiros
e da Unesco, através dos Ceoses e a criação da Equipe de Assistência Técnica
ao Ensino Elementar (Eatep), resultado de um convênio entre o MEC, o Contap
e a Usaid, constituído por seis educadores brasileiros e seis norte-americanos,
Posteriormente o Eatep foi aglutinado aos Ceoses e ao Pate (Programa de Assistência
Técnica em Educação, existente desde 1963), resultando no SAT - Serviço de
Assistência Técnica.
Em 1o de fevereiro de 1972 assumiu a direção do INEP o coronel Ayrton
de Carvalho Mattos. Sem nenhuma ligação anterior com a problemática de ensino,
fora escolhido pelo ministro Passarinho por ser um administrador hábil e competente.
Nas suas próprias palavras[8], o que definiu
a sua indicação foi o fato de ser uma pessoa de fora da área, que poderia avaliar
sem paixões a situação do INEP e tomar atitudes que, mesmo necessárias, desencadeariam
obrigatoriamente insatisfações e protestos. Antes de tomar posse, entrou em
contato com os técnicos do órgão que o auxiliaram a fazer um levantamento da
situação existente, altamente insatisfatória: equipes insuficientes, salários
baixos, pouca produtividade, principalmente nos centros regionais, desânimo,
burocratização. Para o coronel Ayrton faltava ao INEP uma organização, um regimento
que lhe permitisse funcionar independentemente de lideranças carismáticas:
"O INEP, no tempo de Anísio Teixeira, era um órgão de primeira grandeza,
mas tudo se fazia exclusivamente em função da sua liderança pessoal. O INEP
era Anísio Teixeira. O órgão não tinha estrutura formal, não tinha um regimento,
enfim, não tinha uma organização que permitisse o seu funcionamento na ausência
de Anísio. E foi justamente o que aconteceu com a saída de Anísio, seus sucessores
não tinham a sua estatura, e o órgão foi definhando".
Uma vez elaborado o regimento, iniciou-se a tomada de uma série de medidas práticas:
a primeira foi o fechamento dos centros regionais, considerados improdutivos
há bastante tempo, ao mesmo tempo que se fortalecia o Centro Brasileiro (do
Rio de Janeiro) através da constituição de grupos-tarefa, recurso permitido
pela Reforma Administrativa e que possibilitou a contratação de pesquisadores
para projetos específicos e melhor remuneração para os vinculados à instituição,
submetidos às rígidas tabelas do DASP.
A providência seguinte foi transformar o INEP num órgão de financiamento de
pesquisas ligadas à educação. Com esse objetivo foram iniciados contatos com
órgãos que fariam pesquisas educacionais. Pretendia-se levantar periodicamente,
através de inquéritos entre os educadores ligados ao ministério, às secretarias
e às universidades os temas de maior interesse para o campo e distribui-los
entre as instituições que realizavam pesquisas. O INEP financiaria essas instituições
em regime de prestação de serviço, e ao CBPE ficariam reservadas duas atribuições:
realizar as pesquisas consideradas indispensáveis mas não escolhidas voluntariamente
por qualquer das outras instituições, e funcionar como assessoria técnica para
auxiliar e avaliar o andamento e a qualidade das pesquisas externas.
Na concepção do coronel Ayrton, o CBPE deveria também funcionar como uma escola
onde seriam testadas novas formas de trabalho e de divulgação: "O CBPE
estava tendo um papel importante na mudança da mentalidade que considerava que
o trabalho de pesquisa deveria ser individual e isolado. Nós nos batíamos para
que as pesquisas fossem realizadas por equipes multidisciplinares. Faríamos
isso, e queríamos mostrar que era uma coisa exeqüível e que os resultados só
poderiam ser melhores da que aqueles apresentados por um único elemento".
Durante a administração do coronel Ayrton o INEP recuperou parte da sua vitalidade.
Foi reformulada toda a Divisão de Documentação, Divulgação e Informação, sob
a chefia de Regina Helena Tavares. Os pontos principais desta reforma foram:
o estabelecimento de uma rede sistemática de informações educacionais, que viria
a abranger todo o país; a utilização de um thesaurus de educação para
a indexação e recuperação das informações educacionais; o estabelecimento de
um serviço tipo "pergunta-resposta" para melhor atender aos usuários,
utilizando inclusive um vídeo terminal, ligado ao PRODASEN, que permite a recuperação
de informação legislativa. Além desses, receberia uma ênfase especial a constituição
de um banco de dados sobre pesquisas educacionais em realização no Brasil, através
de um levantamento bianual. Pesquisas que se arrastavam há anos foram concluídas
e outras iniciadas, existindo uma grande preocupação com a sua utilização:
"Uma das críticas que eu fazia ao nosso trabalho é de que ele ficava intramuros
- não havia difusão nem mesmo do ensino na Guanabara. A Escola Guatemala, que
era a escola experimental do INEP, realizava experiências importantes, mas que
não eram aplicadas nas outras escolas. Assim, quando surgiu a oportunidade de
testar as sugestões do CBPE nas escolas de um dos distritos da Guanabara, foi
excelente. Essas escolas passaram a apresentar um rendimento excepcional".
Essa proposta de aplicabilidade das pesquisas foi a saída encontrada para o
problema de encontrar um papel para a Divisão de Pesquisas do CBPE: tendo deixado
de ser o órgão onde era pensada a política educacional brasileira, a pesquisa
acadêmica devendo ser feita basicamente na universidade, ficou para o CBPE a
tarefa de realizar pesquisas de curta duração que informassem o MEC e as secretarias
estaduais a respeito do funcionamento efetivo de recomendações ou determinações
suas.
Por razões administrativas o coronel Ayrton desentendeu-se com o secretário
geral do MEC, Euro Brandão, em novembro de 1975, e foi substituído interinamente
por Francisco Cruz Barbosa Lopes. Em fins de 1976, assumiu a direção do INEP
a professora Maria Mesquita que fez a transferência do órgão para Brasília e
fechou o CBPE. A biblioteca, que chegou a ser encaixotada para ser levada para
Brasília, diante dos apelos de vários grupos interessados na sua manutenção
no Rio, foi objeto de um acordo com a UFRJ, onde foi instalada em fevereiro
de 1979.
CONCLUSÃO
O que podemos apreender da história do INEP? Em primeiro lugar, que ela não
foge à rotina de inúmeras outras instituições científicas ou paracientificas
brasileiras: criada num momento de grande entusiasmo, trazendo consigo uma proposta
de inovação, pretendendo ser uma ruptura com os padrões antigos, passa por um
curto período de intensa produtividade mas não suporta o peso do processo de
rotinização.
Na opinião das pessoas entrevistadas, os problemas do CBPE começaram ainda no
governo Kubitschek: Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, profundamente envolvidos
com o projeto e depois a organização da Universidade de Brasília, afastaram-se
de um envolvimento mais direto com o programa de pesquisas sociais, que era
o mais ambicioso projeto do centro. Com o fim do governo Kubitschek e a crise
provocada pela renúncia de Jânio, a situação tornou-se ainda mais indefinida.
Oracy Nogueira, que ficara chefiando a Deps, voltou para a Universidade de São
Paulo. Roberto Cardoso de Oliveira também se desligou do centro e foi organizar
o Curso de Pós-Graduação em Antropologia Social no Museu Nacional, Durante o
governo João Goulart o INEP/CBPE esteve primordialmente envolvido com o delineamento
da política educacional do país, e a implantação do sistema escolar de Brasília,
da escola pré-primária à universidade, Esse nível de comprometimento tornou
o INEP um órgão extremamente visado depois de 1964. Se seu primeiro diretor,
Carlos Pasquale, conseguiu um relacionamento satisfatório com a equipe. Anísio
Teixeira foi processado criminalmente pela União por peculato-furto, no exercício
do cargo de reitor da Universidade de Brasília. Era uma espécie de avaliação
pública pelos novos detentores do poder do homem com quem o INEP estava profundamente
identificado.
A tentativa do coronel Ayrton de Carvalho Mattos de recuperar o INEP, atribuindo-lhe
novas funções, foi relativamente bem sucedida, Mas a esta altura o Instituto
já deixara de ser o centro de pesquisas e geração de idéias que pudessem influenciar
de maneira significativa o sistema educacional e a sociedade brasileira como
um todo. O INEP passa a ser mais um órgão burocrático do Ministério da Educação,
e cumpre, assim, o ciclo comum a tantas instituições do país. Como resumia o
próprio Anísio Teixeira: "no Brasil, as instituições duram tanto quanto
seus fundadores".
* Trabalho realizado no âmbito do Centro de Estudos e Pesquisas
da Finep. A responsabilidade pelos conceitos emitidos é da autora.
[1] Hermes Lima. Anísio Teixeira, Estadista da Educação.
Rio. Editora Civilização Brasileira, p. 43.
[2] inistério da Educação e Cultura, Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos: Análise da situação atual do INEP e Proposta de reformulação
de sua estrutura e objetivos. Rio, MEC/INEP, Dezembro de 1971, p. 10.
[3] Entrevista, 5 de setembro de 1978.
[4] Entrevista 10 de outubro de 1978
[5] Anísio Teixeira, Estadista da Educação, p. 161.
[6] Editora Avenir, Rio de Janeiro, 1978, p 15.
[7] "7 ver UnB, Invenção e Descaminho, p. 87.
[8] Entrevista, 20 de outubro de 1978.