Universidades
e Instituições Científicas no Rio de Janeiro Simon
Schwartzman, editor
Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), 1982.
Introdução: Ciência
e Universidades no Rio de Janeiro
1ª Parte - A Busca de um Modelo Universitário
Por uma universidade
no Rio de Janeiro, Antônio Paim
Do Centro D. Vital à
Universidade Católica, Tânia Salem
2ª Parte - O apoio governamental à Pesquisa
O Conselho Nacional
de Pesquisas e a Institucionalização da Pesquisa Científica no Brasil,
Jacqueline Pitangui Romani
Educação e ciências sociais:
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Maria
Clara Mariani.
3ª Parte - Instituições de Pesquisa e Pós-Graduação
O Instituto de Biofísica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria Clara Mariani
Pós-Graduação em engenharia:
a experiência da COPPE, Márcia Bandeira de Melo Nunes, Nadja
Vólia X. Souza e Simon Schwartzman.
Introdução:
Ciência e Universidades no Rio de Janeiro
Os trabalhos reunidos neste volume analisam, cada qual à sua maneira, a
gestação, crescimento e maturidade de uma série de instituições de pesquisa
e de ensino no Rio de Janeiro. O período de tempo é amplo, indo desde os
primeiros movimentos pela educação e por uma universidade brasileira na
década de 20 até a criação dos cursos de pós-graduação em engenharia nos
anos 60; as instituições estudadas vão desde órgãos governamentais, como
o Conselho Nacional de Pesquisas, até instituições privadas, como a Universidade
Católica do Rio de Janeiro; e as áreas abrangidas incluem desde as ciências
biológicas, no Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, até as ciências sociais, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.
No entanto, não existe nenhuma pretensão de cobrir toda a riqueza e variedade
da experiência carioca em pesquisa e ensino superior. O Instituto Manguinhos,
hoje Oswaldo Cruz, a principal instituição brasileira de pesquisa nas primeiras
décadas do século XX, já foi objeto de alguns estudos especializados, e
não será visto aqui; fica ausente, também, toda a tradição de pesquisa médica,
e muitas outras áreas que ainda necessitariam de uma análise e compreensão
mais profunda. Os dois ensaios sobre universidades se referem principalmente
a seus antecedentes históricos e culturais, e não tentam nenhuma análise
do funcionamento efetivo da Universidade do Rio de Janeiro nem da Universidade
Católica - estudos que ainda necessitam ser feitos.
O que une todos estes textos é a intenção de ver, em cada caso, qual era
o projeto que movia as pessoas, e como estes projetos puderam ou não vingar.
O objetivo é compreender os valores, as motivações, as idéias-força que
dão sentido a uma atividade humana - e, mais tarde, examinar como isto se
confronta com a realidade da falta de recursos, do subdesenvolvimento, e
de uma tradição histórica onde o espírito de pesquisa não havia fincado
raízes.
A ciência moderna necessita, para seu desenvolvimento, de um espaço que
lhe é proporcionado, por um lado, por um sistema educacional amplo e bem
constituído; e, por outro, pela utilização social intensiva de conhecimentos
técnicos na indústria, na esfera militar, na área de saúde. Além disto,
este espaço precisa ser preenchido por um grupo social que busca na atividade
científica enquanto tal menos que em seus produtos - uma forma de mobilidade,
ascensão e reconhecimento social. Esta combinação especial de circunstâncias
parece ter ocorrido nos poucos países que conseguiram chegar ao século XX
com uma tradição científica e universitária bem constituídas. Isto ocorreu
no Japão, onde os esforços de modernização iniciados pela dinastia Meiji
encontram nos Samurais um grupo disposto a assumir os novos papéis na área
da ciência, da técnica e da educação; na Prússia, onde a busca de um espaço
social de uma classe média ascendente se canaliza para o sistema universitário,
e se combina mais tarde com o desenvolvimento da indústria química e com
a centralização política de Bismarck para a criação de um Estado militarmente
forte e industrializado; na França, cuja tradição científica e intelectual
passa pelos Enciclopedistas, que contribuem para derrubar o antigo regime
e estabelecer, mais tarde, o Estado Napoleônico; nos países anglo-saxões,
onde a industrialização cria um espaço natural para o desenvolvimento do
conhecimento técnico, e a educação e cultura são canais clássicos de mobilidade
e afirmação do prestígio social de setores médios(1)
No Brasil, entretanto, esta combinação não se dá. No passado, a sociedade
brasileira se organiza essencialmente em termos de uma combinação de núcleos
urbanos dependentes do comércio internacional e da administração centralizada
do pais, e populações rurais vivendo de produtos de exportação, da produção
para o abastecimento dos centros urbanos, ou simplesmente vegetando em zonas
decadentes que, um dia, tiveram a glória dos grandes ciclos do açúcar, do
ouro e mais tarde do café. Nesta sociedade, a educação como forma de mobilidade
social é uma possibilidade remota. Seu melhor exemplo, talvez, são os jovens
de famílias pobres que buscam as carreiras eclesiásticas, e tratam assim
de escapar das limitações de seu berço. Para os filhos das classes altas,
as profissões liberais clássicas - o direito, sobretudo, e também a medicina
- são formas de fazer a transição da vida do campo para a vida da cidade.
Enviando seus filhos para as escolas de direito de São Paulo e Recife, para
as faculdades de medicina do Rio e da Bahia, para a Universidade de Coimbra,
no século XVIII, é mais tarde para a Bélgica e França, as famílias mais
ricas do país formam uma classe política culta, sofisticada, que passa a
habitar as capitais é preferir o mundo urbano, ainda que sem abandonar suas
bases rurais.(2)
O Estado brasileiro não é simples agregado desta elite. Ele têm origens
fortes na tradição burocrático-patrimonial portuguesa, que chega em peso
ao Brasil com a Corte dê D. João, é já vinha se instalando nos séculos anteriores.
Para esta burocracia, a educação, a ciência é a técnica são instrumentos
úteis para a consolidação e fortalecimento dê seu poder. É ela que traz
para o Rio de Janeiro a Academia Real de Guardas-Marinhas, e instala, logo
após, a Academia Real Militar, que daria origem à Escola Politécnica do
Rio de Janeiro(3). O Estado forma seus marinheiros,
seus oficiais e seus engenheiros, enquanto que as oligarquias de base rural
formam seus médicos é advogados. Não é por coincidência que as duas escolas
de direito e uma das escolas de medicina tenham sido instaladas, ainda por
D. João, fora da capital do país (em São Paulo, Recife e Salvador, respectivamente).
Além das academias militares e de engenharia, e da sua escola de medicina,
o Rio de Janeiro é sede de algumas instituições de pesquisa, todas bastante
pragmáticas em seus objetivos iniciais: o Real Horto, pensado inicialmente
como jardim de aclimatação, e que daria origem ao Jardim Botânico; o Real
Gabinete de Mineralogia, que seria o embrião do Museu Nacional; e um Laboratório
Químico-Prático, que não teria maiores desdobramentos.
Esta divisão de trabalho inicial - o Estado formando e estimulando as atividades
técnicas e práticas, e as classes altas formando os homens cultos e os profissionais
liberais - não resistiria, no entanto, à evolução histórica pela qual o
Brasil estaria destinado a passar. Apesar da mentalidade mercantilista trazida
pela família real portuguesa, pouco havia para ser feito pela administração
como atividade econômica, além de taxar o comércio que circulava pelos portos
do país. Não havia minérios nobres a explorar, a agricultura já se realizava
de forma autônoma nas plantações de açúcar é café, é nem guerras significativas,
além dos conflitos no Prata, eram possíveis. A vida na corte, por outro
lado, atraía os homens mais bem dotados é de mais posses das famílias oligárquicas,
que encontravam na politica uma forma nobre de exercer seus dotes e sua
cultura. Dentro de seus limites estreitíssimos, o Império se organiza como
uma monarquia constitucional européia, com os partidos Conservador e Liberal
se sucedendo nos gabinetes, e a cultura e a ciência sendo estimuladas pelo
monarca ilustrado. É neste clima que o Gabinete de Mineralogia se transforma
em museu, em que se cria um Observatório Astronômico, o Instituto Histórico
e Geográfico, a Comissão Geológica do Império, e várias outras instituições.
A atividade científica se faz, essencialmente, por naturalistas estrangeiros
que são atraídos pelo apoio imperial - Cruls, Morize, Hartt, Derby, Goeldi
e vários outros -, enquanto que as escolas superiores reproduzem, à sua
maneira, o ambiente politizado dos centros culturais europeus, com a criação
de fraternidades secretas e a difusão do positivismo e do pensamento republicano
e liberal.
Centro cultural e político do pais, o Rio de Janeiro vai, no entanto, perdendo
para São Paulo as iniciativas na área econômica, e, também, na área de pesquisa
científica de vocação mais aplicada. Com o início da República, são as instituições
paulistas que passam, cada vez mais, ao primeiro plano, enquanto que os
centros de pesquisa imperiais entram em decadência. A Escola Politécnica,
o Instituto Agronômico de Campinas, a Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de São Paulo, o Museu Paulista, o Instituto Bacteriológico de São
Paulo, todas estas instituições datam de antes de 1900, e atestam o vigor
com que São Paulo busca assumir a liderança da atividade científica e educacional
na nova era de descentralização. A Faculdade de Medicina, que introduz pela
primeira vez no pais o regime de tempo integral para seus professores, o
Instituto Butantã, que adquire prestígio internacional, e mais tarde o Instituto
Biológico, são os marcos mais importantes deste esforço de criação de uma
ciência moderna, dotada de recursos que a riqueza do café permitia, e orientada
para as necessidades práticas de uma economia em expansão.(4)
Os limites destes desenvolvimentos estavam dados, no entanto, pela própria
natureza da expansão econômica paulista, baseada na monocultura do café,
que não lhe dava uma base social mais ampla sobre a qual uma política científica
e educacional mais forte pudesse se assentar. O Rio de Janeiro, enquanto
isto, continua como a capital cultural do país, onde os grandes problemas
são discutidos, e as grandes políticas são buscadas. É no Rio de Janeiro
que surge, já no início do século, a reação intelectual ao positivismo,
no ambiente da Escola Politécnica, e que seria responsável por trazer ao
Brasil uma visão totalmente nova a respeito da natureza da atividade de
pesquisa e da organização da vida universitária. É no Rio que se organiza
a Academia Brasileira de Ciências e a Associação Brasileira de Educação,
que teriam um papel fundamental em um amplo processo de discussão nacional
a respeito da organização do sistema educacional e científico do país. É
no Rio, acima de tudo, que se organiza o Instituto de Manguinhos, que passa
de um simples centro de combate a doenças ambientais a um centro de pesquisa
científica de padrão e prestígio internacional, e que forma toda uma geração
de pesquisadores que iriam, mais tarde, guarnecer as principais instituições
de pesquisa de São Paulo, Minas Gerais e outros estados.
A Revolução de 30, que traz consigo uma nova centralização do poder político
nacional e o afastamento de São Paulo do centro principal de decisões, provoca
nova inversão da situação. Enquanto que no Rio a centralização e burocratização
que irradiam do poder central minam progressivamente todas as tentativas
de organização de uma atividade científica e universitária mais autônoma
e independente - processo que afeta o Museu Nacional, o Instituto Manguinhos,
a Universidade do Distrito Federal - de tão curta vida - e outras instituições,
é para São Paulo que se transfere o centro das preocupações com uma universidade
de novo tipo, que pudesse ter um papel significativo e próprio no desenvolvimento
do país. Enquanto a Universidade do Brasil mal consegue se manter sob a
legislação detalhista da chamada Reforma Francisco Campos, e a UDF não consegue
se firmar, a Universidade de São Paulo se organiza de forma radicalmente
nova em relação a toda a experiência anterior brasileira, e se firma como
a instituição de ensino superior e de pesquisa mais importante do país.
As instituições analisadas nestes ensaios são todas do período Pós 1930
chegando inclusive á época contemporânea. Todas elas refletem, cada qual
á sua maneira, esta característica constante do Rio de Janeiro, de ser o
centro de grandes concepções e grandes projetos de âmbito nacional. A Universidade
do Distrito Federal, analisada em suas origens por Antônio Paim, é importante
não tanto pelo que ela chegou a produzir, que foi muito pouco, mas pelo
que ela representava como culminação de um longo processo de discussão a
respeito da natureza da universidade brasileira, que se opunha, em sua filosofia,
ao preconizado pela Reforma Francisco Campos e por toda a legislação brasileira
de educação superior até época bastante recente-. Podemos perceber melhor
a importância do estudo de Paim se atentarmos para a linha de continuidade
que une esta experiência da década de 30 com a Universidade de Brasília,
dos anos 60, e com a Reforma Universitária adotada em todo o país, a partir
de 1968. O outro grande projeto alternativo da época foi o dos intelectuais
católicos agrupados no Centro Dom Vital, que é analisado, em sua história,
no trabalho de Tânia Salem. Ainda que o movimento católico se colocasse,
em muitos aspectos, nas antípodas do movimento pela Educação Nova, liderado
por Anísio Teixeira, ambos compartiam o ideal de uma universidade autônoma,
auto-regulada e independente da tutela do Estado. Não deixa de ser irônico
que o sucesso do movimento católico, com a criação da PUC, tenha sido uma
vitória de Pirro, na medida em que esta universidade termina por se distinguir
pouco do restante do sistema universitário brasileiro do pós-guerra, ao
qual teve que ir se adaptando em razão de seu próprio sucesso.
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, estudados por Maria Clara Mariani, são de certa maneira,
uma continuação da tradição de Anísio Teixeira, e a tentativa mais importante
feita até então no país de institucionalização da pesquisa social. Suas
ambições são também bastante amplas. O que se busca não é a consolidação
da pesquisa enquanto tal, mas a elaboração de uma "radiografia"
social do Brasil, que pudesse dar margem para uma política de transformação
social profunda do país. Uma parte importante desta política se faria, necessariamente,
através do sistema de ensino, e é por isto que os pesquisadores do INEP
se envolvem tanto nas disputas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
e, mais tarde, na organização da Universidade de Brasília. A conseqüência
desta vocação é, paradoxalmente, o fracasso. Pelo INEP passaram muitos dos
principais pesquisadores sociais do país, que mais tarde se transferiram
para outras instituições, mas o próprio instituto não conseguiu se consolidar.
É importante notar que, no início dos anos 60, o instituto já perdera sua
importância como órgão de pesquisa ou de apoio à atividade acadêmica, antes,
pois, da decadência que inevitavelmente se produziu após 1964.
Os últimos dois ensaios examinam dois programas de ensino e pesquisa mais
recentes, de grande vitalidade, que se destacam no ambiente da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, ex-Universidade do Brasil. O Instituto de Biofísica
é analisado por Maria Clara Mariani do ponto de vista de seu fundador e
mentor intelectual, Carlos Chagas Filho. Ele é exemplo de uma estratégia
bastante distinta da grande maioria dos centros de pesquisa e formação científica
no país: uma estratégia voltada especificamente para a busca da qualidade
científica, e baseada na busca de uma posição excepcional para o instituto
dentro do quadro institucional da universidade.
Neste sentido, existem muitas semelhanças entre o Instituto de Biofísica
e a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia, a COPPE, analisado
por Márcia Nunes, Nadja Souza e Simon Schwartzman. Ambas instituições possuem
uma liderança pessoal fortemente marcada, e ambas conseguem uma posição
privilegiada no contexto universitário. No caso da COPPE, esta posição foi
obtida graças a novas fontes de financiamento para a pesquisa que surgiram
no país após 1965, com a criação do Fundo de Tecnologia do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico. Duas diferenças, no entanto, são marcantes.
A primeira é que o Instituto de Biofísica consegue estabelecer uma relação
não conflitiva com a universidade, o que não é o caso da COPPE. Esta pode
ter sido, talvez, uma diferença de estilo das respectivas lideranças. Mais
significativo, no entanto, é o fato de que o Instituto de Biofísica se organiza
a partir de uma tradição científica importante no Brasil, que é a tradição
de pesquisas biológicas do Instituto Manguinhos, enquanto que a COPPE tem
um projeto muito mais difícil e ambicioso, que é trazer para o Brasil uma
tradição inédita de pesquisa tecnológica. Além desta falta de tradição,
a pesquisa tecnológica é muito mais dependente que a pesquisa biológica
da existência de todo um projeto governamental de desenvolvimento da tecnologia
nacional que, no entanto, não se deu. Enquanto o Instituto de Biofísica
se institucionaliza como um centro de pesquisa acadêmico, o destino da COPPE
é se integrar ao sistema universitário como programa convencional de engenharia,
com ênfase em engenharia civil, com um padrão significativo de qualidade
mas com ambições bastante reduzidas em relação aos projetos iniciais.
A visão conjunta destes diversos projetos e de seus destinos permite ver
quão árdua tem sido, no Brasil, a tarefa de criação de uma tradição de competência
científica e de um sistema universitário onde a ciência pudesse ter o seu
lugar. Não faltaram projetos ambiciosos, nem momentos em que estes projetos
pudessem encontrar recursos econômicos e políticos suficientes para que
fossem bem iniciados. Faltaram, no entanto, outros elementos muito importantes.
Uma das principais ausências foi a de um grupo socialmente significativo
que visse na atividade científica um objetivo digno de ser buscado e perseguido
por seus méritos próprios. O estudo de Antônio Paim sobre os antecedentes
da Universidade do Rio de Janeiro mostra a existência de um pequeno núcleo,
organizado ao redor da Academia de Ciências, que tinha esta visão; outro
grupo significativo é o da tradição biológica iniciada por Manguinhos. Mas
estes eram setores muito restritos em número, e a visão que tratavam de
difundir a respeito da organização universitária e da atividade científica
era, principalmente, fruto de seus contatos culturais e intelectuais com
a Europa. A pesquisa científica e o ideal de uma universidade autônoma e
auto-orientada eram valores de uma pequena elite ilustrada, e não a aspiração
de setores mais amplos da própria população do país.
A outra ausência importante foi a de um contexto universitário que desse
guarida à atividade científica. As duas correntes em prol de uma atividade
autônoma e auto-regulada estudadas neste volume fracassaram em seus objetivos
centrais, na medida em que o que se consolidou no Brasil, cada vez mais,
foi o sistema de ensino de tipo napoleônico, de faculdades profissionais
controladas e reguladas pelo governo central. Este sistema não estimula
a competição entre centros de pesquisa, e faz com que as carreiras universitárias
tendam a se esclerosar em posições vitalícias conquistadas por exames ou
concursos públicos, onde a pesquisa como atividade continuada não tem maior
importância. A outorga de títulos reconhecidos pelo governo é o grande objetivo
de todos que passam por este tipo de universidade, na medida em que estes
títulos garantem um status legal ao qual corresponde uma expectativa conhecida
de remuneração. A UDF, a Universidade de Brasília, a USP, as diversas instituições
estudadas neste volume e, de uma forma geral, a própria reforma universitária
de 1968, foram tentativas de sair da estrutura do sistema napoleônico em
favor de uma concepção mais dinâmica e aberta da atividade universitária.
Mas as vicissitudes destas experiências parecem indicar que a persistência
do modelo antigo é muito grande.
A ausência de um grupo social significativo que se interesse pela atividade
científica, e a ausência de um sistema educacional apropriado para abrigar
e estimular este interesse, se combinam com uma terceira falha importante,
que é a situação de dependência tecnológica do país. Esta dependência ocorre
na área da tecnologia industrial, tanto quanto na de tecnologia biológica,
médica e social. A reversão desta situação depende de um projeto político
governamental a longo prazo que ainda não se esboçou com suficiente claridade,
e isto coloca limites bastante sérios quanto às possibilidades de expansão
e consolidação da atividade científica e tecnológica no país.(5)
Finalmente, tem faltado, na maioria das experiências de desenvolvimento
institucional na área científica e educacional, uma visão clara de como
a atividade científica se organiza, e de que elementos ela precisa para
sobreviver e se reproduzir. Esta visão tem estado ausente não somente dos
governantes, mas também de muitos que se envolveram na criação de programas
e instituições com idéias demasiado claras sobre os produtos que a pesquisa
deveria produzir, e demasiado obscuras sobre o caldo de cultura que ela
precisa para viver. As histórias bem sucedidas são histórias geralmente
curtas, de períodos em que lideranças marcantes foram capazes de impor seu
entusiasmo, e isolar suas instituições do peso do meio ambiente. O problema
mais sério das instituições científicas e universitárias brasileiras não
é tanto o do surgimento destas lideranças e destas formas de isolamento,
dos quais temos já vários exemplos, mas, principalmente, o da consolidação
destas instituições através do tempo. E aí, na institucionalização e reprodução,
que a maioria das experiências fracassam.
O volume e a densidade das atividades científicas e tecnológicas e do ensino
de pós-graduação no Brasil, dos dias de hoje, podem fazer com que estes
ciclos de ascensão e decadência deixem de ser obrigatórios. Um conhecimento
mais íntimo de algumas das experiências do passado mais ou menos recente,
que este volume proporciona, pode ajudar a encontrar a chave para o entendimento
de até onde podem ir, ou não, as instituições científicas e as universidades
brasileiras.
Notas
1. Veja, entre outros, Alexandre S.C. Barros, "A
Formação das Elites e a Continuação da Construção do Estado Nacional Brasileiro",
Dados 15, 1976; Joseph Ben-David The Scientist's Role in Society,
New Jersey, Prentice Hail, 1971; Joseph Ben-David, Centers of Learning:
Britain, France, Germany, Berkeley, the Carnegie Commission on Higher
Education, 1977; Robert Gilpin, France in the Age of the Scientific
State, New Jersey, Princeton University, 1968; U. Hashimoto, "A
Historical Synopsis of Education and Science in Japan from the Meiji Restoration
to the Present Day", The impact of Science in Society 13,
1, 1963; Simon Schwartzman, "Universidade, Ciência e Subdesenvolvimento",
Dados 19, 1978, (republicado em Universidade, Ciência e Ideologia:
A Política do Conhecimento, Rio de Janeiro, Zahar, 1981).
2. Sobre os padrões de educação das elites brasileiras
no século XIX, ver José Murilo de Carvalho, A Construção da Ordem: A
Elite Política Imperial, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1980.
3. Ver a este respeito Tjerk Guus Franken, "Cronologia
da Ciência Brasileira (1500-1945)", em Simon Schwartzman. Formação
da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo, Cia. Editora Nacional,
Finep, 1979, apêndice 1.
4. Para uma análise aprofundada a respeito destes desenvolvimentos,
ver S. Schwartzman, op. cit.
5. Para uma visão ampla da questão, ver Fábio Stéfano
Erber, "Science and Technology Policy in Brazil: A Review of the Literature",
Latin American Research Review, XVI, 1, 1981, p 3-56.
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