POR UMA UNIVERSIDADE NO RIO DE JANEIRO *

Antônio Paim

Publicado em Simon Schwartzman, organizador, Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro, Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 1982, pp. 17-96

Em Busca de uma universidade brasileira
1. Antecedentes da idéia de universidade na cultura brasileira
O modelo pombalino de universidade

A oposição positivista à idéia de universidade

Primórdios do germanismo pedagógico
2. Nova acepção da universidade como parte da reação ao positivismo

3. A Academia Brasileira de Ciências

4. Associação Brasileira de Educação

5. A questão da universidade e a ABE
As funções da universidade

Níveis de autonomia

O governo da universidade
Desfecho inesperado. A Reforma Francisco Campos e sua execução
1. Inflexão no papel atribuído à universidade

2. A busca de novos objetivos

3. Universidade sem função
Expectativa não confirmada

A Universidade Técnica Federal

A universidade reformulada

A Retomada da idéia original e suas conseqüências
1. Uma experiência pioneira: a Escola de Ciências da UDF

2. A organização da Faculdade Nacional de Filosofia
O estilo de trabalho da nova faculdade

Resultados assinaláveis
3. Marco de um novo ciclo: a autonomia da universidade
Balanço e conclusão

Apêndice

Apresentação

Afonso Pena Junior (1879/1968)

Alfred Schaeffer (1879/1957)

Álvaro Osório de Almeida (1882/1952)

Anísio Teixeira (1900/1971)

Antônio Augusto de Azevedo Sodré (1864/1929)

Athos da Silveira Ramos (nascido em 1906)

Domingos Artur Machado Filho

Emanoel de Azevedo Martins (nascido em 1907)

Fernando de Azevedo (1894/1974)

Gustavo Mendes de Oliveira Castro (1904/1978)

Heitor Lira da Silva (1879/1926)

Hermann Lent (nascido em 1911)

Hugo de Souza Lopes (nascido em 1909)

Inácio Manoel Azevedo do Amaral (1883/1950)

João Moojen de Oliveira (nascido em 1904)

Joaquim Costa Ribeiro (1906/1960)

José Lacerda de Araújo Feio (1912/1973)

José Leite Lopes (nascido em 1918)

Lauro Travassos (1890/1970)

Lélio Gama (1892/1981)

Levi Carneiro (1882/1971)

Licínio Cardoso (1852/1926)

Luiz Freire (1896/1963)

Luiz Emídio de Melo Filho (nascido em 1913)

Manoel Amoroso Costa (1885/1928)

Manoel Lourenço Filho (1897/1970)

Miguel Osório de Almeida (1890/1953)

Newton Dias dos Santos (nascido em 1916)

Oswaldo Frota Pessoa (nascido em 1917)

Raul Leitão da Cunha (1881/1947)

Roberto Marinho de Azevedo (1878/1962)

Vicente Licínio Cardoso (1890/1931)

Teodoro Ramos (1895/1935)

Viktor Leinz (nascido em 1904)

Em Busca De Uma Universidade Brasileira

A transformação da universidade medieval, para introduzir em seu seio a ciência moderna, é, como se sabe, processo extremamente longo e complexo. No caso de Portugal, o Marquês de Pombal promoveria, em 1772, uma reforma que de certa forma antecipa o problema, em relação às adaptações posteriormente introduzidas na universidade européia. Em Portugal, a universidade tradicional seria virtualmente destruída A singularidade do evento consiste no fato de que a nova instituição estaria voltada para a ciência aplicada. Trata-se agora de formar uma elite renovada, apta a identificar as riquezas naturais do Reino e explorá-las. A nova universidade é encarada como uma peça essencial ao projeto de tornar Portugal uma nação rica e próspera. Escapa à reforma a compreensão da ciência como saber desinteressado e busca da verdade.

 A geração de doutores pombalinos, que acabou chegando ao poder depois de sua morte, a despeito das tentativas de eliminar sua presença na história de Portugal, evoluiria na verdade para prescindir da universidade como instituição unitária e integrada, dando preferência ao ensino de nível superior em estabelecimentos isolados Esse modelo seria adotado abertamente no Brasil, com a transferência da família real, e preservado após a Independência. Mais tarde o menosprezo pela universidade seria fundamentado pelos positivistas. De sorte que, à tradição anterior, somar-se-ia a conceituação da universidade como elitizante e promotora de saber ornamental, par uma facção ascendente da intelectualidade brasileira.

Em vista dessa circunstância, o ensino superior brasileiro evitaria o modelo universitário ao longo do Império e nas primeiras décadas da República, de tal modo que defesa da idéia de universidade acabaria sendo um prolongamento da luta que se travou contra os positivistas na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Os porta-vozes da nova orientação promoveriam o entendimento da universidade como o lugar da ciência, que a experiência sugeria não ser imprescindível quando se tratava apenas da formação profissional. Aos precursores somam-se logo diversos outros segmentos da intelectualidade. Assiste-se ao movimento liderado pela Associação Brasileira de Educação.

Em que pese pretender-se agora introduzir a pesquisa como núcleo da instituição por tanto tempo desprezada, o movimento não dispõe de um conceito unívoco de ciência. Na obra de Amoroso Costa, por exemplo, aparece a idéia de que a ciência não se constitui apenas da parte que se encontra feita e conclusa, mas compreende igualmente a efetivação da pesquisa. Mas não se pode dizer que essa idéia fosse generalizada. Na verdade, semelhante entendimento da ciência seria introduzido mais tarde, no Brasil, pelos professores estrangeiros contratados nos anos trinta.

 Tampouco se pode dizer que Amoroso Costa e seus seguidores mais próximos tivessem uma idéia clara dos caminhos a seguir para implantar a pesquisa, notadamente no que respeita à física, desde que em outros domínios o país acumulara alguma tradição.

 O curso histórico iria suscitar um desfecho inesperado para esse movimento em decorrência da Revolução de 30. O novo governo adota a universidade como modelo a ser aplicado ao ensino superior. Essa formulação, contudo, estava longe de corresponder - como o processo de sua execução o evidenciaria de modo insofismável - ao projeto acalentado no decênio anterior.

Nesse ambiente é que se situa a experiência da Universidade do Distrito Federal, considerada na presente análise.

É sabido que a contribuição decisiva para a institucionalização da pesquisa na universidade brasileira, notadamente no que respeita à física que era o terreno novo a ser desbravado, se deve à criação da USP e à ação desenvolvida pelo professor Gleb Wataghin. No mesmo sentido atuaram os grupos que se achavam voltados para a pesquisa biológica e química. Assim, o propósito da presente análise não consiste em negar essa verdade histórica, mas apenas em promover uma compreensão mais aprofundada e abrangente do mesmo processo, valorizando a experiência desenvolvida no Rio de Janeiro em prol da institucionalização da pesquisa na universidade, o que afinal iria se consumar com a absorção da UDF pela Universidade do Rio de Janeiro, mediante a criação da Faculdade Nacional de Filosofia.

Antecedentes da idéia de universidade na cultura brasileira

A Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, levada a cabo em 1772, e a maneira pela qual se deu início à organização do ensino superior com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, marcaram em definitivo a posição que a cultura brasileira iria adotar em relação à universidade. Pombal pretendeu desfechar um golpe de morte contra o verbalismo da cultura portuguesa e fez da universidade, voltada para a ciência aplicada. seu principal instrumento. Os homens que cercavam D. João VI e tiveram a missão de implantar as instituições de cultura, inexistentes na Colônia, haviam sido formados na nova mentalidade e prescindiam de todo da universidade. O menosprezo pela instituição, subjacente a semelhante atitude, iria finalmente explicitar-se com a ascensão do positivismo. Já agora a universidade é combatida como elitizante e promotora de saber ornamental. De sorte que somente na década de vinte deste século, como parte do processo de crítica e superação do positivismo é que iria emergir nova e valorativa acepção de universidade, entendida então como o lugar da ciência.

O modelo pombalino de universidade

Na Reforma de 1772, o ensino universitário subdividiu-se desta forma: ciências teológicas (Faculdade de Cânones e de Leis) e ciências naturais e filosóficas (Faculdade de Medicina, de Matemática e de Filosofia). A filosofia fora reconceituada e era entendida como conhecimento da natureza e ao instituto que levava o seu nome incumbia formar agrônomos, botânicos, naturalistas, mineralogistas e metalurgistas. As ciências naturais assim identificadas constituíam o cerne da universidade. Cuidou-se de que seu ensino estivesse voltado para a aplicação. Com vistas a esse objetivo, as novas faculdades foram dotadas de observatório, gabinete de física, laboratório químico e jardim botânico. Foram contratados famosos professores italianos como Domingos Vandelli, Miguel Antônio Ciera, Miguel Franzini, Simão Gould e Luis Chichi. Graças a essa reviravolta, ao alvorecer do século, Portugal já reunia numeroso grupo de naturalistas de reconhecido prestígio na Europa.

A ciência passa, em Portugal, a ser identificada com o saber da natureza colocado a serviço do processo material. Expressa-o de modo claro José Bonifácio de Andrada e Silva (1763/1838) que chegou a se tornar figura das mais representativas da Academia de Ciências, de que foi secretário. Na Memória sobre minas de carvão e ferrarias de Foz de Alge, em Portugal (1813)[1] escreve:
"Se o Pais é estéril em produtos agriculturais, como a maior parte de nossas vastas serranias e charnecas; se as fábricas têm obstáculos quase intransponíveis para se porem em concorrência com os estrangeiros, como entre nós sucede; que outro modo mais natural e seguro terá uma nação para não empobrecer e despovoar-se, do que a lavra em grande dos seus minerais, com que a Providência a quis dotar?... Se a Rússia e a França se enriqueceram de novo tanto, com a lavra de suas minas, quem proíbe a Portugal enriquecer-se do mesmo modo? Pão, pólvora e metais são quem sustenta e defende as nações: e sem eles de próprio fundo, é precária a existência e liberdade de qualquer Estado".
A ciência é precisamente o elemento requerido para promover a nova riqueza mediante a adequada utilização dos recursos naturais disponíveis. Esse caráter da ciência atravessa toda a obra de José Bonifácio, como de resto dos outros naturalistas brasileiros tornados famosos no período. Assim, por exemplo, na Memória sobre a pesca da baleia e extração de seu azeite (1790) teria oportunidade de afirmar que "os homens comuns assentam consigo que as coisas comuns não entram na repartição das ciências; e assim a arte de fazer fornalhas parece-lhes coisa vulgar, e de qualquer estúpido pedreiro; mas, contudo, bastante conhecimentos físicos requer. Em Santa Catarina, onde se acha fundada a maior armação do Brasil, há pela menos 20 caldeiras com outras tantas fornalhas respectivas; mas se os primeiros construtores alguma coisa soubessem mais da física e química do fogo, todas elas estariam reduzidas a cinco, quando muito."[2] Os exemplos poderiam ser multiplicados.

Desse modo, a geração formada pela universidade pombalina estava preocupada exclusivamente com a formação técnica. E somente desta iria cuidar no Brasil feito sede da Monarquia.

Para atender à defesa militar, criaram-se a Academia da Marinha, em 1808, e a Academia Real Militar, em 1810. A formação de médicos e cirurgiões foi também desde logo encetada, abrindo-se sucessivamente cursos de cirurgia e anatomia, logo ampliados, em 1813, no Rio de Janeiro e na Bahia, para constituir a ensino médico propriamente dito. As atividades econômicas foram igualmente contempladas: organizam-se cursos de Agricultura (1812) e de Química, este compreendendo química industrial, geologia e mineralogia (1817). O sistema iria depois ser completado com a Academia de Artes (1826) e as Academias de Direito (1827).

Essa opção por institutos isolados, de inegável cunho superior,[3] não deixa de ser algo de inusitado, porquanto a tradição européia consistia em reunir os vários institutos em torno do Colégio das Artes, que preparava os estudantes para a matricula nas faculdades e, supunha-se, assegurava a unidade da instituição. A estruturação destas, isoladamente, criou a necessidade do vestibular, então inexistente, e, ao longo da prática ulterior, os chamados cursos anexos.

Chegou-se a supor que a administração portuguesa se opunha à iniciativa, o que pode não corresponder à realidade. Pelo menos tem-se noticia de que José Bonifácio de Andrada e Silva teria voltado ao Brasil, atendendo a convite de D. João VI, para assumir a reitoria do Instituto Acadêmico, denominação que era dada à universidade que se cogitava de fundar no Rio de Janeiro. A providência seria postergada, mas José Bonifácio lança a idéia nas instruções aos deputados paulistas, eleitos para participar das Cortes de Lisboa. Essa universidade cogitada por José Bonifácio constituía-se de três Faculdades: Filosofia, Jurisprudência e Medicina. Distinguia-se da universidade portuguesa reformada por Pombal pela eliminação das Faculdades de Cânones e Teologia, o que parece indicativo do avanço da mentalidade laica no meio século transcorrido. Além disto, a Faculdade de Filosofia subdividia-se em três seções: ciências naturais, filosofia racional e moral e ciências matemáticas. Mantém-se inalterada a acepção de filosofia, eliminando-se o ensino da matemática em instituto autônomo e integrando-o diretamente nos cursos de formação dos especialistas em mineralogia, metalurgia, botânica e agronomia. As Cortes não considerariam a providência.

 Com a Independência, reaparece a idéia de universidade, desta vez em projetos de lei submetidos primeiro à Constituinte e depois à Assembléia, ambos da autoria de homens de grande ilustração. A proposta de sua criação, apresentada à Constituinte, em 1823, denominando-a Instituto Brasílico, seria de Câmara Bethencourt e Sá (1762/1835), mineralogista e metalurgista famoso, mais conhecido como Intendente Câmara, da Distrito Diamantino. O reaparecimento da iniciativa, em 1826, deve-se a Januário da Cunha Barbosa (1780/1846), que a chamou de Instituto Imperial do Brasil. O Cônego Cunha Barbosa fora professor de filosofia no Rio de Janeiro, optando pela militância política. Mais tarde tomaria a seu cargo a fundação do Instituto Histórico.

 A nova elite dirigente não vislumbrou qualquer vantagem na criação da universidade, prevalecendo o sistema da formação profissional em faculdades isoladas, espalhadas em diversas partes do território nacional.

 Assim, a idéia de universidade, que poderia eventualmente ser associada a outra forma de entendimento tanto da filosofia como da ciência, foi arquivada por largos decênios. O interesse que volta e meia se dedicava à instituição tinha evidentes intuitos centralizadores. Limpo de Abreu, Visconde de Abaeté (1798/1883) ministro do Império em 1837, escrevia em seu relatório:
"A conveniência de fundar os estabelecimentos de ensino de que tenho tratado e de formar, com outros já existentes, uma só corporação científica com o título de universidade, foi-nos largamente demonstrada em um dos anteriores relatórios da repartição interinamente a meu cargo.

 Não repetirei, pois, aqui a que então se disse sobre este assunto, deixando à vossa prudência e sabedoria darem o justo valor às razões expendidas; é, porém, de meu dever a lembrar-vos a absoluta precisão de criar-se uma autoridade, individual ou coletiva, a quem não só se incumba a tarefa de vigiar sobre as doutrinas ensinadas à mocidade, mas também se dá mais influência a respeito dos lentes e certa jurisdição correcional para compelir o aluno ao cumprimento de suas obrigações escolásticas e manter a necessária decência, respeito e subordinação." [4]
Refere o mesmo documento à opinião de Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795/ 1850), como ministro do Império em 1839, segundo a qual a vantagem de todos reconhecida na criação da universidade, embora a tanto não se reduzisse, residia em colocar lentes e alunos "debaixo das vistas imediatas do Governo Geral."

Parece escapar à regra centralizadora o projeto de criação de uma universidade na capital do Império, "composta de quatro Faculdades: Direito, Medicina, Ciências Naturais e Matemática e Teologia" apresentado em 1870 por Paulini de Souza (1834/1901), ministro do Império. Tratava-se, contudo, da simples agregação de faculdades, sem atribuir à instituição qualquer nova missão que a dignificasse, embora o ministro fizesse profissão de fé em favor da liberdade de ensino.

A última iniciativa do Império na matéria é de cunho eminentemente centralizadora. Trata-se do Projeto Homem de Melo (1881). Apreciando-o, Roque Spencer Maciel de Barros afirmaria que o
"Ministro faz da Universidade da Corte o centro de todo a ensino da pais, mas, por outro lado, subordinando-o totalmente a um Conselho Superior de Instrução Publica, que por sua vez fica completamente subordinado ao ministro. - Enfim, desde as questões mais genéricas às mais particularizadas, é o Conselho, isto é, o ministro da Império, que opina e decide. O que escapa à alçada desse órgão cai sob a jurisdição do Conselho Universitário, onde não é menor a força do ministro".
A preocupação fiscalizadora vai ao ponto de incumbir a Conselho Universitário de "censurar previamente os discursos a serem lidos nas solenidade de colação de grau em cada Faculdade e de dar parecer sabre programas de ensino, compêndios, horários das lições, pontas de exame, etc. As congregações podem apenas propor estas medidas ao Conselho. Conclui Maciel de Barros: "Fastidioso seria a exame de outros parmenores da organização administrativa da Universidade, mesmo parque já vimos o essencial e é bastante para que se perceba o caráter centralizador da projeto, com todo o ensino oficial praticamente nas mãos do ministro.”[5]

Ainda que na última Fala da Trono se haja afirmado que "entre as exigências da Instrução Publica sobressai a criação de escolas técnicas e de duas universidades, uma no Sul e outra ao Norte do Império", extinguiu-se a monarquia sem que tivesse dado nascimento à instituição. Ao longo de todo o período mantém-se a convicção de que o ensino superior acha-se vinculado à formação profissional. A universidade que chegou a ser cogitada jamais teve outra incumbência além da agregação de faculdades isoladas. Não se logrou, assim, superar o modelo pambalino.

A oposição positivista à idéia de universidade

Augusto Comte (1718/1857) havia se pronunciado contra a ingerência oficial na educação, enquanto não se instaurasse o estado positivo. A propósito escreveria:
"O positivismo está longe de negar que o ensino deva ser regulado, embora estabeleça que esta organização não é ainda possível, enquanto durar o interregno espiritual, e que, quando ela tornar-se realizável, segundo o livre ascendente de uma doutrina universal, pertencerá exclusivamente ao novo poder intelectual e moral. Até lá, o Estado deve renunciar a todo sistema completo de educação geral."[6]
Nas condições de estado metafísico, em que supunha se encontrava a humanidade em seu tempo, a ensino em mãos de suas instituições resultava em obstáculo ao advento da nova situação. O insigne positivista brasileiro Luiz Pereira Barreto (1840/1923) iria escrever em sua obra de divulgação As Três Filosofias[7] que "a Igreja e a Academia, tais são, por toda parte, as duas grandes cúmplices que estão resolvidas a instruir-nos - embrutecendo-nos. É o ensino, emanado dessas duas corporações, que constitui a verdadeira fonte da corrupção dos nossos costumes sociais.” Dessa plataforma, de cunho eminentemente política, emerge a consigna da liberdade de ensino.

Vista mais de perto, a liberdade de ensino preconizada pelas positivistas não tem verdadeiramente este caráter, porquanto se trata de liberdade para o ensino da doutrina positivista, liberdade que é negada à instituição oficial apenas pela razão de que não ministraria aquela doutrina. Na estado positivo, confessa-se abertamente, a consigna será retirada. Em que pese este caráter falacioso, o argumento foi mobilizado para combater a idéia de universidade, que a muitos parecia devesse ser a inovação que à República incumbia introduzir no ensino.

Luiz Pereira Barreto abordaria especificamente o tema da universidade numa série de artigos publicados em A Província de São Paulo no ano de 1880. Esses artigos foram estudados por Roque Spencer Maciel de Barros em duas oportunidades.[8] Sua análise é retomada aqui a fim de resumir a linha de argumentação desenvolvida.

Pereira Barreto entende que para julgar qualquer fenômeno basta submetê-lo à lei dos três estados, que consistia no cerne da filosofia de Augusta Comte. Segundo esse princípio, a humanidade havia passado por uma fase teológica, a que se sucedera o ciclo metafísico. Na Época Moderna formaram-se os elementos requeridos para a constituição do estado positivo, etapa superior do curso de desenvolvimento da humanidade. Ao conceber a estrutura político-institucional da última fase, Comte inspirar-se-ia sobretudo na Idade Média, preconizando a formação de uma classe sacerdotal que exerceria a tutela da sociedade. Em vista dessa concepção a influência de suas idéias no Brasil deu-se sobretudo no sentido de nutrir o republicanismo autoritário. No caso particular, Pereira Barreto não advogaria semelhante ideário político, embora procurasse manter-se fiel ao positivismo, fidelidade de que é um exemplo expressivo sua critica à idéia de universidade, adiante referida.

Aplicando à instituição a lei dos três estados, Pereira Barreto acha que ela surgiu ambígua, num momento em que a teologia dominava, mas defrontando-se com o simultâneo desenvolvimento da metafísica. O seu ensino nasceria pois com essa marca: servir às duas filosofias. Com o advento da ciência, a universidade não se faria de rogada, dispondo-se a adotar uma terceira filosofia. Ora, argumenta enfático, três filosofias que se negam não podem viver pacificamente no mesmo organismo. As universidades passam então a ter uma existência puramente nominal, no sentido de que não servem a um senhor que lhe defina a face. É de nosso autor esta conclusão: "Ai se ensina a idolatrar o passado e a abominar o presente. Mas também o contrário. Ai se ensina que existe um Deus, que existem muitas, que não existe nenhum. Todas as contradições, todos os disparates ai encontram uma cadeira assalariada, um abrigo seguro e uma retórica certa. Trata-se, portanto, de um verdadeiro flagelo social".[9]

A conclusão não deixaria de ser chocante se se tratasse da autêntica liberdade de ensino. Entendendo-se esta liberdade como a coexistência de pontos de vista diversos, o retrato que dela nos pinta Pereira Barreto corresponde ao da instituição apta a assegurá-la.

Como se vê, a condenação decorre de uma posição eminentemente política, que se complica por achar-se estribada numa acepção de ciência que a coloca a serviço da transformação social.

Pereira Barreto representa o intelectual positivista que não iria aceitar a transformação da doutrina numa religião. Os que deram semelhante passo e congregaram-se em torno da Igreja Positivista também recusaram formalmente a idéia de universidade. A posição dessa parcela do positivismo brasileiro seria fixada por Raimundo Teixeira Mendes (1855/1927) no debate do Projeto Homem de Melo. Escreveria nessa oportunidade uma série de artigos na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, mais tarde reunidos no folheto A Universidade, que se reeditam nos começos da século para combater expressiva corrente de opinião em favor da criação da universidade, então estruturada, e que iria levar o Parlamento a demorado exame da questão.

 A linha de argumentação apresentada pela chefe da Igreja Positivista pode resumir-se da forma adiante apresentada.

A grandeza nacional exige a reforma da ensino. Mas a universidade não é solução adequada para promover aquela grandeza, eis a premissa maior. Assim, Teixeira Mendes vai encaminhar a discussão, estabelecendo, antes de mais nada, que a universidade não se inclui entre os elementos requeridos pela grandeza nacional. É interessante enumerar quais seriam esses elementos, segundo seu entendimento.

A grandeza nacional, diria Teixeira Mendes, depende da redução ao mínimo da massa de parasitas que exploram o trabalho proletário; da redução ao indispensável dos indivíduos úteis que, mantidos pelo proletariado, colaboram para a bem estar deste; enfim, da educação e moralização deste mesmo proletariado, para que passa possuir seu domicílio inviolável e uma verdadeira família, em que a mulher não seja obrigada a descuidar dos filhos para cuidar do sustento da casa. Portanto, a universidade não é requerida pela grandeza nacional.

Mas não se trata apenas de organismo desnecessário. A esse aspecto não se resume o problema. Ao contrário, corresponde a verdadeiro absurdo. Sua constituição somente poderia gerar como resultado a sistematização de nossa pedantocracia e o atrofiamento do desenvolvimento científico, isto é, aquele preconizado por Comte e com vistas ao terceiro estado. A tentativa basta para demonstrar a incapacidade política de nossos governos, referindo-se ao Império, porquanto seu combate é ao Projeto Homem de Melo.

 O governo brasileiro, sentencia finalmente, deve renunciar ao estabelecimento de um sistema de educação nacional. que só os positivistas seriam capazes de empreender, no momento oportuno. Enquanto tal oportunidade não se apresente, deve limitar-se a assegurar a instrução elementar, sem compromisso com qualquer das “filosofias” existentes, e a desenvolver o ensino especial (profissional) sem conceder privilégios aos que o cursarem.[10]

A argumentação positivista, coma se vê, tangencia o assunto. Em nome do regime ideal, volta-se as costas ao real. Na verdade, a problema do ensino propriamente dito não é sequer apontado.

 Apesar disso os positivistas lograram influenciar a maioria dos componentes dos órgãos decisórios e por isto mesmo são responsabilizados diretamente pelo abandono sistemático da idéia de implantar-se a universidade, nos decênios iniciais da República, pelo conhecido educador Isaías Alves. Abordando o assunto na década de vinte, escreveria: "Já é deveras um pouco tardio o movimento em prol da Universidade... Tivéssemos instituída as Universidades no começo do século e já teríamos passado o tempo de prova dos regulamentos e estaríamos com o serviço cultural iniciado. Foi mais um prejuízo que nos trouxe o positivismo ortodoxo pela voz de Miguel Lemos, que foi um dos espíritos dominadores do seu tempo em nosso pais, pouco rico de pensadores e filósofos. Agora, emendando o erro, é urgente realizar essa reforma de extraordinárias conseqüências para a vida da pais".[11]

 A acusação há de parecer bem fundada a quem consulte os documentos da discussão ocorrida no começo da século[12], desde que a oposição positivista acha-se presente em toda a linha. O deputado Gastão da Cunha, autor de um projeto criando a universidade, apresentado ao Parlamento em 1903, tenta contorná-la desta forma: "Ora, senhores, se bem entendi as causas da oposição do eminente filósofo (Comte), elas desaparecem em face das organizações universitárias modernas, que em nada mais podem lembrar aqueles institutos medievais, sem dúvida arcaicos e nocivos ao desenvolvimento intelectual de nossa época...". Gastão da Cunha lembra ainda que Émile Littré (1801/1881), a famoso discípulo de Comte que recusou a religião da humanidade, reconhecera o equívoco positivista nos seguintes termos: "Com a supressão das universidades queríamos abrir caminho ao ensino positivista. Laborávamos porém em engano, supondo estarmos na transição - divisória que julgávamos pouco espessa- para um futuro decisivo. Mas a divisória é muito menos tênue da que imaginávamos; e o desbastamento, que aliás nunca se pôde operar, teria sido muito mais danoso à instrução em geral, sem aproveitar em nada a doutrina que tínhamos em mente".[13]

A oposição positivista também foi atacada frontalmente, lembrando o deputado Sátiro Dias que “o respeitável senhor Teixeira Mendes ainda ontem capitulava a vacinação obrigatória de tão perversa quão irracional monstruosidade”, devendo se equiparar àquela tese a sua opinião de que a universidade não passa de formidável e audacioso atentado às aspirações nacionais em matéria de ensino.

De todos os modos, respeitou-se a interdição positivista. Tanto mais que, objetivamente, ia ao encontro de uma de nossas mais velhas tradições.

Primórdios do germanismo pedagógico

 Segundo se mencionou, nos começos deste século ocorre no país animado debate acerca da universidade. Mais tarde chegou-se a supor que, durante o seu curso, houvesse aflorado, granjeando aplausos, a acepção de universidade segundo o modelo alemão, isto é, o de uma instituição capaz de promover a formação de cientistas e pesquisadores, sem embargo do preparo de professores e de profissionais. Semelhante impressão não parece justificável, embora existisse certo germanismo pedagógico que compete caracterizar.

Algumas iniciativas em prol da criação da universidade surgiram na década de noventa. Entretanto, a questão somente assumiu feição melhor configurada graças ao apoio que lhe deu o ministro da Justiça e Negócios Interiores, José Joaquim Seabra, encarregando o professor Azevedo Sodré de elaborar o respectivo projeto, submetido à Câmara em 1903. A discussão arrastou-se até fins de 1904, quando a Comissão de Instrução Publica considerou prematura a sua instituição. Pronunciaram-se as congregações da Faculdade de Direito de São Paulo, da Faculdade Medicina da Bahia, da Faculdade de Direito do Recife, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e do Ginásio Nacional[14]. Num desses pareceres, o da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, afirma-se que o projeto Azevedo Sodré seria "modelado no regime das universidades alemãs”[15], opinião que seu autor referiria ao refazê-lo para incorporar as diversas sugestões. Posteriormente, na conferência que pronunciou acerca do ensino superior - e que seria incorporada ao inquérito sobre a questão universitária que se mencionará adiante - Rodrigo Otávio (1866/1944) afirma: “O projeto que o ilustre professor Dr. Azevedo Sodré apresentou em 1903 foi elaborado sob a molde dos institutos alemães”[16].

Semelhante opinião é de todo improcedente. O projeto Azevedo Sodré assim estabelece a principal função da universidade: "Ministrar a instrução secundária e superior por intermédio de suas faculdades, tenda em mira dar ao ensino um cunho eminentemente prático e profissional, e promovendo ao mesmo tempo, por um estímulo bem conduzido, pela emulação e distribuição de prêmios, o progresso das ciências no Brasil e a constituição de uma literatura científica nacional”. Para incompatibilizar semelhante enunciado com o modelo de universidade alemã bastaria a atribuição de "ministrar a instrução secundária”. Além disso, aquela universidade se consagrara por estimular a formação de homens de ciência e não apenas de profissionais.

A explicação para o equívoco estaria no que se denominou de germanismo pedagógico, vigente nas últimas décadas do século passado. Roque Spencer Maciel de Barros entende que, embora se falasse em universidade alemã, a instituição com que se simpatizava era a do privat-docent, aliás incorporada ao ensino superior brasileiro sem maiores vínculos com a inspiração original, isto é, a de promover a concorrência entre os docentes. O projeto Azevedo Sodré consagrava essa figura e, além disto, condicionava o exercício da profissão à realização do denominado Exame de Estado, vigente na Alemanha. Tais aspectos, contudo, não consubstanciam uma opção pelo modelo alemão de universidade vigente na período, isto é, por um instituto que assegura o desenvolvimento da ciência, em que pese cuide igualmente da formação profissional.[17]

 A idéia de que a universidade é o lugar da ciência constitui algo de muito tardia na cultura brasileira.

 2. Nova acepção da universidade como parte da reação ao positivismo

A idéia de universidade iria experimentar alteração radical na década de vinte, como um dos resultados da oposição ao positivismo iniciada na Escala Politécnica do Rio de Janeiro.

A influência do positivismo no período republicano não se restringiu ao aspecto antes apontado, encontrando ampla repercussão nos mais diversas setores.[18] Contudo, não vem ao caso examinar de forma abrangente essa questão, salvo no que respeita aos aspectos adiante enumerados.

O positivismo de Augusto Comte apresenta duas faces principais, sendo a primeira aquela que coloca a ciência a serviço da reforma social e virtualmente reduz o homem a puro mecanismo. O saber dessa esfera do real se define como física social. Nessa visão da pessoa humana é que se apoia a filosofia política positivista[19]. A discussão de semelhante ponto de vista foi efetivada por Tobias Barreto (1839/1889) que, para refutá-la, elaborou uma doutrina mais tarde denominada de culturalismo. Segundo Tobias Barreto, a homem não se deixa explicar a partir de simples causas eficientes, isto é, em termas de física social, porquanto se orienta por causas finais. A obra de cultura que foi capaz de erigir, afirma, escapa ao esquema determinista. Semelhante ponto de vista chegou a ser mais tarde retomado e aprofundado. Contudo, a refutação dessa parcela do comtismo não logrou alcançar maior sucesso no pais, ao contrário do que se verificou com a doutrina adiante apresentada.

A outra face do positivismo corresponde à sua acepção de ciência e de filosofia. Esta resumir-se-ia a uma síntese das ciências. Tobias Barreto poria igualmente em circulação o conceito neokantiano segundo a qual a filosofia seria um tipo de saber que não aumenta o conhecimento científico, acepção essa que permitiu o abandono das "filosofias sintéticas”, a exemplo do comtismo ou do evolucionismo, em prol de doutrinas melhor elaboradas. Contudo, a difusão de semelhante ponto de vista exigia, previamente, a refutação da própria acepção de ciência preconizada por Comte, o que requeria conhecimentos de que não dispunham os bacharéis de direito, partidários das idéias de Tobias Barreto. A questão acabou deslocando-se para a Escola Politécnica.

Para Augusto Comte, as ciências achavam-se constituídas, razão pela qual interdita a investigação de vários temas, rotulando-os de "metafísicos”, justamente o caminho pelo qual enveredou a nova física, A circunstância gerou natural insatisfação entre os cultores da ciência no pais que encetaram uma reação contra a influência do positivismo num de seus redutos principais: a Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Esse movimento foi iniciado por Otto de Alencar (1874/1912) e teve vários seguidores sendo Manoel Amoroso Costa (1885/1928) o mais destacado.

Balanceando a fase inicial dessa reação antipositivista, que abrange os dois decênios iniciais da século, Amoroso Costa iria assinalar que para Comte "a ciência fundamental está radicalmente esgotada com a construção da mecânica celeste, termo de sua evolução normal, nada justificando a invasão do domínio matemático pelas abstrações desprovidas de racionalidade e de dignidade, que nele fez prevalecer a anarquia acadêmica; só resta agora elaborar uma sistematização subordinada ao conjunto dos conhecimentos humanos."[20]

Decorre dessa doutrina estreita, prossegue Amoroso Costa,
"uma condenação das funções elípticas feita em termos tais que é licito presumir que a importância dessas funções escapou inteiramente ao reformador. Igual sorte têm as funções des contínuas, o cálculo das probabilidades, qualificado de aberração profundamente estéril. Por outro lado, Comte julga pouco lamentável a dificuldade de obter critérios gerais sobre a convergência de séries, e ainda mais, aceitando o principio leibnitziano como de natureza essencialmente indutiva, renuncia a libertar a análise infinitesimal do aparente paradoxo que lhe serve de fundamento. Se acrescentar a essa parte negativa da síntese a reforma da numeração sobre base setimal, diante da qual recuaram os seus próprios discípulos, e a tentativa infeliz de substituir por formação o termo tradicional de função, que remonta a Leibniz, terei citado alguns dos pontos que caracterizam a obra de Comte”[21].
Na mesma oportunidade, Amoroso Costa iria indicar que a evolução posterior da ciência propiciou este destino às interdições de Augusto Comte:
"...as funções elípticas. em vez de constituírem divagações efêmeras, deram origem à maravilhosa teoria geral das funções, base da matemática moderna, que hoje se aventura pelo terreno proibido da descontinuidade; o calculo das probabilidades tem sido um meio fecundo de investigação justificado pela desenvolvimento das ciências que estudam os fenômenos estatísticos; a teoria das séries é de importância primordial. bastando atentar ao papel que desempenha em análise moderna a fórmula tayloriana; e finalmente todos sabem que uma das grandes obras do século XIX em matemática foi a definitiva consolidação dos fundamentos da análise.

Note-se que não aludo aqui senão aos progressos da ciência que contribuíram diretamente para quebrar os limites decretados pela Síntese. Que diria Comte se pudesse imaginar o sucesso das geometrias não-euclidianas e dos espaças a mais de três dimensões; das funções estranhas cujas singularidades parecem desafiar a intuição; da mecânica da relatividade; do monumento que já é hoje a física ma temática, não falando da astronomia estrelar e de todas as questões, enfim, que vedou ao método matemático, em nome de uma vaga sociologia”.
Otto de Alencar aceitou integralmente a ciência de seu tempo, afastando-se por essa razão da positivismo. Parcela significativa da intelectualidade brasileira iria, contudo, fazer opção inversa.

A reação antipositivista iniciada por Otto de Alencar e retomada por Amoroso Costa iria alcançar êxitos notáveis, Em 1916 é fundada a Academia Brasileira de Ciências, cujo primeiro presidente foi Henrique Morize (1860/1930). Essa entidade vincula-se estreitamente ao Instituto Franco Brasileiro de Alta Cultura, que iria patrocinar amplo intercâmbio entre cientistas brasileiros e franceses. Em maio de 1925 promoveu-se a vinda ao Brasil de Albert Einstein (1879/1955).

A presença em nosso pais do criador da teoria da relatividade revelaria a condição minoritária a que haviam chegado os positivistas entre os cultores das ciências exatas no país. Assim, Licínio Cardoso (1852/1926), catedrático de mecânica racional da Escola Politécnica, saudaria o evento publicando em O Jornal, do Rio de Janeiro, com artigo intitulado "Relatividade imaginária”. Nas discussões que o fato enseja na Academia Brasileira de Ciências verifica-se que não ocorre uma só intervenção em favor de Licínio Cardoso, cuja posição seria combatida por Adalberto Menezes de Oliveira, Álvaro Osório de Almeida, Inácio Azevedo Amaral e Roberto Marinho de Azevedo.[22]

Verifica-se, pois, que o grupo de pensadores vinculado à Escola Politécnica desenvolveu com êxito, no que respeita às ciências físico-matemáticas,[23] o movimento de superação do conceito de ciência de Augusto Comte, facultando à intelectualidade brasileira a possibilidade de acompanhar o sentido de sua evolução. No que respeita à filosofia da ciência, Amoroso Costa acompanharia de perto o processo de formação da corrente de filosofia denominada neopositivismo, facultando se estruturasse uma tradição oposta ao comtismo.

 Em 1923, a Academia Brasileira de Ciências iria abrir outra frente: a reivindicação de uma universidade que desse lugar ao culto da ciência pura, sem vínculos imediatos com a aplicação. Neste sentido, em vista da reforma do ensino de que se cogitava, sugeriu ao ministro do Interior a criação de uma Faculdade Superior de Ciência. Comentando a iniciativa, escreveria Amoroso Costa:
"O mundo moderno, com a seu fanatismo do progresso maternal, não desconhece o que deve ao trabalho dos homens de ciência. Nos países novos esse fanatismo é levado ao auge e mesmo pessoas muito instruídas ignoram por completo que exista um ideal científico superior ao do homem que fabrica mil automóveis por dia, ou o que opera uma apendicite em dez minutos. Daí a opinião quase unanimemente admitida entre nós: a ciência é útil parque dela precisam os engenheiros, os médicos, os industriais, os militares; mas não vale a pena fazê-la no Brasil porque é mais cômodo e mais barato importá-la da Europa, na quantidade que for estritamente suficiente para o nosso consumo. Tal a mentalidade dominante entre aqueles que nos educam, e, por mais forte razão, entre aqueles que nos governam. Não admira que assim seja; é a mentalidade de que só hoje, no fastígio da riqueza e da força, se começam a libertar os Estados Unidos”.
E conclui: "O apelo da Academia Brasileira de Ciências é uma declaração de princípios, a que ela estava moralmente obrigada. Mas, por muitos anos ainda, a ciência A ciência oficial será entre nós uma tecla utilitária, e nada mais. [24]

 Aparece, assim, na cultura brasileira, uma acepção valorativa da universidade, atribuindo-lhe a função de cultivar as ciências, despreocupando-se de sua aplicação. Essa idéia estava destinada a uma vigorosa germinação.

 3. A Academia Brasileira de Ciências

 A Academia Brasileira de Ciências (ABC) desempenha papel muito importante no movimento ora estudado. Foi fundada a 3 de maio de 1916, com a denominação de Sociedade Brasileira de Ciências, por um grupo de professores da Escola Politécnica, realizando suas sessões na sala de congregação. Seu primeiro presidente foi Henrique Morize (1860/1930), conhecido homem de ciências sucessivamente reeleito para o cargo até o falecimento. A primeira diretoria era constituída ainda por J. C. da Costa Sena e Juliano Moreira (vice-presidentes); Alfredo Lofgren (secretário-geral); Roquete Pinto (1o. secretário); Amoroso Costa (2o. secretário) e Alberto Betim Paes Leme (tesoureiro). Reelegeu-se para os períodos 1917/1920 e 1920/1923. A partir de 1923, Amoroso Costa não mais a integra e a Secretaria Geral passa às mãos de Miguel Osório de Almeida.

A academia funcionava com base em seções limitadas às seguintes: Ciências Matemáticas, Físico-Químicas e Biológicas. Mais tarde estabeleceram-se em definitivo: Ciências Matemáticas, Fisicas, Químicas, Geológicas e Biológicas. Licínio Cardoso foi o primeira presidente da Seção de Ciências Matemáticas. A contar de 1923, essa função é desempenhada por Amoroso Costa.

Até 1929, as publicações da academia registram periodicidade irregular, fruto de dificuldades financeiras que se refletem também na ausência de sede própria. Durante alguns anos, funcionou no pavilhão que a Tcheco-Eslováquia havia manda da erigir no Castelo (Avenida das Nações), como parte das comemorações do centenário da Independência (Exposição Nacional do Centenário). Somente em começos da década de sessenta estabeleceu-se em sua sede própria, à Avenida Graça Aranha.

Quanto às publicações, iniciam-se com a Revista da Sociedade Brasileira de Ciências (Imprensa Nacional, 23 cm), anual, e que aparece em 1917 (no. 1); 1918 (no. 2) e 1919 no. 3). A partir de 1920, muda de formato e de denominação. Passa a chamar-se Revista de Ciências - Órgão da Sociedade Brasileira de Ciências (F. Bniguiet & Cia., 31 cm). Projetada para circular bimestralmente, só consegue fazê-lo nos três primeiros números (Ano IV, no. 1, janeiro, fevereiro; no. 2, março-abril; no. 3, maio-junho). Os números relativos ao segundo semestre (4/5/6) são reunidos num único fascículo. Em 1921, aparece apenas o que se denomina Complemento do V ano. Em 1922, a mesma publicação passa a chamar-se Revista de Ciências - Órgão da Academia Brasileira de Ciências (VI ano: janeiro-dezembro, Cia. Melhoramentos de São Paulo, 31 cm). No resumo das atas das sessões não se encontra nenhuma indicação quanto à data precisa em que a entidade começou a denominar-se Academia ao invés de Sociedade.

 O órgão da Academia não circula nos anos de 1923, 1924 e 1925. Em 1926, edita-se a Revista da Academia Brasileira de Ciências (no. 1, abril 1926, Oficinas Tipográficas do Ministério da Agricultura, 25 cm). O número 2, que circula com a data de janeiro de 1928, contém apenas o resumo das atas das sessões realizadas em 1926 (Mendonça Machado & Cia., 25 cm).

Verifica-se novo interregno, até 1929, ano em que nova publicação declara em seu primeiro número: "Sob a presente forma de Anais, reenceta a Academia Brasileira de Ciências a publicação de seus trabalhos científicos” (Anais da Academia Brasileira de Ciências, Ano 1, tomo 1, no. 1, 31 de março de 1929, 26cm). Os Anais aparecem trimestralmente, mantida a seqüência na numeração das páginas.

A julgar pela leitura das publicações relacionadas precedentemente, os integrantes da academia procuram manter o melhor nível científico de seus trabalhos e acompanhar de perto a evolução das ciências. Parecem mais ligados ao pensamento francês, provavelmente em decorrência do grande desenvolvimento que a matemática atinge naquele país no inicio do século. Sucedem-se as visitas de pensadores franceses ou a sua designação como membros correspondentes. A sessão comemorativa da independência conta com a presença de Émile Boreli, que pronuncia uma conferência intitulada "A teoria da relatividade e a curvatura do Universo”, não divulgada na Revista de Ciências por não ter sido taquigrafada, Na ano seguinte (1923), a academia recebe os professores E, Gliey, Henri Abraham e H. Piéron. Mais tarde, em 1926, a 8 de setembro, tem lugar uma sessão solene em decorrência da visita de Paul Janet, Emilie Marchouy e Georges Dumas. A academia acha-se estritamente vinculada ao Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura.

O grupo da Academia Brasileira de Ciências desenvolveu um trabalho pertinaz no sentido de tornar conferida da intelectualidade brasileira a nova física. Dedicar-se maior atenção à teoria da relatividade. Assim, além do que se divulgou a propósito do tema na Revista Brasileira de Engenharia, na imprensa diária e no livro de Amoroso Costa, Roberto Marinho de Azevedo apresenta à academia estudo que é divulgado em duas partes, com a denominação genérica de "O princípio da relatividade" (Parte 1; 4(1): 12-24 janeiro-fevereiro, 1920: Parte II; 4(2): 45-53, março-abril, 1920, ambas na Revista de Ciências). O mesmo professor voltou ao tema com uma "Resposta às objeções levantadas entre nós contra a Teoria da Relatividade" (Revista da Academia Brasileira de Ciências (1) : 13- 17, abril, 1926).

A academia reúne-se em sessão solene para receber Albert Einstein, a 6 de maio de 1925. Nessa oportunidade pronuncia uma conferência intitulada "Observações sobre a situação atual da teoria da luz", divulgada na Revista de 1926, a partir de um texto entregue pelo autor a Getúlio das Neves, traduzido por Roberto Marinho de Azevedo.

A presença de Einstein no Rio de Janeiro enseja uma discussão comprobatória da derrota do comtismo nos círculos científicos nacionais

Na sessão da academia de 28 de maio, Licínio Cardoso procede à leitura de um artigo de sua autoria, divulgado em O Jornal (16 de maio), entitulado "Relatividade imaginária". Adalberto Menezes de Oliveira e Álvaro Alberto refutam as Considerações ali contidas e Licínio Cardoso responde-lhes na sessão de 10 de junho. Na sessão de 24 de junho, Adalberto Menezes volta ao assunto, afirmando: "os que combatem as teorias de Einstein parecem desconhecer o verdadeiro papel de uma teoria física", que, no seu entender, seria " de coordenar as leis já conhecidas e prever novas leis". Na sessão de 8 de julho, continua o assunto em pauta, cabendo a Inácio do Amaral e Roberto Marinho de Azevedo combater as teses do mestre positivista. Observe-se que nas atas da academia não aparece uma só intervenção em favor de Licínio Cardoso (Revista da Academia Brasileira de Ciências de 1926 págs. 125-130).

A exemplo de outros trabalhos divulgados na década de vinte, no ensaio denominado "A filosofia matemática de Poincaré", publicada na Revista da Academia Brasileira de Ciências (julho-dezembro, 1920), Amoroso Costa procura delimitar o âmbito da filosofia das ciências, enfatizando o papel do espírito humano, a partir da matemática, por corresponder sua criação à esfera em que "limita ao mínimo o auxílio do mundo exterior". Ao que acrescenta: "Tudo se reduz aí a escolher, na massa dos fatos e das relações, aqueles que podem levar a resultados gerais; os espíritos verdadeiramente matemáticos têm o sentimento da ordem em que se devem encadear os raciocínios para atingir um fim determinado, assim como os jogadores de xadrez sabem discernir o bom lance entre lances permitidos pelas regras do jogo. Nesse trabalho é preciso também salientar o papel primordial do senso estético, porque as combinações úteis de fatos, as transformações fecundas, são ao mesmo tempo mais belas, e essa harmonia é um admirável fio condutor" (páginas 107-1 08).

Nessa explicitação dos princípios da ciência, onde o "a priori" adquire o seu verdadeiro significado - problemas que não podem ser objeto de nenhuma ciência particular - Amoroso Costa dá-se conta de que circula numa esfera onde as opções radicais resultam da "tendência profunda" de nosso espírito e sobre os quais "os homens provavelmente nunca chegarão a acordo", equivale dizer, onde a índole dos problemas impossibilitam o recurso às demonstrações convincentes,

Os Anais de 1929 (Tomo 1, março) transcrevem as alocuções proferidas na sessão solene, realizada a 20 de dezembro do ano anterior, na Escola Politécnica, em homenagem a Daniel Henninger, Tobias Moscoso, Amoroso Costa e Ferdinando Laboriau, falecidos em desastre de aviação. E os Anais de 1930 (Tomo II, junho), o discurso de Dulcídio Pereira em memória de Henrique Morize. A partir de 1929, os Anais da Academia Brasileira de Ciências são publicados com regularidade. Embora encadernados num único tomo anual, a impressão se fazia trimestralmente, confeccionando-se posteriormente o índice. Em geral, os Anais inseriam exclusivamente as comunicações dos membros da Academia. Em alguns anos, impressos de forma autônoma mas encadernados em conjunto, dá se notícia das reuniões em que se discutiam as comunicações bem como de certos eventos (eleição e posse de diretorias) e insere-se a relação dos membros da entidade.

Nos Anais de 1937 (Tomo IX, p. 163/165) noticia-se a posse da diretoria eleita para o biênio 1937/1939 integrada por Adalberto Menezes de Oliveira (presidente), Roberto Marinho de Azevedo e Cândido de Meio Leitão (vice-presidente). Exercera a presidência, no ano anterior, Álvaro Alberto. Este, no discurso de transmissão do cargo, refere que a academia contou com o concurso de Luiz Freire, "que veio do Recife duas vezes", e dos professores estrangeiros chegados a São Paulo: Luigi Fantappié, Gleb Wataghin e Felix Ravitscher. Em relação à nova diretoria, traça o perfil de seus integrantes. A propósito de Roberto Marinho de Azevedo diria que "tem sabido formar tantas gerações de discípulos em seus notáveis cursos nesta gloriosa Escola Politécnica e, ao florão de seus títulos, acaba de reunir o de organizador da jovem Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal".

No biênio 1939/1941, a Academia é presidida por Inácio Azevedo Amaral e, de 1941 a 1943, por Arthur Moses. Nesta última gestão, de 4 a 8 de agosto de 1941, realiza-se simpósio sobre raios cósmicos, por ocasião da visita da missão científica norte-americana, chefiada por Arthur H. Compton, da Universidade de Chicago, em viagem pela América do Sul para a realização de medidas da radiação cósmica.

A missão científica era integrada por William P. Jesse (Universidade de Chicago), Normal Hilberry (Universidade de N. York), Ernest O. Wollan (Chicago Tumor Institute), Donald J. Hughes (Universidade George Washington, de St. Louis) e Paulus Pompéia (Universidade de São Paulo).

Além dos componentes da missão, apresentaram comunicações os professores Gleb Wataghin, G. Occhialini, Marcelo Damy de Souza Santos e Yolande Monteu, da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo; Padre F. X. Roser, do Colégio Anchieta; Adalberto Menezes de Oliveira, da Escola Naval; Bernhard Gross, do Instituto Nacional de Tecnologia; Rene Wurmser, do Colégio de France e Joaquim Costa Ribeiro, da Faculdade Nacional de Filosofia.

Tomaram parte nos trabalhos e acompanharam ainda as reuniões os professores Arthur Moses, presidente da academia; Álvaro Alberto, da Escola Naval; Inácio Azevedo Amaral, da Escola Nacional de Engenharia; Francisco Magalhães Gomes, da Escola de Engenharia de Belo Horizonte; Luiz Freire, da Escola de Engenharia de Pernambuco; Carlos Chagas Filho, da Faculdade Nacional de Medicina; Francisco Mendes de Oliveira Castro, do Instituto Nacional de Tecnologia; Arthur do Prado, da Escola Nacional de Agronomia; Gabrielle Mamana, Luigi Sobrero e Dalberto Faggiani, da Faculdade Nacional de Filosofia; Abraão de Morais, da Faculdade de Filosofia da USP; Eugênio Hime, da Escola Nacional de Belas Artes; Venâncio Filho, do Instituto de Educação; Carneiro Felipe, da Escola Nacional de Química; F. Radler de Aquino e Mário Pinto, do Departamento Nacional da Produção Mineral; Francisco de Souza, diretor do Serviço Meteorológico; Cardoso Fontes, do Instituto Oswaldo Cruz; A. J. Monteiro, da Escola Técnica do Exército; Paulo Arruda e diversos outros interessados.

As reuniões tiveram lugar no Salão Nobre da Escola Politécnica. Na primeira reunião, de 4 de agosto, discutiram-se comunicações dos professores Compton, Hughes e Menezes de Oliveira, tendo Marcelo Damy apresentado resultados das medições de radiação cósmica feitas em São Paulo durante o eclipse do sol de 1 de outubro de 1940. Na segunda (dia 5), apresentaram comunicações Hilberry, Occhialini e Roser; na terceira (dia 6), Wataghin e Gross; na quarta (dia 7), Cintra do Prado. Nessa ocasião, o professor Carlos Chagas Filho e assistentes fizeram demonstrações experimentais das pesquisas em andamento sobre a produção de eletricidade pelos seres vivos e, na quinta e última (dia 8), discutiram-se comunicações de Marcelo Damy, Rene Wurmser, Paulus Pompéia, Gross e Costa Ribeiro.

Essa reunião teve importância muito grande para o desenvolvimento da pesquisa relacionada à radiação cósmica que, por sua vez, tornar-se-ia ante-sala da física nuclear no Brasil.

Nos Anais subseqüentes do período estudado não mais se inserem notícias de eventos salvo o de 1945 que volta a transcrever as discussões. Apenas o correspondente ao ano de 1942 publica a relação dos membros dá academia, então integrada por 69 pessoas, a seguir relacionadas:

- Adalberto Menezes de Oliveira

- Adolpho Ducke

- Afrânio Peixoto

- Alberto Childe

- Alberto Sampaio

- Alfred Schaeffer

- Alix Lemos

- Alípio di Primio

- Allyrio de Mattos

- Álvaro Alberto da Mota e Silva

- Álvaro Osório de Almeida

- Ângelo M. da Costa Lima

- Annibal Alves Bastos

- Antônio Cardoso Fontes

- Aristides Marques da Cunha

- Arlindo de Assis

- Arthur Moses

- Arthur Neiva

- Arthur do Prado

- Augusto Tasso Fragoso

- Benjamin Vinelli Baptista

- Bernhard Gross

- Cândido de Mello Leitão
- Carlos Bastos Magarinos Torres

- Carlos Chagas

- César Ferreira Pinto

- Djalma Guimarães

- Domingos Fernandes da Costa

- Dulcídio de Almeida Pereira

- Edgard Roquete Pinto

- Ernesto Lopes da Fonseca Costa

- Eugênio dos Santos Rangel

- Francisco M. de Oliveira Castro

- Francisco Radler de Aquino

- Frederico Carlos Hoehne

- Glycon de Paiva Teixeira

- Gustavo M. de Oliveira Castro

- Henrique de Toledo Dodsworth

- Inácio M. Azevedo do Amaral

- J. Belfort Vieira

- Joaquim de Almeida Lisboa

- Joaquim Costa Ribeiro

- José Carneiro Felippe

- José Ferreira de Andrade Junior

- José Frazão Milanez

- José Pantoja Leite
- Lauro Travassos

- Lélio Gama

- Luciano Jacques de Moraes

- Luiz Cláudio de Castilho

- Luiz Afonso de Faria

- Mário de Andrade Ramos

- Mário Paula de Brito

- Mário Saraiva

- Mário dá Silva Pinto

- Mathias de Oliveira Roxo

- Maurício Joppert da Silva

- Miguel Osório de Almeida

- Odorico Rodrigues de Albuquerque

- Olympio da Fonseca Filho

- Oscar d'Utra e Silva

- Paulo Parreiras Horta

- Othon Leonardos

- Reynaldo Saldanha da Gama

- Roberto Marinho de Azevedo

- Romeu Braga

- Ruy de Lima e Silva

- Sebastião Sodré da Gama

- Sylvio Fróes de Abreu

Além aos titulares acima relacionados, a academia conta ainda com sócios correspondentes estrangeiros.

A partir de 1940, os Anais classificam as comunicações nestas seções: Ciências Matemáticas, Ciências Físico-Químicas e Ciências Biológicas. No período anterior, eram relacionadas englobadamente e seu número oscila em torno de 30 anualmente, com duas únicas exceções discrepantes: 21 comunicações em 1931 e 43 em 1935.

A matéria básica dos Anais, até 1940, é constituída de comunicações relaciona das à história natural taxionômica e às geociências de tipo exploratório. Posição de menor relevância ocupam a química tradicional, os trabalhos de cunho matemático e temas da fisiologia e medicina bacteriana. É numeroso e ativo o grupo dos cientistas voltados para as geociências de tipo exploratório, destacando-se Euzébio de Oliveira, Djalma Guimarães, Mathias de Oliveira Roxo, Fróes de Abreu e Viktor Leinz.

A história natural taxionômica é cultivada por Rodolpho von Ihering e diversos de seus assistentes, que pesquisam os problemas relacionados à piscicultura, em especial a reprodução em águas de forte teor de salinidade, freqüentes nos açudes do Nordeste; Cândido de Mello Leitão, que estuda gêneros e famílias de aranhas; Lauro Travassos, espécies de parasitas do homem; e diversos outros. As duas seções são a parte mais relevante, vindo, subsidiariamente, as comunicações relacionadas à química tradicional, elaboradas com maior assiduidade por Álvaro Alberto, e os temas matemáticos, abordados por Teodoro Ramos, Inácio Azevedo Amaral, Lélio Gama e Luiz Freire. Os Anais refletem o interesse dos irmãos Osório de Almeida (Álvaro e Miguel) pelos problemas da fisiologia e da medicina bacteriana.

A partir de 1940, ascendem a uma posição de grande destaque os temas relacionados à radiação cósmica e começa a aparecer colaboração da nova geração de cientistas que iria voltar-se para a física nuclear. Nos anos imediatamente anteriores, tais questões são abordadas exclusivamente por Gleb Wataghin e Bernhard Gross, admitidos como membros correspondentes da academia em 1935. A colaboração de Mário Schenberg inicia-se em 1937, mas nessa fase está dedicada à matemática.

Nos Anais de 1940 e 1941 publicam-se 14 comunicações relacionadas à radiação cósmica, em sua maioria apresentadas e discutidas por ocasião do simpósio a esse tema dedicado. Esse tema continua ensejando trabalhos, notadamente de Wataghin e Gross, ao tempo em que tem início a publicação de comunicações relacionadas à física nuclear. Nos Anais de 1941, Marcelo Damy trata de novo método de detecção de partículas elementares, voltando a essa temática nos Anais de 1942. Nos Anais de 1944, os temas da física nuclear são abordados por Mário Schenberg (energia própria do elétron), César Lattes e Gleb Wataghin (estatística de partículas elementares e núcleos) e Leite Lopes (energia potencial do dêuteron) -

Das 14 sessões noticiadas pelos Anais de 1945, duas são dedicadas ao debate de comunicações de Leite Lopes e Schenberg, versando sobre questões da física nuclear e quatro ao fenômeno termo-dielétrico, a partir de exposição apresentada por Costa Ribeiro. Na discussão desse último tema intervém Gross, Tiomno, Mário Pinto, Carlos Chagas e Cintra do Prado. Nesse mesmo ano, os Anais publicam trabalhos de Wataghin (relatividade e indeterminação), Leite Lopes (méson) e Schenberg (elétron).

A emergência da nova área de interesse combina-se com a manutenção das linhas tradicionais de pesquisa. Assim, das 38 comunicações publicadas pelos Anais de 1945, 13 versam sobre problemas de matemática com a peculiaridade de que, ao lado de Azevedo Amaral, agora aparecem os nomes de Mário Schenberg (duas comunicações), Francisco Oliveira Castro e Leopoldo Nachbin (uma comunicação cada). As comunicações versando sobre ciências físico-químicas são, em sua maioria, dedicadas à química tradicional e às geociências de tipo exploratório mas as que estão voltadas para os raios cósmicos e a física nuclear ocupam posição de destaque, ascendendo a seis. Finalmente, na parte dedicada às ciências biológicas, permanecem os mesmos interesses antes apontados, com o predomínio dos velhos colaboradores, desde que a nova geração de pesquisadores dessa área (Oswaldo Frota Pessoa, Domingos Arthur Machado Filho, José Antunes, José Lacerda de Araújo Feio, Luiz Emídio Mello Filho, Newton Dias dos Santos e Emanoel de Azevedo Martins, para mencionar apenas os que vinham de se diplomar na UDF e na recém-fundada Faculdade de Filosofia) somente iria sobressair um pouco mais tarde.

4. Associação Brasileira de Educação

A Associação Brasileira de Educação (ABE) foi fundada a 16 de outubro de 1924 e teve sua primeira diretoria constituída por Levi Carneiro, Cândido de Mello Leitão, Delgado de Carvalho, Heitor Lira, Mário Brito e Branca de Almeida Fialho. Todos os que militaram nesses primeiros tempos da entidade são unânimes em reconhecer que a iniciativa deveu-se a Heitor Lira do mesmo modo que o impulso inicial que a projetou e consolidou[25].

Heitor Lira da Silva faleceria dois anos depois de constituída a ABE, em 18 de novembro de 1926, tendo nessa ocasião 47 anos de idade. Formara-se em engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e teve entre seus colegas de turma e, subseqüentemente, de trabalho, a Roberto Marinho de Azevedo, que mais tarde iria se destacar na difusão da teoria da relatividade, cuja validade era contestada pelos positivistas, à época desfrutando ainda de muito prestígio no ensino militar e, em geral, na matemática e nas escolas de engenharia.

Juntamente com Roberto Marinho de Azevedo, Heitor Lira trabalhou na Cia. Paulista de Estradas de Ferro. Mais tarde, ambos transferiram-se para a Central do Brasil, ocupando-se, entre outras coisas, do projeto de eletrificação dessa ferrovia. Heitor Lira dedicou-se igualmente ao magistério, tendo sido professor catedrático do Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes. Sua grande paixão era contudo a educação. E, embora não acreditasse na possibilidade de êxito, seus amigos acabariam concordando em participar de uma entidade àquele mister dedicada.

Heitor Lira concebeu e implantou, na ABE, estrutura amplamente descentralizada, Desejou, talvez, estimular a multiplicidade de iniciativas a fim de assegurar o concurso de número crescente de pessoas e, por essa via, a perpetuação da entidade.

A ABE subdividia-se em seções estaduais inteiramente autônomas. A par disso, tinha em seu interior diversos departamentos, em geral liderados por figuras de renome, que se ocupavam diretamente dos assuntos que lhes competiam, A questão da universidade, por exemplo, incumbia à Seção de Ensino Técnico e Superior, cujo primeiro diretor foi Ferdinando Laboriau Filho, da Academia Brasileira de Ciências e da Escola Politécnica. Em 1927, esse cargo passou a ser ocupado por Amoroso Costa, talvez o homem de ciência brasileiro que haja então granjeado maior renome no exterior; e, em 1928, por Álvaro Osório de Almeida, destacado animador da pesquisa científica no país.

A ABE, entre setembro de 1925 e maio de 1929, editou um boletim em que dava conta de suas atividades. Nos anos de 1930 e 1931, uma publicação denominada Schola. E, a partir de fevereiro de 1939, a revista Educação.

Desde o primeiro ano de funcionamento, adotou como praxe a realização de conferências, que tinham lugar num dos auditórios da Escola Politécnica. Essas conferências versavam sobre questões de educação. Assim, em 1925 foram abordados estes temas: métodos da escola ativa (Augusto Nieto Cabelero, diretor do Ginásio Moderno de Bogotá); a instrução técnica e profissional no Peru (Luiz Catanhede); o ensino na Suíça (Laura Lacombe) e modalidade da educação social (Amaury de Medeiros).

A partir de 1926. tiveram início os cursos de alta cultura e especialização, promovidos pela Seção de Ensino Técnico e Superior. Eram ministrados em número limitado de aulas (entre 5 e 10) e realizavam-se, simultaneamente, três ou quatro. O Boletim de julho, 1926, registrava a presença de auditório assíduo de cerca de 100 pessoas, dispondo, ao todo, de 300 a 400 ouvintes nos diversos cursos simultâneos. O relatório das atividades do período novembro de 1925 a janeiro de 1926, assim estabelecera o nível dos cursos: "Está cuidando esta seção (de Ensino Técnico e Superior) de promover cursos de especialização, feitos naturalmente para um público reduzido mas que terão o cunho verdadeiro de ensino superior, sobre pontos mais interessantes e modernos. Realizado o seu escopo serão esses cursos os precursores naturais de uma Faculdade de Ciências, já tão necessária em nosso meio"[26]

A julgar pelos temas e pela qualidade dos professores, observou-se a diretriz do programa. Amoroso Costa ministrou, sucessivamente, estes cursos:[27] As idéias fundamentais da matemática (1926), As geometrias não-euclidianas (1927) e As geometrias não-arquimedianas (1928). A matemática foi igualmente objeto de outros cursos, a saber: As teorias do acaso (Tobias Moscoso) e a indeterminação em matemática (Inácio Azevedo Amaral). Tratou-se de física nos cursos de Dulcídio Pereira (A constituição da matéria e a física do descontínuo) e Abrahão Izechsohn (Termodinâmica), das modernas teorias da química (Mário de Brito), da geologia do petróleo (Euzébio de Oliveira), de neurofisiologia e biologia (curso de fisiologia, em 1926, por Álvaro Osório de Almeida; de teoria da excitação dos nervos, por Miguel Osório de Almeida e sobre hereditariedade, por André Dreyfus) e também de temas ligados às artes e à cultura em geral (A arquitetura no Brasil, por Nereu Sampaio; o folclore, por Gustavo Barroso; reflexões sobre a filosofia de Bergson, por Luiz Betim Paes Leme, etc.).

Essa atividade, mais tarde, chegou a ser denominada de extensão universitária.[28] A exemplo das conferências a publicação do Boletim objetivava formar uma consciência acerca dos problemas educacionais brasileiros e apontar desde logo as soluções mais adequadas. Amoroso Costa, ao assumir a presidência da ABE a 11 de julho de 1928, apreciou-a deste modo:
"Se quiséssemos resumir o seu programa em uma palavra, poderíamos dizer que ela se propõe a ser uma orientadora, em todos os problemas relativos à educação física, intelectual e moral dos brasileiros. Submeter a exame esses problemas, analisar de que modo pode convir à sua resolução os métodos e os sistemas resultantes da experiência dos países mais velhos, aconselhar aos poderes públicos, e às iniciativas particulares, as resoluções que comporta o nosso caso especial - tais devem ser, penso eu, os nossos objetivos principais. Para alcançá-los, pode a nossa atividade tomar por vezes caminhos à primeira vista pouco diretos. Para citar apenas um exemplo, tomarei o desses cursos e conferências que tão grande êxito vão logrando. Eles não se destinam apenas a divulgar tais ou quais conhecimentos, por mais úteis e interessantes que estes sejam; sua finalidade consiste em despertar o gosto pelos estudos de toda a ordem e criar um ambiente favorável ao desenvolvimento desses estudos. Nós não nos limitamos a afirmar a necessidade de ser resolvido o nosso angustioso problema universitário: o sucesso dos cursos que temos realizado equivale a uma verdadeira demonstração experimental que se tornou indispensável a criação de uma universidade digna desse nome. Essa prova está feita, e não é dos menores serviços que já pode apresentar a ABE".[29]
A curva ascendente da ABE situa-se no período que vai de sua fundação aos fins do decênio. Nesse ciclo, desempenha papel efetivamente renovador no terreno específico a que se destinava: a educação. Liderou o movimento em prol da universidade, graças ao qual formou-se entre os educadores brasileiros uma acepção de universidade que serviu, de um lado, para unificá-los, e, de outro, para assegurar que essa idéia se mantivesse e acabasse vingando no decênio subsequente, em que pese o desinteresse oficial. A ABE promoveu significativo debate sobre o ensino secundário e atuou igualmente em campos absolutamente pioneiros como o cinema educativo, a organização de pais junto às escolas, a educação sexual e tantos outros temas.

A Revolução de 1930 iria entretanto suscitar um debate que, se nascia da nova orientação educacional, acabou assumindo feição eminentemente política, a saber, o ensino religioso facultativo nas escolas públicas. A ABE foi chamada em 1931 a desempenhar papel conciliatório entre as tendências em confronto, mas preferiu engajar-se no campo da Escola Nova, frontalmente oposto àquela franquia. O enrijecimento das posições desses dois grupos coincidia com a acentuada polarização entre tendências totalitárias de direita e de esquerda que igualmente se imiscuíam no debate, complicando-o extremamente. Essa circunstância iria selar a sorte da ABE, levando-a à virtual liquidação no VI Congresso Nacional de Educação, realizado em Fortaleza, no mês de fevereiro de 1934, onde o conflito chegou a ameaçar a integridade dos congressistas.

A partir desse momento, a ABE ainda patrocina iniciativas isoladas mas irá ingressar num estado de autêntica hibernação, ao longo de todo o Estado Novo. Em 1945 iria renascer, mas adquirindo uma feição eminentemente política, muito distanciada de seu programa original.

Esse enunciado sintético do histórico da entidade, no período abrangido pela presente análise, comporta o desdobramento adiante apresentado. Além da Seção de Ensino Técnico e Superior, cuja atuação foi caracterizada, a ABE contava inicialmente com estes departamentos: Ensino Primário e Normal, Ensino Secundário, Ensino Profissional e Artístico, Educação Física e Higiene, Educação Moral e Cívica e Cooperação da Família. Ao longo de sua atuação, apareceram outros departamentos. Por volta de 1935 adquiriu a feição que se indicará. Estas seções atuavam de modo independente e eram dotadas de grande iniciativa.

A Seção de Cooperação da Família, que foi durante largo período dirigida por D. Armanda Álvaro Alberto, ocupou-se com êxito da organização de círculos de pais nos colégios. Coincidindo sua estruturação com a fase inicial de difusão do cinema, cuidou da necessidade de fixar critérios quanto às exibições adequadas ou nocivas às crianças. Neste sentido, mantinha nos jornais a publicação de esclarecimentos aos pais quanto aos filmes em cartaz. Patrocinou igualmente a realização de seções infantis. Promovia também cursos de Puericultura, de Psicologia Infantil, de Metodologia das Escolas materiais, entre outros. Realizou ainda inquérito entre jovens de 7 a 18 anos, nos colégios do Rio de Janeiro, para identificar leituras preferidas, e elaborou uma lista de obras apropriadas à infância e à adolescência. A seção, em caráter pioneiro, iniciou a discussão do tema educação sexual, tendo inclusive chegado à elaboração de um folheto contendo os procedimentos recomendados, de autoria do professor Fernando Magalhães, da Faculdade de Medicina, mais tarde reitor da Universidade do Rio de Janeiro, que era pessoa ativa na ABE, de que foi presidente, Afastar-se-ia da entidade de forma ruidosa que oportunamente será mencionada.

A questão dos métodos pedagógicos e da necessidade de sua modernização também mereceu diversas iniciativas, em geral capitaneadas pela Seção de Ensino Secundário, tais como conferências, debates, cursos, etc. As diversas seções buscavam atuar no sentido de adequar a legislação, emitindo pareceres sobre projetos ou reformas em curso, ou tomando a iniciativa de apresentá-los. A estatística escolar é fruto de tais gestões, do mesmo modo que a organização, na década seguinte, da Escola Nacional de Educação Física, Maior relevância acabaram por adquirir os inquéritos nacionais, efetivados em relação ao ensino superior e ao secundário, Estes temas, em especial o último, vieram a ocupar posição de destaque nas Conferências Nacionais de Educação, que a entidade Patrocinou a partir de 1927.

A I Conferência Nacional de Educação realizou-se em Curitiba, de 19 a 22 de dezembro de 1927. contando com delegações de 16 Estados. Foram constituídas oito comissões para estudo de 13 teses apresentadas, a saber: ensino primário (2); ensino profissional e superior (1); ensino secundário (1); educação higiênica (1) e problemas gerais (3). Entre as resoluções aprovadas destacam-se a defesa da uniformização do ensino primário, nas suas idéias capitais, mantida a liberdade de programas, e da criação de escolas normais superiores, em diferentes pontos do pais, para a formação do magistério secundário. A ABE não chegou a publicar os anais dessa primeira conferência mas preservou, em seus arquivos. diversos documentos, em especial resumos das teses divulgados pela imprensa ou o texto integral de muitas delas.

A II Conferência teve lugar em Belo Horizonte, de 4 a 11 de novembro de 1929. Nesse conclave figurou em posição de destaque o relatório de Tobias Moscoso acerca do novo sentido em que se deveria encaminhar o ensino superior, através da organização da universidade, bem corno a resposta da Universidade de Minas Gerais ao inquérito patrocinado pela ABE. A Seção de Ensino Secundário da ABE apresentou ao conclave amplo trabalho entitulado “O ensino secundário - base para uma reforma” (publicado na íntegra no Boletim da ABE (13) :14-31, maio de 1929) instruído com esquemas gerais de organização, carga horária para o curso tronco e os ramos de letras e ciências, bem como pelos programas de algumas disciplinas (matemática, geografia, educação física e sociologia). Afirma-se nesse documento que "a ambição justa da escola secundária não é formar bacharéis, mas preparar, pela educação, o adolescente para a luta, armando-o com instrução para vencer na vida, dentro do campo de suas próprias aptidões", Considerada a magnitude dessa contribuição, decidiu a segunda conferência transferir a sua discussão para a terceira, sugerindo que fosse especialmente dedicada ao tema. Discutiram-se problemas relacionados ao ensino primário, agrícola, normal e técnico e profissional, e educação política, educação social, educação sanitária e educação doméstica, Da segunda conferência tampouco se publicaram os anais, preservando a ABE documentação de idêntico caráter à de que se dispõe em relação à primeira.

A III Conferência Nacional de Educação (São Paulo, 7 a 15 de setembro de 1929) é a única de que se publicaram os Anais, editados pela Diretoria Geral de Instrução Pública de São Paulo, em 1930. A conferência discutiu preferentemente o ensino secundário, com ênfase nestes aspectos: finalidade, defeitos da legislação, iniciativas capazes de influir sobre a opinião pública em prol de sua reforma, iniciativas para disseminá-lo no país e responsabilidade dos pais, A Seção de Ensino Secundário fez preceder o conclave da publicação do livro entitulado O problema brasileiro do ensino secundário, reunindo a matéria do inquérito que promoveu sobre o tema. Este inquérito foi respondido por 24 professores do Distrito Federal, todos ligados ao magistério secundário, no Colégio Pedro II, na Escola Normal, na Escola de Artes e Ofícios, além de pessoas que na época eram consideradas como especialistas de reconhecida competência, a exemplo de Lourenço Filho, figura destacada da Escola Nova, diretor do Departamento de Educação no governo Vargas e fundador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; Antônio Carneiro Leão, que havia exercido o cargo de diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, responsável pela reorganização do ensino secundário em Pernambuco, mais tarde, diretor da Faculdade Nacional de Filosofia; e Isabel Jacobina Lacombe, diretora do conhecido colégio que, então, se denominava Curso Jacobina.

A exemplo dos encontros anteriores, a terceira conferência discutiu igualmente os problemas das outras áreas de ensino. A Revolução de 1930 veio interromper abruptamente a linha de desenvolvimento até então trilhada pela ABE. O movimento, logo no começo de 1931, parecia pretender apropriar-se daquelas bandeiras em torno das quais se haviam agrupado os educadores, decretando as reformas do ensino secundário e superior. Ao mesmo tempo, entretanto, rompia com uma tradição profundamente arraigada entre os mesmos educadores, ao permitir o ensino religioso nas escolas públicas.

A V Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro, não logrou os objetivos colimados e, de certa forma, contribuiu para acirrar os ânimos. O conclave, não tendo chegado a facultar qualquer entendimento entre as partes, optou pela eleição de uma comissão incumbida de elaborar uma declaração de princípios e um programa de política educacional, O anteprojeto desse documento seria elaborado por Fernando de Azevedo. Publicado em começos de 1932, passaria à história como o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, A ABE, por seu turno, agregaria àquela comissão mais 21 representantes das diversas unidades da Federação, com a incumbência de elaborar anteprojeto de diretrizes do Plano Nacional de Educação. Esse anteprojeto se constituiu no tema central da V Conferência Nacional de Educação, realizada em Niterói, de 26 de dezembro de 1932 a 2 de janeiro de 1933. A respeito do conclave escreve Fernando de Azevedo:
"Tendo como objetivo principal senão único apreciar sugestões de uma política escolar e de um plano de educação nacional para o anteprojeto da Constituição, a quinta conferência reunida em Niterói discutiu e aprovou, depois de longo estudo pela Comissão dos 31, o Plano de Educação Nacional elaborado pela Comissão dos 10, e destinado à reconstrução em novas bases do sistema de educação e cultura no país. A Comissão dos 31, a cuja presidência foi elevado o autor desta obra, que já fazia parte da Comissão dos 10, teve como relatores Lourenço Filho, o reformador do ensino em São Paulo em 1931, e Anísio Teixeira, que já se empenhava a fundo nas reformas escolares do Distrito Federal. As diretrizes porque se orientou o novo programa educacional, os debates iniciais que provocaram o exame de um problema verdadeiramente complexo como o da educação e a intransigência da defesa de pontos de vista divergentes senão opostos, acentuara a cisão que logo se declarou na segunda sessão plenária, o que deslocou para a nova corrente do pensamento educacional o predomínio na assembléia, com a renúncia do presidente Fernando Magalhães e a aclamação do nome de Lourenço Filho, para substitui-lo na direção de seus trabalhos", (A Cultura Brasileira, Rio de Janeiro, IBGE, 1943. p. 400/401).
Segundo a documentação preservada na ABE, parece a Fernando Magalhães, na época reitor da Universidade do Rio de Janeiro e que já havia exercido a presidência da ABE, que o voto, do que denomina de Comissão dos 30. em vista do seu próprio afastamento, em favor do ensino leigo, corresponde a "ato de hostilidade à crença do pais que não aprovará impedirem, na escola, o ensino facultativo de sua crença aos seus filhos, nela nascidos e criados. A comunhão brasileira em matéria de fé diverge da Comissão dos 30. A decisão é lamentável mas irrita, Divirjo da decisão e recuso participar da reunião educativa cujos fins se abastardaram".

Nas atas manuscritas, preservadas pela ABE, consta o resumo do relatório apresentado por Lourenço Filho, adiante transcrito:
"Através das reuniões promovidas pela ABE pode o observador verificar a evolução do pensamento educacional do pais. Traçando um histórico das quatro conferências anteriores, demonstra como esse pensamento, que se atinha às miúdas questões de técnica escolar, se foi alargando e aprofundando, até defrontar as questões de política educacional. Essa evolução foi apressada, no dizer do orador, pelo advento da Revolução. É assim que, na quarta conferência, realizada em 1931, no Rio de Janeiro, o Governo Provisório, pelo senhor ministro da Educação, em memorável discurso, solicitou dessa assembléia a definição de uma filosofia educacional capaz de ser aplicada com êxito à realidade brasileira, Não pode essa conferência responder de pronto à solicitação. Mas por delegação da Mesa da Assembléia um grupo de educadores publicaria, três meses mais tarde, um manifesto educacional ao povo e à Nação, Esse documento foi diversamente apreciado, mas recebeu os aplausos dos meios cultos e das diversas correntes revolucionárias, como demonstra o programa de educação apresentado pelo Congresso Revolucionário, há pouco reunido na Capital Federal. A ABE, cônscia das responsabilidades decorrentes da conferência anterior, estabeleceu como ponto capital do programa da quinta conferência que se estudassem as sugestões a serem apresentadas à comissão que redige o anteprojeto constitucional, constituinte para o início desse estudo uma comissão de educadores. Os resultados do trabalho dessa comissão foram tomados como ponto de partida para o trabalho de uma Comissão Nacional.
Os debates se realizaram com o maior entusiasmo e grande eficiência. De modo que, ao encerrar-se a Conferência, pode seu presidente dar conhecimento não só dessas sugestões, a serem apresentadas ao Poder Constituinte, como de um esboço de Plano Nacional de Educação".

A VI Conferência denominou-se VI Congresso Nacional e teve lugar em Fortaleza, de 02 a 10 de fevereiro de 1934. Consolida-se a identificação da ABE com o movimento da Escola Nova, mas ao mesmo tempo sela o seu destino como entidade atuante e influente.

O congresso foi muito tumultuado e virtualmente não chegou a encerrar-se, mas discutiu diretrizes relativas à educação pré-escolar, ao ensino primário, profissional e normal; educação artística, higiênica, física e recreativa; direção de escolas; inspeção e administração escolar. Foram apresentados ao congresso 25 relatórios e teses, O conclave assistiu também a conferências de diversos professores e exposições sobre a situação do ensino público dos delegados oficiais, As diretrizes tornadas públicas correspondem às sugestões contidas nas diversas teses.

Neste sexto congresso de Fortaleza. Luiz Freire apresentou uma tese contendo o plano de organização de Faculdades de Ciências e Letras, "destinadas a completar a formação científica e literária dos que, feito o curso ginasial, não desejarem seguir cursos profissionais, e preparar professorado secundário de sólida cultura e eficiência". Na proposição de Luiz Freire a faculdade dividir-se-ia nas seções de Letras e Ciências, realizando esta cursos de Ciências Matemáticas, Físicas, Químicas, Naturais e de Psicologia. Cabe lembrar que nessa época, isto é, em começos de 1934, na Universidade do Rio de Janeiro retoma-se igualmente a idéia de promover-se a formação de cientistas e pesquisadores, tendo o Conselho Universitário aprovado indicação neste sentido.

Contudo, o sexto congresso notabiliza-se sobretudo por se ter constituído numa demonstração do nível de radicalização a que havia atingido a disputa em torno do ensino religioso.

O incidente inicia-se através da intervenção do representante do Espírito Santo, numa das sessões plenárias, propondo que o congresso telegrafasse à Assembléia Constituinte, então reunida no Rio de Janeiro, solicitando a inclusão da nova Carta Magna de dispositivo estabelecendo o ensino religioso facultativo nas escolas. A proposição seria rebatida pelo professor Edgar Sussekind de Mendonça, da delegação do Distrito Federal, que a considerou desleal desde que o regimento vedava manifestações coletivas de qualquer natureza. Desde essa oportunidade, a Imprensa Católica local passa a combater violentamente o congresso. em especial a pessoa do professor Sussekind de Mendonça. Afirmou-se que, por ocasião de uma solenidade no Clube Fenix Caixeiral, o aludido professor "usando da palavra e abusando da hospitalidade cearense, derramou toda a sua vesânia comunista contra a pessoa divina e adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo", (Jornal O Nordeste). Na noite do dia em que saiu publicada essa noticia, um grupo exaltado agrediu Edgar Sussekind, no centro de Fortaleza, de que resultou tiroteio e a prisão dos agressores. Questões políticas também tumultuaram o congresso, que cancelou parte do programa original, encerrando-se antes do prazo estabelecido, a fim de evitar generalização do conflito.

O sexto congresso elegeu para o biênio 1934/1935 uma diretoria liderada por Lourenço Filho, que iria desenvolver notável esforço no sentido de afastar a ABE da arena política. O esforço parece ter sido coroado de êxito por um curto período mas não seria suficiente para fazê-la renovar-se e perdurar.

A diretoria do biênio 1934/1 935 era integrada ainda por Afrânio Peixoto e Arquimedes Guimarães (vice-presidentes), Clotilde Motta (tesoureiro) e Gustavo Lessa (secretário). Manteve em funcionamento no período estas seções: Educação Pré-Escolar (Celina Nina de Oliveira), Ensino Primário (Evira N. da Silva e Maria Reis Campos), Ensino Secundário (Branca Fialho e Menezes Oliveira), Ensino Normal (Nestor Lima e Lourenço Filho), Ensino Superior (Luiz Freire e Arthur Moses), Ensino Profissional (Fideles Reis e V. F. Venâncio Filho), Educação Física e Recreação (Renato Eloy Andrade e Renato Pacheco) Educação Higiênica (Almeida Junior e J. P. Fontenele), Educação Artística (Ceição Barros Barreto e Celso Kelly), Administradores de Ensino (Pedro Gouveia Filho e Mosés Araújo), Diretores de Escolas (Anfrisia Santiago e Arteobela Frederico) e Educação de Adultos (Guimarães Menegale e Armanda Álvaro Alberto).

Em 1934, a ABE promoveu uma série de conferências sobre o ensino secundário, a propósito do Plano Nacional de Educação. Essas conferências foram reunidas no livro Um grande problema nacional, editado pela Pongetti, A nova diretoria conseguiu manter a periodicidade dos conclaves nacionais, realizando de 22 de junho a 7 de julho o VII Congresso Nacional de Educação, dedicado à educação física. Constou de discussões do tema e de participação em demonstrações, pelas escolas secundárias, no estádio do Fluminense e também pela liga de Esportes da Marinha e Escola de Educação Física do Exército, A sessão inaugural foi prestigiada com a presença do presidente da República, Getúlio Vargas.

O sétimo congresso aprovou resolução sugerindo a promoção da educação física da população escolar em todos os graus. Sugeriu igualmente a criação da Escola Nacional de Educação Física, integrada à Universidade do Rio de Janeiro,

Além do tema indicado, o conclave ocupou-se de uma única questão: a organização dos Conselhos e Departamentos de Educação, Com vistas a esse fim, uma comissão criada pela ABE, integrada por Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Celso Kelly, elaborou anteprojeto. A discussão desse documento foi realizada em Comissão Especial presidida pelo ministro da Educação, Gustavo Capanema.

Observa-se, de parte do ministro Capanema, empenho no sentido de apoiar-se no consenso dos educadores. Além da iniciativa anterior, relacionada aos departamentos de educação, iria promover, em 1936, inquérito acerca do Plano Nacional de Educação, em que se perguntava: Como pode ser definido o Plano Nacional de Educação? Qual deve ser a sua compreensão?

A ABE designou comissão para elaborar um parecer no qual se afirma:
"Há dois pontos de vista nitidamente antagônicos relativamente a esse assunto, Uns acham que o plano deve ser um verdadeiro código nacional de ensino. Outros acham que deve ser apenas um conjunto de diretrizes. Este último ponto tem sido adotado persistente e coerentemente por todas as comissões às quais a nossa associação tem delegado poderes para representá-la perante a opinião pública. E é preciso não esquecer que a idéia de um plano nacional de tal forma encarado nasceu no seio de uma dessas comissões, e por intermédio dos seus componentes foi representada à Assembléia Constituinte e por esta aceita.

Já agora se pode dizer que um código de ensino para todo o Brasil será francamente inconstitucional, além de ser profundamente nocivo, conforme o demonstra, entre outras razões, o clamor levantado contra as seriações rígidas e os programas minuciosos impostos a todo o país pelas diferentes reformas educacionais elaboradas durante o período republicano".
Recolhe-se a impressão de que - certamente devido à radicalização que se alastra no país e em face da situação política cada vez mais complexa - o ministro Capanema abdica da obtenção do consenso dos educadores sem renunciar ao suporte técnico de que deseja revestir as iniciativas no terreno educacional. Assim, recrutaria para seu ministério técnicos de reconhecida competência, à frente Lourenço Filho. E na medida em que o Estado Novo dispensa seja auscultada a opinião em todos os setores, buscaria institucionalizar a colaboração dos técnicos e especialistas, criando o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em substituição aos inquéritos e ao contato direto com a ABE.

Infere-se a nova orientação à vista do flagrante desinteresse oficial pela ABE, no período subsequente à discussão em torno do Plano Nacional de Educação em 1936, antes referida. Eleito presidente no sétimo congresso, Mário Teixeira de Freitas deixaria relatório das dificuldades do seu mandato (1935/1 938). Não teve a ABE a possibilidade de realizar qualquer reunião de caráter nacional ou sustentar outras iniciativas, A entidade ingressa no período de franco declínio.

Em 1938 ascende à presidência Fernando de Azevedo, E logo no início do ano seguinte consegue lançar a revista Educação (no. 1, fevereiro de 1939). Retomou-se também a praxe das conferências públicas, na sede social, versando problemas de educação. Reuniu-se no Rio de Janeiro, de 6 a 10 de agosto de 1939, o VIII Congresso Mundial de Educação que, se bem não fosse iniciativa da ABE, permitiu certa movimentação entre educadores brasileiros. Nesse ano de 1939. a ABE elegeu novo presidente, Odilon Braga, e logrou realizar com êxito um curso de férias. Também foi cogitada a realização do VIII Congresso Nacional de Educação para o ano de 1940, o que entretanto não chegou a ocorrer.

Da revista Educação publicaram-se quatro números no ano de seu aparecimento (1939) e nos exercícios seguintes. Entre 1942 e 1944 reduz o formato e circula uma única vez ao ano. Segue-se a fase em que a publicação é suspensa, só voltando a circular em 1948 (no. 21, com o formato grande, nos números iniciais) sendo presidente Raul Bittencourt.

Realizou-se o VIII Congresso Nacional de Educação, de 19 a 27 de junho de 1942, em Goiânia, como parte dos festejos comemorativos da instalação da nova capital de Goiás, A inauguração oficial ocorreu a 5 de julho daquele ano, tendo o governo decidido fazê-la preceder do que se denominou de "batismo cultural", a cargo do conclave educacional, da I Exposição Nacional de Educação, Cartográfica e Estatística e da V Seção do Conselho Nacional de Geografia. Tudo isto fazia parte do movimento desencadeado pelo governo e que se chamou de "Marcha para o Oeste", nada tendo propriamente a ver com a problemática da educação brasileira. Por isto mesmo o evento não conseguiu arrancar a ABE do torpor em que, segundo toda evidência, havia ancorado. Parece comprová-lo a ata da Assembléia Geral, realizada a 26 de outubro de 1942, ao consignar que tendo renunciado o titular eleito em Goiânia, não fora possível atender às exigências dos estatutos na sua substituição de vez que não existia nenhum departamento estadual em atividade. "Em fase do exposto", prossegue a ata, "só existe o Departamento do Rio de Janeiro. Por isso a sua diretoria vem propor à Assembléia avocar este departamento todas as responsabilidades que cabem à entidade nacional, voltando a usar a expressão genérica Associação Brasileira de Educação". (Educação, 17-18, janeiro-dezembro, 1943, p. 56. A seção local sempre se denominaria Associação Brasileira de Educação - Departamento do Rio de Janeiro. Na Assembléia Geral de 29 de outubro de 1947, reformam-se os estatutos para dar à entidade, novamente, caráter nacional).

Embora não esteja compreendido no período fixado para a presente análise a ABE parece iniciar um novo ciclo de sua história em 1945, talvez caracterizado por uma atuação eminentemente política. Assim, começa por engajar-se no movimento em prol da redemocratização do país. A 19 de março o Conselho Diretor reúne-se e considera que essa é a questão essencial, A 12 de abril a ABE adere à campanha da anistia. Segue-se o nono congresso que vota o documento entitulado Carta da Educação Democrática (publicada na revista Educação, 21:24-28, 1948).

5. A questão da universidade e a ABE

Uma das atividades mais importantes da ABE foi, como vimos, a realização de conferências nacionais, assim como de dois "inquéritos" entre líderes educacionais do país a respeito de questões de ensino e da universidade. A idéia de promover um inquérito entre especialistas aparece na exposição de Levi Carneiro, ao assumir a Presidência, que então se exercia em rodízio entre os membros da diretoria, a 15 de julho de 1925.[30] Seu objetivo consistia em "provocar o pronunciamento de grande número de pessoas competentes previamente escolhidas", Em começos de 1926 a ABE expediu uma circular em que solicitava opinião acerca dos seguintes assuntos: 1) criação do Ministério da Educação; 2) contratação de professores estrangeiros e 3) instituição do Fundo Escolar, Esse primeiro inquérito não parece ter sido bem sucedido, desde que a publicação não mais voltou ao assunto. Contudo, em 1926, tem lugar o inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, promovido pelo jornal O Estado de São Paulo, sob a direção de Fernando de Azevedo e, em 1927, o inquérito sobre ensino secundário, patrocinado pela ABE,

Do ponto de vista da presente análise, adquire maior relevância o inquérito sobre o problema universitário brasileiro, convocado em começos de 1927, pela Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE,

O inquérito foi dirigido por uma comissão integrada pelos professores Domingos Cunha, Roquete Pinto, Ferdinando Laboriau, Inácio Azevedo Amaral, Levi Carneiro, Raul Leitão da Cunha e Vicente Licínio Cardoso, A ABE obteve o apoio de O Jornal e do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro e de O Estado de São Paulo. Membros da comissão visitaram São Paulo, Bahia e Minas.

A Seção de Ensino Técnico e Superior formulou os seguintes quesitos:
I - Que tipo universitário adotar no Brasil? Deve ser único? Que funções deverão caber às universidades brasileiras?

I - Não conviria, para solução de nosso problema universitário, aproveitar os elementos existentes como observatórios, museus, bibliotecas, promovendo a sua articulação no conjunto universitário?

III - Não é oportuno realizar, dentro do regime universitário, uma obra concomitantemente nacionalizada do espírito de nossa mocidade?

V - Não seria de todo útil que os governos estaduais auxiliassem ao governo federal na organização universitária?

V - Não convém estabelecer mais íntimo contato entre o professor e o aluno?

VI - Não convém a adoção, onde possível, do livro texto (sistema norte-americano) em substituição gradual do ensino oral?

VII - É satisfatória a situação financeira do professor universitário? Não se impõem medidas reparadoras?


Os quesitos foram encaminhados a personalidades representativas. Além disto, os membros da comissão ficaram incumbidos da redação de teses relativas a cada um dos temas propostos.

Responderam ao inquérito 33 professores do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul. Pronunciou-se ainda o Conselho Universitário da Universidade de Minas Gerais. As respostas, juntamente com as teses da comissão organizadora e alguns dos depoimentos do inquérito de O Estado de São Paulo foram publicados em 1929[31].

O inquérito da ARE e a publicação do livro indicado constituem forma inteiramente original de encaminhamento do problema educacional no país, porquanto buscam, antes de mais nada, o estabelecimento de um consenso no seio da comunidade docente. Objetiva-se, assim, superar o vício das reformas precedentes, caracterizado nestes termos:
"Houve de fato, como foi frisado, em torno de cada reforma, dois sistemas expressivos da precariedade de seus ideais: renúncia do Congresso a suas funções legislativas, outorgando poderes ao ministro cujo nome fica individualmente preso à reforma; reação pronta, subsequente, determinada nas próprias faculdades, o que flagrância, pela animosidade das congregações, o fato de não haverem sido ouvidas ou consultadas. As reformas já nascem, pois, com os dias contados: sem credenciais de êxito, ridicularizadas, demais, que são pelos catedráticos, diante da onisciência do ministro reformador, julgando-se versado (aconselhado sempre por 3 ou 4 amigos professores, cujos nomes não aparecem em público) em todos os cursos superiores de modo a poder modificar não só as matérias de um dado ensino, como também o programa de uma qualquer de suas cadeiras" [32]
O inquérito da ABE buscou não apenas o consenso acerca de temas substantivos da questão universitária, como cuidou sobretudo de estabelecê-lo no seio da elite acadêmica. Assim, opinaram sobre o assunto os educadores mais conhecidos na época como Jonatas Serrano, Francisco Venâncio Filho, Alcides Bezerra, Mendes Pimentel; juristas e professores de direito como Luiz Carpenter e Levi Carneiro; professores de engenharia como Barbosa de Oliveira e Corinto da Fonseca. Em geral, professores dos diversos estados em que funcionavam estabelecimentos de ensino superior.

Comparece também o núcleo dirigente da Academia Brasileira de Ciências: Amoroso Costa, Ferdinando Laboriau, Inácio Azevedo Amaral e Álvaro Osório de Almeida, Finalmente, do debate participaram intelectuais de renome no período como Vicente Licínio Cardoso, Gilberto Amado e Tristão de Ataíde.

O surgimento de uma consciência nova acerca da universidade aparece igualmente em outra das iniciativas da ARE : as Conferências Nacionais de Educação.

A decisão de promover, todos os anos, conferências nacionais de educação, foi tomada em 1927. A primeira conferência realiza-se em Curitiba, no mesmo ano de 1927. A segunda conferência terá lugar em Belo Horizonte, em 1928, a terceira, em São Paulo, em 1929.[33]

Nas duas primeiras conferências os debates giraram sobretudo em torno das teses apresentadas pelos participantes que versavam sobre os assuntos mais diversos, A terceira foi dedicada ao ensino secundário. Contudo, o tema da universidade ocupou posição de destaque em todos os certames.

Na I Conferência, Amoroso Costa apresentou uma tese intitulada As Universidades e a Pesquisa Científica que, segundo se mencionará, resume um ponto de vista acerca da instituição, talvez o resultado mais significativo do debate ocorrido no período. Na segunda conferência, o tema é relatado por Tobias Moscoso, tendo seu pronunciamento alcançado grande repercussão. Também a Universidade de Minas Gerais manifestou-se sobre o assunto. A terceira conferência, embora dedicada ao ensino secundário, enseja discussão das mais interessantes, conforme se pode ver dos Anais. Esse debate tem lugar no Rotary Clube, em presença dos delegados à terceira conferência, presidido por Teodoro Ramos, e busca estabelecer o que seria a função primordial da universidade.

Finalmente o problema universitário é discutido no Congresso de Ensino Superior realizado no Rio de Janeiro de 11 a 20 de agosto de 1927, em comemoração ao centenário dos cursos jurídicos. O tema é considerado de diversos ângulos, em geral pelos participantes do inquérito promovido pela ABE, razão pela qual as teses apresentadas a esse congresso figuram igualmente na publicação que lhe foi dedicada, antes mencionada. Foram abordados estes aspectos: definição do tipo de universidade que mais se adapta às condições do Brasil (Luiz Carpenter), requisitos indispensáveis para a criação de universidade (Abelardo Lobo), exame da oportunidade da criação de universidades livres (Azevedo Sodré), o desenvolvimento do espírito universitário e o papel dos seminários ou institutos de investigação científica na vida universitária.

No debate considerado, discutiram-se preferentemente estes temas: a) que funções deve ter a universidade, isto é, que modalidade de ensino incumbe-lhe ministrar e que formação dará àqueles que freqüentem seus cursos; b) qual a vinculação a ser estabelecida com a entidade mantenedora, ou, mais explicitamente, de que níveis de autonomia deve desfrutar e c) como se deve estruturar o seu governo. Às funções da universidade vincula-se a definição dos institutos que a compõem. Tratou-se igualmente da didática do ensino, da formação e aperfeiçoamento dos professores e da importância do campus universitário, Contudo, as três questões de início apontadas esgotam o essencial, pelo menos a partir dos objetivos da presente análise.

Álvaro Osório de Almeida, em conferência pronunciada em novembro de 1927 sob os auspícios da ABE, incluída no volume O problema universitário brasileiro, chamou a atenção para uma questão preliminar cuja magnitude somente se evidenciaria nos anos trinta: a preferência por um outro nível de ensino e, em nome desta, o abandono dos outros segmentos. Vale transcrever o que então escreveu:
"Imaginemos que por um desenvolvimento excepcional do ensino primário desapareça o analfabetismo no Brasil, que todo brasileiro saiba ler. Seria evidentemente um grande passo, mas incompleto. Cada um desses brasileiros teria se tornado mais receptivo ao progresso do que antes de aprender a ler, mas faltariam os homens capazes de resolverem os complexos problemas de uma grande nação civilizada. Trinta e quatro milhões de brasileiros com instrução primária não somam um homem superiormente instruído. O saber não é uma grandeza aditiva.

Onde se encontraria a elite intelectual, capaz de analisar as complexas situações de uma nação jovem em evolução, isolar os seus elementos, resolver os problemas que se apresentam e acelerar o seu desenvolvimento?

Imaginemos inversamente a organização de ensino superior em um pais de analfabetos; tal situação só poderia existir com um regime autocrático no qual o soberano decide suas ações sem que o povo as compreenda e lhe tome contas. Em uma república, em uma democracia como o Brasil, esse regime não se poderia manter, A elite intelectual tem que se apoiar nas massas menos instruídas, mas contudo suficientemente educadas e instruídas para compreenderem a sua importância e o papel que aquele exerce em seu proveito.

Como admitir a possibilidade de aparecimento de uma elite da inteligência e do saber em uma nação de selvagens?

Assim, acredito que o simples bom senso mostra estarem errados aqueles que, por uma visão parcial do problema, desejam e trabalham pelo desenvolvimento de uma só parte do ensino. combatendo a organização das outras seções de instrução.[34]
Múltiplas terão sido as razões pelas quais o esforço em prol do estabelecimento de um consenso acerca da universidade, que ora descrevemos, se haja frustrado com a Reforma Francisco Campos - que deveria ser o seu corolário natural - e sobretudo com a sua prática, pelo menos em relação à Universidade do Rio de Janeiro. Contudo, contribuiu para semelhante desfecho a importância que se atribuía ao ensino secundário. O correto entendimento do papel específico e insubstituível de cada um dos segmentos do ensino correspondia, de fato, a uma questão preliminar, como assinalou Álvaro Osório de Almeida.

As funções da universidade

Tobias Moscoso, que foi o relator do tema na I Conferência Nacional de Educação (Belo Horizonte, 1928), entende que, por suas linhas gerais, lograra-se estabelecer este consenso:
"Entendo que, ao criarmos as universidades, deveremos nitidamente distinguir dentro delas duas orientações, para as quais se disporão os cursos e regimes apropriados e se porão todos os recursos à disposição dos alunos, consoante o temperamento e aptidão de cada um: essas duas orientações serão a técnica e a científica. A primeira levará à formação da perícia na aplicação à vida prática. profissional, da ciência adquirida, mediante o conhecimento dos preceitos e processos econômicos ótimos, considerados em geral e particularmente em relação ao nosso pais. A segunda visará à competência na investigação científica e na contribuição para o avanço da ciência, mediante os métodos experimentais e lógicos em que se adestrem os sentidos na observação dos fenômenos e o espírito na estatística dos resultados, na indução das leis e no raciocínio dedutivo, tudo, quando oportuno, dirigido especialmente para os fatos do Brasil. As universidades têm que preparar, com efeito, ao mesmo tempo. técnicos e pesquisadores da ciência. E o mesmo direi em relação às letras e às artes, em cujo domínio os alunos seguirão as duas orientações harmônicas mas distintas, uns cuidando essencialmente de executar, os outros de descobrir.
A este respeito estou em que as opiniões se não dividem entre nós. Divergem, isso sim, quanto ao modos faciendi ou ao grau de importância atribuível a cada orientação.[35]

Azevedo Sodré, relator de um dos temas debatidos no Congresso de Ensino Superior (Rio de Janeiro, 1927), depois de examinar detidamente a experiência alemã e americana, manifesta-se de maneira aproximadamente idêntica a Tobias Moscoso:
"A universidade brasileira deve ter por principal objetivo o ensino profissional, educando e preparando alunos para todas as profissões, cujo exercício exija, além de tirocínio prático, conhecimentos científicos especiais. Deverá abranger várias escolas técnicas, podendo no começo ser incompleta e ir crescendo por epigenesia com a criação ou incorporação de novos cursos ou escolas.

Além desse objetivo principal deve a universidade brasileira visar igualmente ao ensino dos ramos mais elevados do saber humano e a organização da pesquisa original, em ordem a contribuir para a progresso da ciência. Deverá pára isto ter institutos e laboratórios bem aparelhados e manter, ao lado das faculdades e escolas profissionais, uma faculdade de letras e outra de ciências e altos estudos, conferindo diplomas de bacharel ou doutor em letras, em ciências físicas e naturais, em matemáticas, em ciências sociais, etc".[36]
Tenha-se presente que o entendimento antes expresso resultou da mais veemente condenação ao caráter meramente utilitário do ensino superior brasileiro, Isto é, chegou-se a considerar a atuação da universidade nessas duas frentes depois de ter-se enfatizado que a simples formação profissional, nos moldes em que foi praticada desde as primeiras décadas do século XIX, não se revestia do caráter próprio que se atribui à instituição universitária. Gilberto Amado afirmaria: "É indiferente que as faculdades de preparação profissional, técnica, imediata, entre nós chamadas superiores, como as de direito, medicina, engenharia, de minas, agronômicas, militares, etc. continuem isoladas ou reunidas se um princípio de organização geral não lhes modifique o caráter". O que se faz mister, nossa primeira necessidade, conclui, é a criação de centros de cultura científica e centros de cultura humanística, isto é, "universidade com faculdades de química, de física, de matemática, de ciências biológicas, com abundância de meios para a pesquisa científica em todos os ramos da atividade pura e com faculdades de filosofia, de letras e de ciências sociais com todos os meios eficientes para a formação da alta cultura."[37]

Álvaro Osório de Almeida diria, na conferência antes citada que, dentre os dois grandes objetivos da universidade - o ensino dos ramos elevados do saber e o desenvolvimento das ciências - é o segundo o mais importante:
"A experiência secular de todos os povos que progrediram e progridem, mostra que, para manutenção desse espírito de progresso, é necessário manter, ao lado os espíritos utilitários, outros, idealistas, muito mais raros que os primeiros, capazes de encontrar na contemplação pura dos fenômenos naturais, em seu conhecimento ou estudo, ou no cultivo das letras, a plena satisfação às suas necessidades intelectuais. . . Esses espíritos não necessitam de excitações externas ou de outros homens, para o seu trabalho. Este traz em si mesmo as alegrias e a recompensa de que todos nós necessitamos, São eles a fonte, a origem de toda produção intelectual e de todo o progresso da sociedade, Dai a necessidade, compreendida por todos os meios adiantados, de manter esses homens ao lado dos espíritos utilitários, que neles se inspiram e transportam os frutos por aqueles colhidos, adaptando-os e aliciando os ávida das sociedades humanas". [38]
A contribuição de Amoroso Costa ao debate é enfática ao afirmar que "a organização atual dos nossos cursos superiores é inteiramente utilitária e visa apenas à educação profissional", o que explica "a opinião vulgar de que a ciência só vale pelas suas aplicações, pela maior soma de comodidades que nos proporcional". Não contesta a importância do ensino técnico, que deve ser ampliado e aperfeiçoado constantemente. Mas, parece-lhe, sem desenvolver o gosto pela pesquisa original não há universidade digna desse nome. E é para esse aspecto que deseja chamar a atenção.

Amoroso Costa esclarece que a reputação científica de um país se mede exclusivamente pela contribuição a essas pesquisas. Ao que acrescenta:
"O que há de essencial na pesquisa científica é a inspiração idealista que ela é eminentemente apta a desenvolver. Mais do que descobridores, os que a ela se consagram são mestres de humanidade, para os quais nada existe de comparável ao culto da verdade e da beleza. Amparar o seu esforço, pois, é preparar um mundo melhor. [39]
Assinala que no Brasil pouco se tem feito nesse sentido. Nas ciências naturais encontra número relativamente grande de pesquisadores. À medida, porém, que se consideram domínio menos concretos, a produção original escasseia rapidamente, pela ausência de ambiente propicio a tais estudos. Lembra que espíritos de primeira ordem como Gomes de Souza e Otto de Alencar quase nada produziram que se tenha incorporado à ciência, em vista de seu isolamento e auto-didatismo.

A fim de superar semelhante lacuna, apresenta o seguinte programa de atuação para as faculdades de ciências:
I - As faculdades de ciências das universidades devem ter como finalidade, além do ensino de ciência feita, a de formar pesquisadores, em todos os ramos dos conhecimentos humanos.

II - Esses pesquisadores devem pertencer aos respectivos corpos docentes, mas com obrigações didáticas reduzidas, de modo a que estas não perturbem os seus trabalhos originais.

III - Devem ser-lhes assegurados recursos materiais os mais amplos: laboratórios para pesquisa biológica e físico-químicas, observatórios astronômicos, bibliotecas especializadas, fácil idades bibliográficas, publicações periódicas para divulgação dos seus trabalhos, aparelhamento para explorações geográficas. geológicas e mineralógicas, biológicas e etnográficas.

V - Deve ser-lhes assegurada uma remuneração suficiente para que eles dediquem todo o seu tempo a esses trabalhos. [40]
Temos assim que emerge a idéia de que a criação da universidade no Brasil prende-se ao desenvolvimento da ciência pura porquanto o ensino profissional acha-se instituído. Agora pode-se dizer que semelhante propósito é prematuro, como o faz C. A. Barbosa de Oliveira,[41] mas nunca desconhecer o novo ponto de vista.

Muito representativo da nova circunstância é o debate que se trava em São Paulo, na oportunidade da III Conferência Nacional de Educação (7 a 15 de setembro de 1929), sob a presidência de Teodoro Ramos, na sede do Rotary Clube, em presença dos delegados ao conclave.

A questão prende-se a uma conferência realizada naquela instituição, no mês anterior, divulgada em O Estado de São Paulo, pelo Dr. Victor da Silva Freire, em que afirmou, pretendendo louvar-se da experiência européia, que a função primordial das universidades consiste na formação de chefes de indústrias, isto é, homens dotados de habilitação profissional, mas possuidores igualmente de cultura geral.

Na discussão desse ponto de vista que se trava na oportunidade da terceira conferência suscitam-se opiniões contrárias, mobilizando argumentos que vale consignar. Assim Fonseca Teles, um dos contestadores, entende que o enunciado anterior não pode de modo algum consistir em função primordial. A ênfase, parece lhe, deve caber às faculdades de ciências puras, embora, ao lado destas, a instituição deva manter institutos técnicos ou de ciências aplicadas. A propósito da Alemanha, que havia sido invocada por Victor da Silva Freire, chama a atenção para o fato de que, ali, são distintas as funções da universidade e das escolas técnicas e superiores, cabendo às primeiras também a formação de professores e cientistas. Em favor de uma posição diametralmente oposta à que foi levantada, invoca a conclusão de G. Blondel, professor da Escola de Ciências Políticas de Paris, segundo a qual "estamos hoje de acordo em que as universidades devem continuar antes de tudo como foyers de ciência pura, de ciência desinteressada".[42]

Os Anais da terceira conferência transcrevem ainda uma conferência pronunciada na mesma oportunidade, de Ernesto Souza Campos - que mais tarde se tornaria conhecido estudioso de problemas educacionais, autor de vasta bibliografia, tendo chegado a ministro da Educação - combatendo a hipótese apresentada ao debate no Rotary. Afirma que no continente europeu, ao contrário do que se havia insinuado, as escolas de engenharia e outros institutos técnicos geralmente não fazem parte das instituições universitárias, salvo raras exceções. Assim se manifesta acerca do modelo que conviria adotar no Brasil :
"Convém-nos melhor, segundo meu juízo, o tipo misto com um bom núcleo de estudos científicos e culturais desinteressados, que irá crescendo gradualmente pela justaposição de novas peças, até atingir o valor das faculdades de filosofia, ou ciências e letras, ou artes liberais, sistema completado pelas escolas profissionais que possuam elevada organização científica e capacidade para desenvolver pesquisas originais, aparelhamento indispensável para manutenção destes institutos no alto nível que lhes compete." [43]
Parece lícita, portanto, a conclusão de Tobias Moscoso quanto à existência de um consenso acerca das funções da universidade: cabe-lhe acolher a ciência pura, não fazendo o menor sentido dar semelhante denominação a simples aglomeração de escolas profissionais.

Moscoso assinala que o consenso não abrangia o modus faciendi. O grupo de vanguarda, integrado pelos membros da Academia Brasileira de Ciências, estaria inclinado a supor que a maneira prática de implantar a nova orientação seria através da criação das faculdades de ciências. Teodoro Ramos acha que, em São Paulo, a universidade poderá ser criada de imediato, estruturando-se uma faculdade de filosofia e letras, em instituto de educação e alguns cursos superiores de matemática, física e química. Estes poderiam ter lugar na própria Politécnica, complementando os laboratórios e aproveitando elementos nacionais de valor ou professores estrangeiros vinculados aos Institutos Franco-Paulista e Franco-Brasileiro de Alta Cultura. A partir dessa base seria possível desenvolver os institutos de pesquisa científica e de cultura livre e desinteressada, único meio de "arrancar-nos da situação subalterna em que, no terreno científico, nos encontramos."[44]

O encaminhamento sugerido por Teodoro Ramos prende-se talvez à consciência da carência de recursos. Álvaro Osório de Almeida achava que os governos deviam dotar as universidades de patrimônio que lhes permitissem viver de forma autônoma embora sóbria, cabendo a estas arcar com o próprio custeio, mediante a cobrança de taxas e doações particulares. Agrupados os institutos num mesmo local evitar-se-ia a duplicação de dispêndios em instituições afins. A par disto, estabelecer-se-ia, pelo contato, uma verdadeira consciência de classe entre os professores, capaz de defendê-la contra as seduções do dinheiro.
"Coloque-se, pois, todas as escolas ao lado uma das outras, junte-se uma biblioteca completa, providencie-se para o alojamento fácil e barato de alunos do interior, facilitem-se jogos e recreios, e ter-se-ia perfeita, embora possa-se partir de uma organização mo desta, a instalação material da universidade." [45]
Essa preocupação de tornar exeqüível a iniciativa, do ponto de vista dos recursos materiais, aparece igualmente no pronunciamento de Francisco Venâncio Filho:
"Não adianta muito dizer que precisamos disto ou daquilo... Pelo fato de não ter apontado solução econômica, está sem solução. Por isso vai aqui, descendo ao terra-a-terra do custo em dinheiro, o esboço de uma Faculdade de Ciências, modesta mas decente, sem suntuosidades pomposas, sem despertar apetites abertos, mas exeqüível nas suas próprias bases e com elasticidade para que se pudesse ampliar posteriormente, seja com a iniciativa oficial, seja com o auxílio particular, despertados com os resultados alcançados".
Francisco Venâncio Filho dispensa mesmo qualquer organização burocrática, desde que se tratava de uma instituição de cultura. "A faculdade teria a direção imediata do reitor da universidade e haveria apenas um funcionário permanente, o secretário, a quem caberia toda a organização e expediente..."[46]

Níveis de autonomia

No curso do debate ora caracterizado, chegou-se a considerar que o êxito da iniciativa dependia diretamente da autonomia que a nova entidade chegasse a conquistar em relação ao Estado. Não se tratava da velha bandeira da "liberdade de ensino", preconizada pelos positivistas e que consistia, segundo se evidenciou, em liberdade para estabelecer-se o monopólio da doutrina comteana. A questão residia em assegurar à universidade autonomia didática mas também administrativa. Álvaro Osório diria que, no Brasil, a universidade correspondia a uma expressão irreal entre outras coisas pelo seguinte:
"É uma repartição pública sem independência. O chefe do Departamento de Ensino, o reitor, o vice-reitor, diretores de faculdades são meros funcionários, sem independência de ação, demissíveis a gosto e vontade do governo; por mais eminentes que sejam, e felizmente eles o são - não podem agir e estou certo que se deixassem em suas memórias noticias do que pretenderam fazer e que não puderam executar, seria uma demonstração dolorosa, mas ilustrativa, do que afirmamos. Não peçamos a eles, pois, confissões públicas".
Álvaro Osório de Almeida tinha em vista sobretudo a situação do ensino superior em geral e, em, especial, a experiência dos anos de existência da Universidade do Rio de Janeiro. Tendo-se estruturado naquele período a Universidade de Minas Gerais[47], observa que os mesmos defeitos se faziam presente. Aponta como exemplo o aviso do ministro da Justiça, dispensando de prova escrita a alunos naquela instituição, ao que exclama: "A simples formalidade de um exame é resolvida não pelos professores e diretor, mas por ministro domiciliado a mil quilômetros de distância".

A idéia de que a ingerência oficial poderia burocratizar e asfixiar o novo ifstituto, e assim frustrar o almejado desenvolvimento da pesquisa científica, parece algo difundido, não consistindo simples receio dos homens mais ligados  à Academia Brasileira de Ciências, como Álvaro Osório de Almeida, e que dispunham de fundadas razões para duvidar do interesse governamental por semelhante projeto. O professor Bruno Lgbo, que procura expressar a opinião do corpo docente da Facuddade de Medicina do Rio de Janearo, iria reivindicar para a universidade "ampla autonomia didática e administrativa, sefdo que a autonomia didática deve ser das faculdades que a coepõem, enquanto que a administrativa só deve ser cerceada pela nomeação do reitor pelo doador, quando existir aquém com esse direito, Estado ou particular, custeando as suas elevadas despesas.[48]

Tobias Moscoso, tendo relatado o tema num congresso, desejaria certamente expressar certo consenso, não apenas da Escola Politécnica mas do professorado que tivera oportunidade de ouvir como um dos dirigentes da Assocaação Brasileira de Educação, ao afirmar que "a obra seria, não digo inteiramente frustrânea mas grandemente lesada, pela intervenção do Estado na gestão de tais institutos, principalmente no que se refere às questões didáticas. Sou, pelo que me ensinam as lições de outrgs países e pelo que sei do nosso, partidário decidido da completa autonomia das universidades, da sua independência integral em relação ao governo e até do Poder Legislativo". Diria ainda não desconhecer que "essas idéias liberais, chocam na nossa terra muita gente. Preconceitos e rotinas também gozam de prestígio, dispõem de grande força. E não falta quem, quando se trata de legislar sobre alguma coisa, pense logo, antes de tudo, em restrições, peias, entraves, limitações, invés de facilidades para a ação e estimulo para o esforço. . . O mal não está na liberdade mas na inferioridade dos homens que a desfrutam. Na organização das universidades cuide-se de as prover com gente de escol, na inteligência, no caráter, na ilustração. Dê-lhes autonomia, de verdade, e o benefício para o nosso ensino superior será feliz realidade, em pouco tempo.”[49]

Apareceria, contudo, uma posição conciliadora, expressa por Azevedo Sodré. Para fundamentá-la considera que a autonomia diz respeito às relações com a entidade mantenedora. Assim, a universidade inglesa rege-se livremente, sem a menor ingerência do Estado mas dispõe de grandes patrimônios. Já a universidade francesa desde Napoleão é mantida e dirigida pelo Estado. Lembra que, no entender de Royer Collard, "a universidade era o próprio governo aplicado à direção geral do ensino". E acrescenta: “entre um tipo e outro coloca-se a universidade alemã que, sendo instituição do Estado, por ele em parte mantida, e vivendo sob a sua vigilância imediata, conservou uma parte notável do seu caráter corporativo, dispõe de personalidade jurídica, goza de uma parcial liberdade didática e de uma privilegiada jurisdição disciplinar". Dessa análise conclui:

"Nenhum tipo de universidade atualmente existente poderia ser adotado no Brasil sem inconvenientes mais ou menos sérios. Haverá, pois, mister organizar-se um tipo novo, com o aproveitamento de elementos fornecidos por outros tipos, tendo-se em vista as condições de nosso meio e o estado de civilização da nossa sociedade. A universidade brasileira deve ser semi-oficial, dispor de autonomia didática e disciplinar tão completa quanto possível e de uma relativa autonomia administrativa. A autonomia universitária absoluta, em relação aos poderes públicos, é uma aspiração incompatível com o conceito do Estado. A universidade brasileira deve viver de subvenções concedidas pelos poderes públicos, da renda de um patrimônio que se for constituindo e de uma contribuição moderada e diferencial fornecida pelos alunos”.[50]

O governo da universidade

As questões precedentes - funções da universidade e níveis de autonomia - eram naturalmente de molde a suscitar controvérsia, o que não ocorria com a forma de estruturar os órgãos dirigentes. O ponto polêmico residia apenas na ingerência da entidade mantenedora - o Estado, a bem dizer - no processo de escolha do reitor, parecendo essencial que devesse, antes de tudo, gozar da confiança de seus pares. Não se cogitou da formação de lista de nomes com vistas a circunscrever a escolha oficial, adotada posteriormente, mas a inclinação era por algo desse tipo, isto é, por uma fórmula que evitasse o simples ato da nomeação, sem consulta à entidade.

A formulação de Azevedo Sodré, adiante transcrita, pretende resumir o entendimento a que se chegou:

"Sua direção deve caber a um reitor, assistido por um Conselho Universitário. O reitor será eleito por este conselho, com um mandato por três anos, podendo ser renovado. O conselho será constituído pelos diretores das faculdades e escolas filiados à universidade, por um delegado do governo federal e outro do prefeito Municipal para a Universidade do Rio de Janeiro, ou do governo estadual para as que se fundarem nos Estados. Farão parte igualmente deste conselho mais seis membros, estranhos ao magistério, com um mandato de três anos, renovado pelo terço todos os anos, eleitos pelos antigos alunos diplomados que compareçam às festas de encerramento dos cursos da universidade". [51]

Azevedo Sodré admite a nomeação pelo governo dessa representação dos antigos alunos no ciclo inicial da universidade. Como se vê, não se pretende excluir o Estado do processo de escolha, mas apenas evitar que o faça com exclusividade e prevalência sobre o corpo docente

Diversos outros temas foram abordados no curso de debate que ora se resume, notadamente a importância do "campus" universitário, a adoção de regime de trabalho e remuneração capazes de assegurar a dedicação dos docentes, institutos a serem organizados, etc. Assinale-se apenas que no período considerado, isto é, fins da década de vinte, preservava-se entendimento da figura do docente livre em consonância com a sua formação histórica, em outros países, entendimento que mais tarde iria de todo desaparecer. Assim, o professor Luiz Carpenter, da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, assim os define: "...professores estranhos à universidade, lecionando disciplinas do quadro delas ou outras não constantes do quadro, a alunos universitários ou estranhos... sem um centil de despesa nem para a universidade nem para o Estado, cobrando o docente, dos seus alunos, as taxas que com eles ajustar, e podendo fazer da livre docência um meio de vida ou profissão honrosa."[52]

Desfecho Inesperado. A Reforma Francisco Campos e sua Execução

No período em que nos encontramos, a cultura intelectual sem objetivo claro e definido deve ser considerada luxo acessível a poucos indivíduos e de escasso proveito à coletividade.
Getúlio Vargas


1. Inflexão no papel atribuído à universidade

A reforma levada a cabo logo após a Revolução de 1930, dispondo que o ensino superior deveria obedecer, de preferência, ao sistema universitário passou à história com o nome do ministro que a encaminhou, a exemplo da tradição. Desta vez, porém, o autor identifica-se plenamente com a obra, o que nem sempre aconteceu no passado.

Francisco Campos, aos 40 anos de idade, fora nomeado titular do recém-criado Ministério da Educação. Ascendia ao poder, ao que se supunha, como representante de Minas Gerais no novo governo, isto é, daquela facção que aparentemente justificava o nome de liberal dado à aliança que promoveu a revolução, desde que os gaúchos, que iriam rapidamente conquistar a hegemonia do movimento, muito distanciados se achavam de semelhante ideário. Identificavam-se com o castilhismo, facção do republicanismo autoritário que logrou melhor fundamentação teórica, enriquecida, à época, pela prática do exercício do poder ao longo de quatro decênios.

Na verdade, contudo, a cultura do jovem político mineiro foi colocada abertamente ao serviço do autoritarismo, incumbência que soube realizar com inegável talento, graças ao que iria transformar-se em figura exponencial dessa vertente, ao longo das décadas seguintes.

No caso específico da reforma do ensino que promoveu e patrocinou, admite-se que tenha buscado refletir o consenso dos educadores, aos quais se achava ligado pelo exercício das funções de secretário do Interior, de Minas, o que o levaria a presidir a II Conferência Nacional de Educação, no mês de novembro de 1928, bem como a efetivar, em seu estado natal, a reforma do ensino primário. Contudo, concebeu de tal maneira o novo instituto ao qual se atribuía o papel de fomentar a ciência que sua reforma acabou não tendo qualquer conseqüência prática no sentido de alterar o quadro tradicional.

Tinha suportes eminentemente culturais a idéia de universidade que se configurou, na segunda metade da década de vinte, na mente de parcela significativa da elite brasileira, segundo a qual esse novo instituto não se requeria para o ensino superior de caráter profissional, mas em vista do desenvolvimento do saber desinteressado. Supunha-se, é certo, que da criatividade científica poderia advir o progresso material. Contudo, a tanto não se reduzia a questão. O aprendizado da ciência e a pesquisa científica chegaram a granjear o respeito de segmento representativo da intelectualidade, que as considerava justificativa suficiente para a reforma pretendida. Expressando esse estado de espírito, Amoroso Costa exclamaria: "A alguém que o interroga um dia sobre a utilidade de não sei que questão da teoria dos números, respondeu Jacobi que o objetivo único da ciência é a honra do espírito humano".[53]

Na Reforma Francisco Campos a questão adquire conotação eminentemente política, Imbuído que estava da convicção de que o ensino secundário, se deixasse de constituir simples passagem para o ensino superior, poderia preparar o homem brasileiro para enfrentar a época de mudanças bruscas em que ingressara a humanidade, passou a atribuir situação privilegiada a esse ciclo educacional, Assim, acabou colocando a universidade a serviço de semelhante projeto. Tratando da reforma do ensino secundário, afirmaria Francisco Campos que "o mundo contemporâneo é um mundo em estado de movimento e de mudança, em que dia a dia se acentua a necessidade de rever as soluções anteriores, dar novas soluções a situações novas e imprevistas e reconstruir os sistemas de noções e de conceitos de maneira a assegurar a consistência do seu contexto em face de novas situações e experiências.”[54]

O ensino secundário não deve circunscrever-se ao preparo de candidatos aos cursos superiores nem muito menos preocupar-se com o volume dos conhecimentos a transmitir. Sua função precípua é "construir um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos, ao invés de mobiliar o espírito de noções e de conceitos, isto é, de produtos acabados, com o qual a indústria usual do ensino se propõe formar o stock dos seus clientes". Tanto maior é a sua responsabilidade quanto menor a influência educativa da família e da comunidade, em decorrência da diferenciação e crescimento das aglomerações humanas, do alargamento e da expansão dos espaços sociais, A reforma do ensino secundário é, finalmente, reclamada em nome do espírito e dos princípios pelos quais a revolução ascendeu ao poder, desde que da iniciativa depende "não apenas os destinos de nossa cultura moral e intelectual, senão o nosso desenvolvimento econômico e o crescimento de nossa riqueza pública e privada."[55]

Em matéria de ensino superior é provável que Francisco Campos não nutrisse convicções tão arraigadas. Acresce o fato de que a Revolução de 1930 não trazia nenhuma política educacional bem definida. Talvez por isto tivesse concordado em estabelecer que o ensino superior deveria ser ministrado na universidade, a qual competia agregar a Faculdade de Ciências, agora denominada Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Sua maior preocupação, contudo, volta-se para a formação de professores secundários. E embora essa missão não seja incompatível com o propósito do movimento antes caracterizado, de desenvolver a pesquisa científica no país, atribui-lhe maior prioridade.

O ministro reconhece que o novo instituto - a Faculdade de Educação, Ciências e Letras - ao permitir que a vida universitária transcenda os limites do interesse puramente profissional, confere à universidade o seu caráter próprio. "Cumpria porém" - assim prossegue - "não esquecer, na primeira tentativa que se faz de instalar no Brasil um instituto de alta cultura, que nos povos em formação como o nosso, a cultura não pode ser organizada de uma vez, integralmente e de maneira exclusiva. Para que instituto dessa ordem vingue entre nós, torna-se indispensável que resultem da sua instituição benefícios imediatos, devendo a sua inserção no meio nacional fazer-se exatamente nos pontos fracos ou nas lacunas de nossa cultura, de maneira que o seu crescimento seja progressivo e em continuidade com as nossas exigências mais próximas e mais imperativas. Essas considerações determinaram o caráter especial e misto da nossa Faculdade de Educação, Ciências e Letras, dando-lhe ao mesmo tempo funções de cultura e papel eminentemente utilitário e prático".

Francisco Campos preocupa-se com a possibilidade de que as Faculdades de Ciências se tornassem "adorno ou decoração pretensiosa em casa pobre". Em vista "das imperiosas necessidades do presente" é-lhes atribuída função de caráter pragmático e de ação imediata sobre nosso estado de cultura. Essa função apresenta nestes termos: "Ao lado de órgão de alta cultura ou de ciência pura e desinteressada, ele deverá ser, antes de tudo e eminentemente, um instituto de educação, em cujas divisões encontrem todos os elementos próprios e indispensáveis a formar o nosso corpo de professores, particularmente os do ensino normal e secundário, porque deles, de modo próximo e imediato, depende a possibilidade de se desenvolver, em extensão e profundidade, o organismo, ainda rudimentar, de nossa cultura".[56]

O ensino secundário, a seu ver, será ainda por muitos anos pobre, insuficiente e às vezes nulo. Falta-lhe sobretudo corpo docente de orientação didática segura, particularmente no que se refere às ciências básicas e fundamentais. Em nome dessa preocupação é que precisamente o órgão definidor da universidade deve ser, como disse, antes de tudo e eminentemente, um instituto de educação.

Assim, Francisco Campos, na verdade, não adere ao ideal de universidade que havia mobilizado a intelectualidade no período que precedeu imediatamente à Revolução de 1930. Mas também não quer limitar-se a conservar o ensino superior nos moldes tradicionais. Imagina poder instituir a universidade, mas colocando-a a serviço do aprimoramento do ensino secundário, a que atribuía, sem dúvida, maior relevância.

Nestas condições, a Reforma Francisco Campos não poderia tornar-se em elemento catalisador dos educadores mais esclarecidos, único agrupamento capaz de realizar a idéia de universidade, como a experiência da Faculdade de Ciências da UDF, no Rio de Janeiro, e da Faculdade de Filosofia da USP, em São Paulo, iriam demonstrar. E talvez por isto mesmo tivesse acabado no papel.

2. A busca de novos objetivos

O movimento desencadeado na década de vinte, visando à implantação da universidade, concebida como instituição onde se praticasse a pesquisa científica ao la do da formação profissional, além de não haver encontrado sua expressão legítima na Reforma Francisco Campos, tampouco refletiu-se na política levada a cabo pelo governo Vargas, virtualmente ao longo de toda a década de trinta. Essa idéia talvez tivesse desaparecido se aquelas pessoas que a ela se mantiveram fiéis não encontrassem uma oportunidade de realizá-la em âmbito estadual, através das universidades de São Paulo e do Distrito Federal.[57]

A possibilidade de organizá-la adveio do Decreto n 25.579, de 27 de março de 1933, que regulamentou o funcionamento de universidades estaduais e livres, que eram previstas, além das federais. A Universidade de Minas Gerais havia sido criada por lei estadual (no. 956, de 7 de setembro de 1927) e reconhecida pela União através de ato de 1931. Na década de trinta. não dispunha de condições de funcionamento diferentes daquelas com que contava a Universidade do Rio de Janeiro, adiante resumidas. Até o início de 1939, quando se cria a Faculdade Nacional de Filosofia, com base nos cursos até então mantidos pela Universidade do Distrito Federal, o governo Vargas não manifesta, na prática, qualquer empenho em fazer com que a Universidade do Rio de Janeiro tivesse existência de fato. Em 1934, as autoridades chegam a desmembrá-la em duas, criando a Universidade Técnica Federal, que incluída inclusive a Escola de Minas de Ouro Preto. No entanto, essa universidade não chegou sequer a ter um reitor designado, ao contrário da do Rio de Janeiro, que tinha pelo menos um titular. A hipótese de renunciar à organização universitária chegou a ser cogitada, segundo se deduz dos termos do inquérito promovido entre professores, pelo ministro Gustavo Capanema, no ano de 1936:
- Pode caber a denominação de universidade a um conjunto de escolas superiores, a que faltam cursos de filosofia, de ciências e de letras?

- Deve o ensino superior ser feito de preferência em universidade? Ou será preferível ministrá-lo em estabelecimentos isolados?
Fernando de Azevedo reconhece que a Revolução não trazia "um programa de política escolar nitidamente formulado ou mesmo implícito num plano de reorganização nacional que se propusesse executar quando as armas vitoriosas concentrassem nas mãos de seus chefes os poderes da Nação. Nem prevalecia, a não ser em alguns dos grupos revolucionários, de tendências mais avançadas, a idéia de que a posse do poder formasse a condição suficiente para grandes transformações sociais, econômicas e pedagógicas."[58]

Enquanto no âmbito da revolução observa-se essa ausência de clareza quanto aos objetivos educacionais, forma-se no país uma consciência entre os educadores no que toca à necessidade de mudança dos processos pedagógicos a par de reformas estruturais de monta, a começar pela organização da universidade. Nos primeiros momentos, a revolução vitoriosa pareceu caminhar no sentido de fazer seu o programa da elite acadêmica, criando o Ministério da Educação e Saúde, decretando a reforma do ensino secundário e adotando a universidade como forma de organização do ensino superior, ainda que sem reconhecer plenamente sua autêntica função. Mas logo deu curso a uma iniciativa que iria arrastar os educadores a prolongada polêmica, a saber: a oficialização do ensino religioso facultativo nas escolas públicas.

A circunstância se complicava pela presença cada vez mais marcante, no cenário político nacional, de agrupamentos totalitários de esquerda e direita, que procuraram dar à discussão deflagrada no terreno educacional uma conotação política de que não se revestia. O certo, entretanto, é que os ânimos acirraram-se criando uma autêntica incompatibilidade, por vários anos, entre a idéia de renovação escolar e a idéia religiosa. Ao longo da década de trinta, contudo, "esses dois grupos" - observa Fernando Azevedo - "mantiveram-se abertamente em conflito até 1937, ano em que o golpe de Estado cortou pela autoridade o conflito, amainando as polêmicas, arrefecendo as paixões e impondo, como linha de conduta, no domínio educacional, uma política de compromissos, de adaptação e de equilíbrio".

Durante o ano de 1931, os católicos desenvolveram longa campanha em favor de seus pontos de vista. O Centro Dom Vital, do Rio de Janeiro, divulgou a coletânea de artigos intitulada Pedagogia da Escola Nova; Tristão de Ataíde publica Debates Pedagógicos; e o padre Leonel Franca, Ensino Religioso e Ensino Laico.

Nesse mesmo ano, em outubro, o Centro Dom Vital de São Paulo promove um Congresso de Educação. Os reformadores, em especial os que se achavam mais diretamente vinculados à Escola Nova, mantinham-se igualmente ativos. Todas as energias pareciam estar voltadas para a alimentação desse conflito.

Na tentativa de promover uma linha de entendimento, uma "zona de concordância", como então se dizia, o governo estimulou a realização da V Conferência Nacional de Educação, em dezembro de 1931. A iniciativa não foi bem sucedida, estabelecendo-se, ao contrário, a convicção de que aos dois grupos cabia trilhar seus próprios caminhos.

Em 1932, apareceu o famoso Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova - "A reconstrução educacional do Brasil" - e a V Conferência Nacional de Educação, em Niterói, em dezembro daquele ano, se constitui numa manifestação dessa corrente. Os renovadores dispõem-se a levar à prática suas idéias, no Distrito Federal, onde um de seus líderes, Anísio Teixeira, ocupa a Secretaria de Educação, e, em São Paulo, através de Fernando de Azevedo e Almeida Prado, A idéia de universidade, como instrumento hábil para impulsionar a investigação científica, iria sobreviver em meio a esse movimento.

A convocação da Constituinte em 1933 determina que, nesse ano, se desenvolvam sem grandes esforços, de parte das facções em luta, no sentido de fazer com que seus pontos de vista se tornassem vitoriosos na nova Constituição. Como resultado de tais pressões, a Carta de 1934 procurou atender aos dois grupos, o que iria prolongar a cisão e postergar a solução daqueles problemas em torno dos quais havia acordo, como parecia ser o caso da universidade, mormente quanto a Carta Magna requeria ser implementada através de legislação ordinária. E a nova lei de organização da Universidade do Rio de Janeiro, que tomou o no. 452, somente seria promulgada a 27 de julho de 1937, embora refletisse o empenho de traduzir a opinião da vanguarda universitária, não chegaria a produzir maiores efeitos.

Enquanto os educadores estão às voltas com um debate que parecia absorvê-los de todo e as iniciativas renovadoras refluem para o âmbito estadual - na Capital Federal e em São Paulo - no seio do novo governo vão se polarizando forças desejosas de levar à máxima radicalização o sentido técnico-profissional do ensino. O ministro do Trabalho incumbe, em 1932, a Raul Azevedo, Joaquim Pimenta e F. Luderitz, de estudar o problema da organização científica do trabalho. A comissão conclui pela necessidade de promover-se a implantação de uma Universidade do Trabalho, idéia com que simpatizava o próprio ministro[59]. Insere-se nessa mesma linha a criação da Universidade Técnica Federal, em 1934. Deseja esse grupo que a educação, em escala nacional, dirija-se especialmente para o trabalho, A universidade definida no curso dos debates da década de vinte, ainda uma vez, deixa de encontrar seu lugar no quadro dominante, A instituição a que se lhe deu o nome, no Rio de Janeiro, não tinha qualquer função, como o reconhece e proclama a Associação Brasileira de Educação, ainda em começos de 1939, o que decorria, a seu ver, de uma administração que não soubera entrever as virtualidades do Estatuto de 1930, que "constitui documento que honra nossa cultura".

Ao que acrescenta:
"Tratando-se de uma universidade urgia cuidar de transformar a justaposição provisória dos órgãos incorporados em integração definitiva, propiciando-lhes, para esse fim, ainda que com sacrifícios, os recursos necessários quanto à racionalização das atividades didáticas e de investigação quanto ao aparelhamento e às instalações essenciais ao rendimento da obra escolar e do trabalho especulativo processado nos gabinetes. Nada disto foi feito e se a legislação superveniente às leis orgânicas de 1931 derrogou o sistema em experiência não foi para obedecer ao espírito universitário que inspira a essência da reforma realizada, mas para agravar os defeitos do primitivo estatuto e estabilizar as falhas que ele admitia na perspectiva de próximos corretivos e dentro do princípio de que Roma não foi feita num dia.”
As escolas que exigiam a assistência de laboratórios e clínicas para pesquisa continuaram como dantes e as que exigiam acomodação pelo menos decentes continuam, como a Faculdade de Direito, sem material; mas, em compensação, foram justapostos no papel, ao agregado incoerente da organização inicial, novos institutos, entre os quais, é claro, faltava a Faculdade de Ciências e Letras.

Os objetivos fixados pela nova elite do poder são resumidos por Lourenço Filho nas comemorações do decênio do governo Vargas. Indica que agora se pode efetivamente falar em educação nacional, em vista dos "termos políticos em que o Estado Nacional soube colocara questão". Semelhante colocação cifra-se em concebê-la como um processo social inelutável e globalizante, voltado para a organização econômica do país, condição de manutenção e fortalecimento da unidade política e moral da Nação. E conclui:
"Assim sendo, o plano em que se compendiem as bases, os quadros e as diretrizes da educação nacional, deverá ser um estatuto da educação para o trabalho, dando expressão concreta à letra e ao espírito mesmo da Constituição, atendendo à judiciosa observação do presidente Getúlio Vargas: no período em que nos encontramos, a cultura intelectual sem objetivo definido deve ser considerada luxo acessível a poucos indivíduos e de escasso proveito à coletividade". [60]
3. Universidade sem função

A legislação promulgada após a Revolução de 1930 estabelecia que a Universidade do Rio de Janeiro seria integrada por nove escolas, entre estas incluídas a Escola de Minas, que funcionava em Ouro Preto e três estabelecimentos inexistentes (Faculdades de Educação, Ciências e Letras; Faculdade de Farmácia e Faculdade de Odontologia). Assim, a universidade compreendia, na verdade[61], apenas es institutos: Faculdade de Direito e Medicina, Escola Politécnica, Escola Nacional de Belas Artes e Instituto Nacional de Música.

A Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Escola de Belas Artes - que abrigava o Curso de Arquitetura - e o Instituto de Música datam todos da primeira metade do século passado. A Faculdade de Direito resultara da fusão, em 1920, das duas faculdades livres fundadas em 1891 (Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro). De sorte que a universidade mantinha as mesmas características presentes à sua criação no decênio anterior e não passava da aglomeração de instituições sedimentadas, ciosas de seus direitos, prerrogativas e atribuições.

A primeira reunião do Conselho Universitário teve lugar a 2 de maio de 1931, sob a presidência do reitor Carvalho Mourão, logo depois, em começos de junho, em virtude de ter sido nomeado ministro do Supremo, substituído por Fernando Magalhães, que exercia as funções de diretor da Faculdade de Medicina.[62]

A Reitoria funcionava na Faculdade de Direito, passando ao Ministério da Educação e Saúde ainda em 1931. Não tinha, com efeito, ingerência maior na vida das escolas. Essa circunstância explica provavelmente o programa de trabalho formulado pelo professor Fernando Magalhães, primeiro reitor efetivo dessa nova fase - exerceria o mandato de meados de 1931 a meados de 1934 - todo voltado para fora. Assim, teria oportunidade de escrever:
"Para os efeitos da cultura, base essencial da nacionalidade, a universidade será muito mais popular do que doutoral, constituindo-se não em empório de diplomas, mas um distribuidor de conhecimentos. Cabe-lhe, sem dúvida, preparar os técnicos, mas compete-lhe, além e acima disso, educar o povo.

O que a universidade brasileira pensa realizar está projetado nos gráficos demonstrativos de sua possível, embora futura, atividade. A sua irradiação vale mais do que a sua focalização: como centro ela é técnica, como irradiação será social e cultural. Por sua ação social desenvolverá o museu social, aparelhamento permanente de educação completa, mediante processos divulgadores aperfeiçoados e vários. Por sua ação desdobra-se na universidade popular, verdadeira usina de força democrática, pelo apuro intelectual de todo cidadão. O museu social é uma exposição metódica de material educativo em permanente e automático exercício. A universidade popular é a sucessão dinâmica de ondas concêntricas, penetrando qualquer distância, difundindo-se com seus recursos pela extensão territorial e pela massa humana, Todas as organizações e diligências do pais são subsidiárias da universidade, que irá buscar os documentos instrutivos e seus veiculadores onde estiverem: para isto apresentando-se os mandatos universitários. A nação inteira precisa ser universitária!"[63]
No primeiro ano da nova experiência a reitoria expediu diversos comunicados à imprensa, abordando estes temas: ação social e cultural da Universidade do Rio de Janeiro; extensão universitária; universidade popular; museu social e mandatos universitários. Todos preservam o mesmo tom do programa do reitor. Diz-se ali, por exemplo, que a "extensão universitária deve ter raízes na massa do povo".

A universidade editou a Revista da Universidade do Rio de Janeiro que, no decênio anterior, circulara uma única vez. Publicação de caráter anual, inseria artigos e estudos da autoria dos professores e noticiário da atividade do Conselho Universitário. Para divulgação da matéria de rotina (atos administrativos; relação de matriculados; formaturas, etc.) apareceu, em 1932, o Anuário da Universidade do Rio de Janeiro. O Anuário não passou desse primeiro número. Mas a Revista da Universidade do Rio de Janeiro circulou nos anos de 1932, 1933, 1934, 1935, 1936 e 1937.[64]

Expectativa não confirmada

Com a instalação da Assembléia Constituinte, parece haver-se criado uma expectativa nova entre os dirigentes da universidade. Assim, na sessão de 31 de março de 1934, o Conselho Universitário aprova uma proposição, solicitando seja facultada autonomia à universidade. Os instrumentos legais vigentes estabeleciam que tanto o reitor como os diretores das faculdades eram de livre nomeação do presidente da República, sem qualquer ingerência do corpo docente no processo de sua escolha. O orçamento era fixado de forma idêntica à adotada para o serviço público em geral. A reivindicação da autonomia objetivava eliminar essas normas que, na verdade, impediam o funcionamento da instituição.

Volta à tona igualmente a idéia de que a universidade tem como função mais relevante a formação de cientistas e pesquisadores. O Conselho Universitário cria uma comissão especial constituída pelos professores Pontes de Miranda, Miguel Osório de Almeida, Inácio Azevedo Amaral, Leandro Kassif e Ronald de Carvalho, para elaborar o anteprojeto de organização da Faculdade de Educação, Ciências e Letras.[65] Na exposição motivos a necessidade de formar cientistas é encarecida sob a alegação de que a maior parte dos problemas técnicos de nossas indústrias estão sem solução por falta de número suficiente de homens possuidores de forte cultura científica fundamental. Vê-se que os autores do anteprojeto - os principais deles figuras representativas do movimento desencadeado na década de vinte - desejavam adaptar-se às circunstâncias e não chamar a atenção para o caráter desinteressado do ensino que propugnavam.

No essencial, entretanto, a concepção da faculdade mantém-se fiel à doutrina que a apresentava como instituto por excelência definidor da universidade. Cogita-se da sua divisão em três seções: Educação, Ciências e Letras, cabendo-lhes fornecer duas licenças: magistral, para os candidatos ao magistério secundário e normal e, cultural, para os pretendentes à cultura superior em educação, ciências ou letras.

A expectativa de que o Parlamento pudesse encaminhar a instituição para o seu verdadeiro leito não iria ser correspondida, pelo menos na fase da Constituinte e na que lhe seguiu de imediato. A grande preocupação é com a formação técnico-profissional, de que resultaria a iniciativa adiante comentada.

A Universidade Técnica Federal

Através do Decreto nº 24.738, de 14 de julho de 1934, cria o governo a Universidade Técnica Federal. Seria constituída pelas escolas Politécnicas e de Minas, retiradas da Universidade do Rio de Janeiro, e pela Escola Nacional de Química, além de oito institutos de pesquisa. Mantinha-se a Universidade do Rio de Janeiro, integrada pelas Faculdades de Medicina e Direito, Escola de Belas Artes e Instituto de Música.

O evento dá bem uma idéia da desorientação reinante em matéria de ensino superior.

A nova instituição não chegou sequer a existir no papel, a exemplo do que ocorria com a Universidade do Rio de Janeiro. Maurício Joppert da Silva, na aula magna, inaugural do ano letivo de 1950, teria oportunidade de lembrar:

"O Decreto no. 24.738, de 14 de julho de 1934, é uma página sombria na história do ensino brasileiro: separa a Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro e a inclui na Universidade Técnica Federal. Esta universidade nunca teve reitor: nos diplomas dos engenheiros graduados pela Escola Politécnica, entre os anos de 1934 e 1937, a assinatura do reitor está em branco.”[66]

Essa curiosa experiência é abandonada através da Lei nº 452, de 5 de julho de 1937.

A universidade reformulada

A Lei nº 452, votada pelo Parlamento em fins do primeiro semestre de 1937, corresponde a uma tentativa de retomar o sentido original da criação desse tipo de entidade desde que, se bem não lhe atribua maior autonomia, concebe-se um lugar para a pesquisa e coloca-se em primeiro plano a formação do corpo docente, admitida inclusive a contratação de professores estrangeiros.

A Universidade do Rio de Janeiro passa a denominar-se Universidade do Brasil, integrada pelas seguintes escolas:

- Escola Nacional de Engenharia

- Escola Nacional de Minas e Metalurgia

- Escola Nacional de Química

- Faculdade Nacional de Música

- Faculdade Nacional de Odontologia

- Faculdade Nacional de Direito

- Escola Nacional de Belas Artes

- Escola Nacional de Música
- Escola Nacional de Agronomia

- Escola Nacional de Veterinária

- Faculdade Nacional de Farmácia

- Faculdade Nacional de Arquitetura

- Faculdade Nacional de Política e Economia

- Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras

- Faculdade Nacional de Educação.

Das escolas e faculdades enumeradas existiam apenas as oito primeiras. Às velhas escolas - que passavam a ter a denominação padronizada de "faculdade nacional" - haviam sido adicionadas duas novas: Faculdade de Odontologia, criada em 1934 a partir do curso existente na Faculdade de Medicina, e a Escola Nacional de Química. Esta última originara-se da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, criada em 1910 (Decreto no. 8.319, de 20 de outubro), que tivera, em 1920, os seus cursos desdobrados em três: de Agricultura, de Veterinária e de Química. O Curso de Química da antiga Escola Superior de Agricultura é que daria origem à Escola Nacional de Química, organizada em 1933, pelo Decreto no. 23.016, de 28 de julho.

Tratando desse período, Raul Bittencourt assinalaria que "a incorporação das Escolas de Agricultura e de Veterinária à Universidade do Brasil não se verificou, continuando as mesmas sob a jurisdição do Ministério da Agricultura e vindo a constituir mais tarde, em 1943, a Universidade Rural. As Faculdades de Arquitetura e Farmácia só se isolaram em 1945, respectivamente, pelos Decretos-lei nos. 7.918 e 8.272, de 31 de agosto e de 3 de dezembro. Até aí ensino de farmácia e arquitetura funcionavam em cursos anexos à Medicina e Belas Artes."[67]

A Lei no. 452 retoma uma idéia que havia aparecido na oportunidade do projeto de organização da Universidade Técnica Federal: a de que a pesquisa na universidade deveria ser efetivada através de institutos autônomos. Foram previstos de forma bem ampla, segundo se pode ver na enumeração a seguir: Instituto de Física; Instituto de Eletroradiologia; Instituto de Eletrotécnica; Instituto de Biotipologia; Instituto de Hidroaerodinâmica; Instituto de Criminologia; Instituto de Mecânica Industrial; Instituto de Psiquiatria; Instituto de Ensaio de Materiais; Instituto de História e Geografia Instituto de Química e Eletroquímica; Instituto de Organização Política e Instituto de Metalurgia Econômica; Instituto de Nutrição; Instituto de Psicologia[68] A Lei no. 452 cogita da organização da Cidade Universitária, estabelecendo a doação de terrenos na Quinta da Boa Vista.[69]

Com o intuito de assegurar o aperfeiçoamento do corpo docente, fica o Conselho Universitário obrigado a mandar, anualmente, ao exterior, um ou mais de seus professores catedráticos para fazer estudos especiais da disciplina que lecionam. Consagra-se igualmente a contratação de professores estrangeiros de nomeada. A universidade deve conceder bolsas a estudantes necessitados e mandar ao estrangeiro alunos de excepcional merecimento intelectual para fazer estudos de problemas especiais, constantes dos programas de ensino.

O Parlamento desejou, portanto, que a idéia de universidade se aproximasse do entendimento manifesto da parcela mais lúcida e atuante do professorado.[70] Contudo, faltou ainda o instrumento capaz de plasmá-la na prática e que se admitia fosse a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Deve-se conceber que a Assembléia evoluiria no sentido de preencher essa lacuna essencial, desde que, quando se deu o fechamento do Congresso, em novembro de 1937, tramitava projeto de lei organizando a nova escola.

O prazo transcorrido entre a promulgação da Lei no. 452 e o golpe de Estado, de apenas quatro meses, não permitiu que se adotasse qualquer providência no sentido de implementá-la.

A universidade permaneceria igualmente sem função durante todo o ano de 1938 e parte do exercício seguinte. Em meados de 1939, o governo federal absorve a Universidade do Distrito Federal e a transforma em Faculdade Nacional de Filosofia. Começava, então, o verdadeiro processo de consolidação da Universidade do Rio de Janeiro.

Em 1932, quando a Universidade do Rio de Janeiro passou a reger-se pela legislação Francisco Campos, a comunidade universitária correspondia a cerca de 5.000 pessoas, sendo pouco mais de 4.700 alunos e aproximadamente 300 professores. A metade da população estudantil achava-se concentrada nos Cursos de Medicina e Direito. A Politécnica tinha 700 alunos. Em fins de 1938 a comunidade passara a contar com 6.000 pessoas, tendo o corpo docente virtualmente duplicado. Os cursos de Direito e Medicina, com quase quatro mil alunos, absorviam maioria ainda mais significativa e a Escola Politécnica havia crescido relativamente pouco (passara a contar com 820 alunos). As escolas mais recentes registravam matrícula em torno de 500 alunos (Química Industrial, 146; Farmácia, 67 e Odontologia, 325).

A Retomada da idéia original e suas conseqüências



1. Uma experiência pioneira: a Escola de Ciências da UDF

Segundo se mencionou, a idéia de constituir a universidade - como forma de fazer com que o ensino superior, além da formação profissional, facultasse a institucionalização da pesquisa científica - mobilizou a elite acadêmica ao longo de toda a segunda metade da década de vinte. O lustro seguinte iria contudo deixar patente que, embora o governo saído da Revolução de 30 tivesse adotado formalmente o projeto de implantar a universidade, o ambiente permaneceria inalterado. Desvaneceram-se as esperanças no governo federal.

Em 1934, em virtude do término das atividades da Assembléia Constituinte, teve lugar a renovação dos governos estaduais, mediante a realização de eleições. Assim, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro ascendem ao poder governantes aos quais se achavam vinculados os partidários da renovação educacional. Fernando de Azevedo teria oportunidade de escrever que "com Armando Sales, no poder, e Júlio de Mesquita Filho, na direção do O Estado de São Paulo, pareceu nos ter chegado, afinal, a oportunidade de criar a Universidade de São Paulo e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que seria integrada no sistema". No Rio de Janeiro, a eleição de Pedro Ernesto leva para a Secretaria de Educação Anísio Teixeira que, como vimos, conquistara uma liderança inconteste no movimento educacional brasileiro. Dessa circunstância resultaria a criação da Universidade do Distrito Federal.

As duas iniciativas tiveram o mérito de reaglutinar os partidários de uma universidade que assegurasse o desenvolvimento da pesquisa. Os êxitos iniciais alcançados, no Rio de Janeiro como em São Paulo, estabeleceram uma situação favorável a que a Universidade do Rio de Janeiro fosse levada finalmente a estruturar-se segundo o novo modelo.

A Universidade do Distrito Federal foi criada através do Decreto Municipal no. 5.513, de 4 de abril de 1935. Compunha-se de cinco escolas, a saber: Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofia e Instituto de Artes.

A nova instituição propunha-se alcançar estes objetivos:
a) promover e estimular a cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento da comunidade brasileira;

b) encorajar a pesquisa científica, literária e artística;

c) propagar aquisições da ciência e das artes, pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos de extensão popular;

d) formar profissionais e técnicos nos vários ramos de atividade que as suas escolas e institutos Comportarem

e) prover a formação do magistério em todos os seus graus.
Anísio Teixeira enfatizaria que a diretriz essencial do novo instituto consistia em promover a cultura desinteressada e assegurar a preparação para a carreira intelectual. Na aula inaugural de seus cursos, assim definiria os encargos da Universidade:
"A função da universidade é uma função única e exclusiva, Não se trata somente de difundir conhecimentos, O livro também os difunde. Não se trata somente de conservar a experiência humana O livro também a conserva. Não se trata somente de preparar práticos ou profissionais, de ofícios ou de artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso escolas muito mais singelas da que universidades.

Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas.

Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva.

Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente.

O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração; o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem"[71]
No Brasil, parece-lhe, predominou em matéria de cultura o mais espantoso praticismo. Chama-se por uma formação utilitarista, no sentido estrito e limitado da palavra. Ao que acrescenta:
"Esse país é o pais dos diplomas universitários honoríficos, é um pais que deu às suas escolas uma organização tão fechada e tão limitada que substituiu a cultura por duas ou três profissões práticas, é o pais em que a educação, por isso mesmo, se transformou em título para ganhar um emprego. Haverá, por acaso, demasiado ensino superior no Brasil? Não. O que há são demasiadas escolas de certo tipo profissional, distribuindo anualmente diplomas em número maior que o necessário e o possível, no momento, de se consumir. Entre essas escolas e as escolas de que precisa o país para formar o seu quadro de intelectuais, de servidores da inteligência e da cultura, de professores, escritores, jornalistas, artistas e políticos, há todo um mundo a transpor. E qual a universidade que abre, hoje, aqui as suas portas? É, por acaso, mais uma universidade para o preparo puro e simples de profissionais, de médicos, de bacharéis, de dentistas e engenheiros civis? Não. É uma universidade cujas escolas visam ao preparo do quadro intelectual do país, que até hoje se tem formado ao sabor do mais abandonado e do mais precário auto-didatismo".
A inscrição para os vestibulares é aberta a 22 de junho, estabelecendo-se que o ano letivo teria inicio em julho, encerrando-se em março de 1936. A reitoria funciona no prédio do Instituto de Educação (Rua Mariz e Barros). A universidade oferece cursos para formação de professores e especialização em diversas disciplinas, bem como o curso superior de artes e os de teatro e artes industriais.

Nesse primeiro ano letivo a instituição passou por verdadeira prova de fogo. Além da novidade dos cursos e do imperativo de recorrer à Universidade do Rio de Janeiro, em especial no que respeita aos laboratórios, viu-se frontalmente atingida pela situação política do país. Em novembro, os comunistas ensaiam um golpe de Estado e o governo marcha para o endurecimento. É decretada intervenção do Distrito Federal, sendo Anísio Teixeira, idealizador e animador da universidade, afastado da Secretaria de Educação. Descrentes das possibilidades do projeto, diversos professores abandonam a UDF.

A Universidade do Distrito Federal sobreviveria a essa refrega graças à ascensão  à reitoria de Afonso Pena Junior, intelectual de renome, que soube assumir-lhe o espírito e reunir em seu derredor o que havia de mais expressivo da intelectualidade brasileira.

Desde a fundação, as escolas haviam sido entregues a personalidades de reconhecido valor. O novo reitor consegue recompor a situação, mantendo diretores ou conseguindo a colaboração de novos valores. Em 1936 achavam-se a cargo de Roberto Marinho de Azevedo (Ciências); Lourenço Filho (Educação); Edmundo da Luz Pinto (Economia e Direito); Prudente de Moraes Neto (Filosofia e Letras) e Cornélio de Oliveira Penna (Artes). Nas humanidades, como nas artes, foram convocados conhecidos intelectuais e artistas. Nessa área a universidade contou igualmente com o concurso de professores franceses.

O ano letivo de 1936 é aberto com as conferências da missão universitária francesa, contratada no ano anterior por Afrânio Peixoto, enviado a Paris para desincumbir-se dessa tarefa. Integram-na estes professores, todos renomados: Émile Bréhier (filosofia); Eugène Albertini, Henri Hauser e Henri Tronchon (história); Gaston Léduc (lingüística); Pierre Deffontaines (geografia) e Robert Garric (literatura). Esse grupo permaneceria na UDF todo esse ano letivo, inaugurando uma praxe que, mais tarde, iria repetir-se na Faculdade Nacional de Filosofia. Na oportunidade da publicação das aulas inaugurais desses professores, [72] Afonso Pena Junior assinalaria:
"Em cursos como os nossos, destinados à formação de professores, as missões universitárias estrangeiras, selecionadas em vários centros de cultura têm, sobretudo, a vantagem de oferecer ao exame e escolha dos futuros professores uma brilhante variedade de tipos de tendências de ensino, verdadeiros modelos para a formação profissional dos estudantes, segundo o temperamento e a vocação de cada um. Essa atuação de bom fermento, esse influxo vocacional dos mestres insignes deixa, por vezes, traços indeléveis através de várias gerações. O caso de Gorceix na Escola de Minas, de Ouro Preto, demonstrou cabalmente a magia poderosa de uma sedução de mestre."[73]
Tendo sido entregue a direção da Escola de Ciências a Roberto Marinho de Azevedo, participante ativo do movimento que deslocou o positivismo da Escola Politécnica, fundador e diretor da Academia Brasileira de Ciências, pôde atrair um grupo de professores plenamente identificados com a idéia de promover o estudo desinteressado das ciências, na esperança de formar pesquisadores e também bons professores para essas disciplinas.

Assim, mobilizou Lélio Gama, da Escola Politécnica e do Observatório Nacional, para dirigir os cursos de Matemática; Lauro Travassos, do Instituto Oswaldo Cruz, para o Curso de Zoologia; Alberto José Sampaio, do Museu Nacional, para o Curso de Botânica; e Djalma Guimarães, do Serviço Geológico e Mineralógico, para o Curso de Mineralogia, todos membros da Academia Brasileira de Ciências. Além destes, contou a escola com os seguintes professores estrangeiros: Bernhard Gross, diplomado em física pela Universidade de Stuttgart, e técnico do Instituto Nacional de Tecnologia; Alfred Schaeffer, diplomado em química pela Universidade de Munich, professor da Escola Técnica do Exército; Viktor Leinz, doutor em ciências pela Universidade de Heidelberg e Otto Rothe, doutor em química.

Além dos professores, que já então haviam adquirido notoriedade, a direção da Escola de Ciências atrairia ao seu magistério alguns jovens recém-formados e que a posteridade iria revelar como autênticas vocações científicas, tendo complementado a sua formação na UDF, como Plínio Sussekind (física), Francisco Mendes de Oliveira Castro (matemática), Hugo Souza Lopes, Herman Lent e Gustavo de Oliveira Castro, mais tarde conhecidos entomologistas, todos professores de escolas técnicas secundárias do Distrito Federal, e Joaquim Costa Ribeiro que, logo ao concluir o Curso de Engenharia, fora contratado como assistente pela Escola Politécnica.

A UDF tinha, em 1936, cerca de 400 alunos matriculados nas diversas escolas: Ciências, 109; Educação, 149; Economia e Direito, 58; Filosofia e Letras, 38 e Instituto de Artes, 67. Nesse ano, seus cursos livres seriam freqüentados por mais de 700 pessoas.

O Corpo Docente estruturava-se deste modo:

Escolas Professores Assistentes Total
Ciências 8 9 17
Educação 15 11 26
Filosofia e Letras 13 5 18
Economia e Direito 21 9 30
Artes 15 8 23
Total 72 42 114

O curso na Escola de Ciências consistia de aulas práticas de laboratório e também excursões para coleta de material, no caso de mineralogia e história natural. Eram utilizados os laboratórios da Politécnica (mineralogia e geologia), da Escola Nacional de Veterinária (zoologia), do Museu Nacional (botânica), tendo sido montado, em dependências do Instituto de Educação, laboratório para embriologia e anatomia comparada, sob a direção de Carlos Werneck. Muitos de seus alunos já haviam freqüentado ou continuavam cursando medicina e engenharia. No ano letivo de 1936, segundo do Curso de Ciências, observa-se evasão de 40% entre a matrícula inicial e o comparecimento aos exames finais, assim distribuídos:

Cursos Números de Alunos
  Matrícula Exame
Matemática 29 14
História Natural 31 21
Química 26 17
Total 109 63

O fato se explica, segundo o depoimento de pessoas que freqüentaram tais cursos, pelo nível em que eram ministrados e pelo rigor dos professores.

Em 1937, a UDF forma a sua primeira turma e o reitor Afonso Pena Junior considera-a empreendimento plenamente vitorioso. Num documento presumivelmente deste período teria oportunidade de escrever:[74]
"Essa universidade não é certamente um conjunto de escolas de tipo profissional, distribuindo anualmente diplomas em maior número que o país pode consumir; é precisamente um centro de alta intelectualidade, de orientação da inteligência e do saber, de formação de professores, escritores, jornalistas, artistas e políticos, não unicamente no preparo restrito e prático de médicos, bacharéis e engenheiros. Nela será preparado o homem culto, o que difere do homem diplomado.

A Escola de Ciências visa facilitar a formação de especialistas e pesquisadores, nos vários ramos dos estudos gerais e aplicados.

A Escola de Economia e Direito destina-se a desenvolver estudos sobre a nossa organização econômica e social, constituindo-se em centro de documentação e pesquisa dos problemas da vida nacional que interessam à formação do Estado, assim como à produção e circulação de riqueza e sua normal distribuição.

A Escola de Filosofia e Letras terá a sua atividade ligada aos estudos superiores do pensamento e sua história, sob os aspectos filosófico, literário e moral.

A Escola de Educação tem por fim promover a formação do magistério e atuar como centro de documentação e pesquisa para a formação da cultura pedagógica nacional.

O Instituto de Artes promoverá o estudo e o desenvolvimento das artes e seus vá rios ramos, como centro de documentação, pesquisa e irradiação das tendências de expressão artística da vida brasileira".
O documento em causa, que relata as atividades da universidade nos anos de 1935, 1936 e parte de 1937, assinala ainda que seu pioneirismo expressa-se também na criação, nesse último ano, do Curso de Jornalismo e Publicidade, bem como na existência, no Instituto de Artes, de cadeiras de urbanismo e história das artes no Brasil.

Pelo menos no que respeita à formação de professores de ciência, de nível superior, bem como de pesquisadores, a UDF parece plenamente justificada. Com a formatura dos primeiros diplomados, os que tomaram a seu cargo consolidá-la do ponto de vista didático dão por encerrada sua missão, a começar de Afonso Pena Junior, que passa a reitoria a José Baeta Vianna, bioquímico de renome da Faculdade de Medicina de Minas Gerais, então responsável pelo Curso de Química da Escola de Ciências da UDF. Roberto Marinho de Azevedo transmite a direção da Escola de Ciências ao conhecido professor pernambucano Luiz Freire. No ano letivo de 1938, já a universidade conta com uma equipe cuja formação seria complementada em seu próprio seio, apta a substituir Bernhard Gross, Lélio Gama, Lauro Travassos, Alberto José Sampaio, Otto Rothe e Alfred Schaeffer. Essa equipe seria integrada, na maioria dos casos, por jovens professores que mais tarde viriam a adquirir reputação científica, como Joaquim Costa Ribeiro, que assume a cadeira de física e a direção desse curso, tendo como assistente a Luiz da Costa Dodsworth Martins; no Curso de Matemática, Henrique de Almeida Fialho (adjunto) e Silvio Pinto Lopes (assistente); João Moojen de Oliveira, como titular da cadeira de biologia, assistido por Ennio Velozo de Faria e José Antunes; Antenor da Silveira Peixoto, titular da cadeira de química inorgânica tendo a Danilo Alves Nobre como assistente; João Geraldo Szyska, a de química orgânica, com Walter Forster como assistente. Na direção dos cursos de Geologia e Botânica permanecem professores estrangeiros (Viktor Leinz e Karl Arens), reunindo como assistentes a Elysiatio Távora Filho, Emanoel Azevedo Martins e Ulysses José Lopes. Para dirigir o Curso de Matemática foi convidado o professor Luiz Freire, da Escola de Engenharia de Pernambuco, que, entretanto, exerceria as funções apenas por alguns meses, o mesmo ocorrendo em relação à sua permanência à frente da Escola de Ciência.

A UDF formou igualmente pesquisadores que passaram a trabalhar nas instituições existentes, como Oswaldo Frota Pessoa (primeiro na Faculdade Nacional de Filosofia e, posteriormente, na Faculdade de Filosofia de São Paulo); Alcides Lourenço Gomes (Ministério da Agricultura, no serviço de pesquisa em piscicultura dirigido por Rodolpho von Ihering); Domingos Artur Machado Filho (Instituto Oswaldo Cruz) e José Antunes; José Lacerda de Araújo Feio, Luiz Emídio Meio Filho, Newton Dias dos Santos e Emanuel de Azevedo Martins (Museu Nacional). Entre os matemáticos pode-se assinalar a presença de Weimar Penna que mais tarde ingressaria no Mosteiro São Bento, onde adotou o nome de D. Ireneu, vindo a destacar-se no movimento filosófico de inspiração católica, bem como no ensino da matemática.

Cabe ressaltar que a UDF abrigou ainda, entre os seus professores, segundo se mencionou, a Joaquim Costa Ribeiro, naquela época jovem de 30 anos e que posteriormente iria notabilizar-se como físico de renome internacional. Essa indicação sumária da iniciativa pioneira que foi a Escola de Ciências da UDF evidencia de modo claro o acerto do movimento encetado na década de vinte, em prol do ensino de nível superior de caráter desinteressado. Eram, com efeito, imensas as possibilidades de despertar vocações e factível dar inicio a uma tradição científica no pais.

Entretanto, a interventoria do Distrito Federal, em 1938 a cargo de Olímpio de Melo, não tinha da UDF opinião favorável, segundo se pode ver da documentação preservada. Cogitou-se inclusive de seu fechamento.

A elite dirigente da Universidade do Rio de Janeiro, em especial o reitor Leitão da Cunha, há de ter entrevisto, no incidente, a oportunidade para absorver essa experiência e dotar a URJ dos cursos que a tornariam uma universidade autêntica. Dessa aspiração nasce o movimento para transferir o acervo da UDF à Universidade do Rio de Janeiro, afinal consumado em meados de 1939.

2. A organização da Faculdade Nacional de Filosofia

Na oportunidade das comemorações do décimo aniversário da fundação da Faculdade Nacional de Filosofia, Raul Bittencourt teve oportunidade de afirmar: "A Universidade do Distrito Federal, brilhante viveiro de capacidades, a despeito de sua efêmera vida de quatro anos apenas, sazonou um ambiente de compreensão que não mais permitia a inexistência, na Capital Federal e na universidade federal, de uma faculdade onde a cultura encontrasse a sua forma mais alta e desinteressada". Assim, a UDF criou o clima favorável a que a universidade federal empreendesse os passos requeridos pela efetivação da pesquisa científica como parte do ensino superior.

Tal ocorreria através do Decreto-lei n9 1.190, de 4 de abril de 1939, segundo o qual a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de que cogitara a Lei n9 452, de 5 de julho de 1937, passa a denominar-se Faculdade Nacional de Filosofia. Esse instrumento legal estabeleceu que seriam as seguintes as suas finalidades:
a) Preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica;

b) Preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal e

c) Realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto de seu ensino.
A Faculdade de Filosofia subdivide-se em seções de: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia.

A Seção de Ciências compreende seis cursos, a saber: Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia e História e Ciências Sociais.

Para assegurar o seu imediato funcionamento, o governo extinguiu a Universidade do Distrito Federal e transferiu os seus cursos para a faculdade então criada. A Prefeitura cedeu igualmente o prédio em que funcionava a UDF, a antiga Escola José de Alencar, no Largo do Machado.

No documento antes indicado em que traça a história do estabelecimento, Raul Bittencourt informa que "até 1942, a faculdade funcionou no Largo do Machado. Não possuindo laboratórios próprios, o ensino das ciências experimentais se realizava com a colaboração de outras unidades universitárias, como a Faculdade de Medicina, a Escola de Química, o Museu Nacional. Depois, a administração e os diversos cursos foram se transladando, progressivamente, para o edifício da Avenida Antônio Carlos, 40, na Esplanada do Castelo".

Durante os primeiros anos a faculdade foi dirigida direta e pessoalmente pelo reitor Raul Leitão da Cunha, sucedido por San Thiago Dantas (1941-1945), Djalma Hausselman (1945) e Antônio Carneiro Leão, a partir de dezembro de 1945.

No ano de sua fundação a faculdade contava com 360 alunos.

A experiência indicaria serem fundadas as esperanças de que a nova unidade escolar iria dar à universidade o complemento de que carecia para assumir as funções que lhe eram atribuídas pela parcela mais esclarecida da elite intelectual do país.

O estilo de trabalho da nova faculdade

No período 1939-1945, foram implementadas todas as medidas requeridas pela consolidação da Faculdade Nacional de Filosofia como um todo, em especial no que respeita o ensino das ciências.

Para implantação definitiva dos cursos de física, onde era menor a tradição nacional, foram contratados os professores Gabrielle Mamanna, Luigi Sobrero e Dalberto Faggiani que, após ministrarem cursos durante dois anos letivos, regressaram a seus países de origem[75]. Em 1942, montaram-se os laboratórios de química, física, biologia e os museus especializados de mineralogia, zoologia e antropologia.

Foram, gradativamente, introduzidas no ensino diversas praxes requeridas pelo trabalho científico. Assim, a pesquisa de campo e de laboratório passou a representar componente obrigatório. No caso dos alunos de história natural, implantaram-se linhas de pesquisa de biologia, zoologia, mineralogia e botânica. A fim de familiarizá-los com o trabalho científico desenvolvido em instituições nacionais, estabeleceram-se convênios para estágio no Museu Nacional.

A direção da faculdade patrocinou a criação de diversos órgãos destinados a estimular os discentes e, ao mesmo tempo, habituá-los ao estilo requerido. Entre outros, o Centro de Estudos de Química, o Centro de Pesquisa Genética, o Centro de Pesquisas Físicas e os Centros de Estudos Mineralógicos e Botânicos. Esses órgãos realizavam reuniões, debates e comemorações de eventos. Deste modo, em agosto de 1943, o Centro de Estudos de Química promoveu, na faculdade, sessão comemorativa do bicentenário de Lavoisier. Essas entidades recebiam cientistas estrangeiros ou de outros estados que eventualmente se encontrassem no Rio de Janeiro.

Desde logo, cuidou-se de que alunos e professores dispusessem da possibilidade de divulgar trabalhos de cunho acadêmico. Nos anos de 1942 e 1943 foi publicada a Revista FNF, que pretendia abranger todos os cursos e departamentos. Depois os centros de estudos e pesquisas imprimiram boletins, contendo comunicações de seus membros, sem periodicidade regular. Mais tarde, todos reunidos editaram a Revista Científica.

A faculdade estimulou os centros de estudos e pesquisas a adquirirem familiaridade com as publicações científicas de sua especialidade aparecidas no pais e no exterior, Assim, o material editado por esses órgãos reflete a preocupação de estabelecer intercâmbio com os mais importantes centros científicos em todo o mundo para obtenção de suas edições e conhecimento dos trabalhos desenvolvidos. As reuniões dos centros versavam também a troca de informações obtidas mediante esse recurso. A organização da biblioteca, com as características requeridas pelas atribuições do estabelecimento, inclusive a obtenção de coleções dos mais importantes periódicos científicos, passou a figurar entre as iniciativas prioritárias da direção da faculdade.

Promoveram-se algumas iniciativas em conjunto com a Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, como é o caso do Seminário de Física, que teve lugar no mês de abril de 1942, contando com a participação do Departamento de Física da USP.

O Centro de Pesquisas Físicas escolheu como linhas de investigação permanente estes temas: raios cósmicos e física das altas energias.

Resultados assinaláveis

Tem lugar em 1942 a formatura da primeira turma de diplomados pela Faculdade Nacional de Filosofia, dentre os alunos matriculados diretamente em seus cursos. Entre 1939 e 1941, diplomaram-se os que haviam ingressado na UDF.

Nos primeiros dez anos de funcionamento (1939/1948), a faculdade diplomou 653 pessoas, sendo maior o grupo de letras e línguas (233), seguindo-se geografia e história (122), desenho (91), pedagogia (47) e filosofia (27).

Nos cursos de ciências formaram-se 148 pessoas assim distribuídas

Cursos Diplomados
Ciências Sociais 30
Matemática 46
Química 36
História Natural 28
Física 8
Total 148

A Faculdade Nacional de Filosofia, a exemplo de sua congênere paulista, criou de imediato a possibilidade da carreira docente para diversas vocações de cientistas e pesquisadores formados nas duas capitais. A experiência iria demonstrar que esta não seria condição suficiente para o desenvolvimento da atividade científica no pais. Contudo, os que pugnavam pela introdução dos cursos de ciência no ensino superior não desejavam apenas comprovar a existência de pessoas aptas e interessadas. Acalentavam a esperança de que se constituísse num primeiro passo capaz de criar um clima favorável à atividade, achando-se implícito o reconhecimento da necessidade de que os diplomados viessem a ser aproveitados na habilitação que haviam conquistado. Nos setores em que a pesquisa dispunha de suporte institucional, como no caso da biologia e da fisiologia (Museus Nacional e Paulista, Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Agricultura, etc.), da mineralogia e da botânica (Departamento de Produção Mineral, Jardins Botânicos, Museu Goeldi, etc.) ou de mercado junto ao setor privado, como era a circunstância da química, os melhores dotados foram sendo absorvidos em tais atividades e contribuíram mesmo para dar novo alento a alguns desses institutos. No caso da física e da matemática, entretanto, a alternativa era a docência superior para os que revelaram vocação de pesquisadores.

A Faculdade Nacional de Filosofia tratou de estruturar a carreira docente de modo adequado, realizando os correspondentes concursos. Assim, ao completar dez anos de funcionamento contava, nos cursos de ciências, com estes catedráticos concursados: J. da Rocha Lagoa (matemática); Ernesto de Oliveira Junior (geometria); Joaquim Costa Ribeiro (física geral e experimental); José Leite Lopes (física teórica e experimental); Plínio Sussekind da Rocha (mecânica racional, mecânica celeste e física matemática); João C. Cardoso (físico-química e química superior); Werner Krauledat (química inorgânica e química analítica); Athos da Silveira Ramos (química orgânica e biológica); Tomaz Coelho Filho (geologia e paleontologia); Anibal Figueiredo (botânica); A. Melo Leitão (zoologia); Ladgem Cavalcanti (biologia) e Elisiário Távora Filho (mineralogia e petrografia). Entre os professores contratados achavam-se Oswaldo Frota Pessoa (biologia); Maria de Lurdes Antunes (botânica); Maria Laura Mousinho (geometria); Maria da Glória Hermida (zoologia); Moema Mariani de Sá Carvalho (geometria). Em 1948, foi contratado Cesar Lattes para implantar o Curso de Física Aplicada e Física Nuclear.

Nesses primeiros anos de funcionamento a faculdade promoveu igualmente alguns concursos de livre-docência em que foram aprovados, entre outros, Leopoldo Nachbin (análise matemática e análise superior) e Werner Krauledat (química inorgânica e química analítica).

A faculdade deu também significativa contribuição à melhoria do padrão do professorado secundário. Dentre os seus diplomados, os que desejavam dedicar-se ao magistério deviam fazer, além do curso de bacharelado, o de licenciatura, que consistia do aprendizado teórico e prático de didática do ensino. Para esse mister, organizou-se o Colégio de Aplicação, com cursos ginasial e científico, onde os alunos inscritos na licenciatura tinham oportunidade de ministrar aulas, supervisionadas por professores da faculdade. Além dessa iniciativa, realizavam-se cursos de verão abertos a professores secundários em exercício e que não dispunham de curso Superior.

Avaliando o impacto cultural do novo instituto nessa fase inicial de seu funcionamento, o professor Raul Bittencourt teria oportunidade de consignar:

"Além dos cursos e conferências, na avaliação da obra desta Faculdade Nacional de Filosofia, como centro irradiador de cultura, embora sem nenhum propósito de ser completo na enumeração, será justo salientar as iniciativas dos professores Thiers Martins Moreira e José Carlos Lisboa que, com a parceria dos estudantes, fizeram ressurgir o teatro de Gil Vicente e de Cervantes; a celebração do centenário de Goethe, a que está ligado o nome do professor Álvaro Franco Pinto; a publicação do livro Le théâtre moderne et le Brésil, de Fortunat Strowski, e da Fontes do latim vulgar, comentadas por Serafim Silva Neto, e os Textos quinhentistas, comentados pelo professor Sousa da Silveira; os trabalhos de antropologia brasileira, do professor Artur Ramos; os estudos sobre geografia humana e sobre o problema da alimentação, do professor Josué de Castro; a primeira edição completa do texto medieval português da Demanda do Santo Graal, publicada e comentada pelo professor padre Magne; o Curso de Economia Política, do professor Djacir Menezes; as pesquisas históricas que realizou o professor Hélio Viana sobre a imprensa no Brasil; os trabalhos de campo do professor Hildgard Sternberg; as pesquisas originais, na órbita da física, dos professores Costa Ribeiro e Leite Lopes; as investigações químicas sobre pirólise das gorduras, do professor Athos da Silveira Ramos. E, ainda que continue incompleta esta longa lista de produção cultural acrescentem-se as trinta teses dos que disputaram em concurso a cátedra ou a livre-docência, nesta faculdade, e mais se compreenderá a acicate que ela está sendo na atividade criadora da inteligência brasileira."[76]

3. Marco de um novo ciclo: a autonomia da universidade

Com o transcurso do ano de 1945, encerra-se o ciclo inicial de consolidação da universidade. O término dessa primeira fase coincide com o fim do Estado Novo. O país como um todo iria empreender uma experiência efetivamente nova, formalmente livre de qualquer tutela. A universidade foi colocada em pé de igualdade para ingressar nesse período, porquanto ganhava carta de maturidade, através do decreto que lhe concedeu autonomia, da iniciativa do reitor Raul Leitão da Cunha, feito ministro da Educação no governo organizado para preencher o interregno entre o afastamento de Getúlio Vargas e a posse do novo mandatário a ser eleito.

O Decreto-lei n9 8.393, de 17 de dezembro de 1945, assinado por José Linhares (presidente) e Raul Leitão da Cunha (ministro), estabelecia que a "Universidade do Brasil, instituição de ensino superior cujos fins estão fixados na Lei no. 452, de 5 de julho de 1937, passará a ser pessoa jurídica com autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar".

Já agora a universidade é integrada por 14 faculdades, preservada a inclusão da Escola de Minas de Ouro Preto, todas implantadas e em funcionamento: Direito, Odontologia, Filosofia, Arquitetura, Ciências Econômicas, Farmácia, Engenharia, Belas Artes, Música, Minas e Metalurgia, Química, Educação Física e Desportos e Enfermagem. São estes os Institutos de Pesquisa de que trata o decreto-lei: Eletrotécnica, Psicologia, Psiquiatria e Biofísica, Mais tarde, na oportunidade da elaboração dos estatutos aprovados pelo Decreto no. 21 .321, de 18 de junho de 1946, são acrescidos os Institutos de Puericultura e Nutrição.

Raul Bittencourt assim resume o novo status alcançado pela instituição:

"O reitor e os diretores das faculdades eram de livre nomeação do Poder Executivo; o Conselho Universitário tinha funções assaz limitadas e o orçamento da universidade era fixado, como para os serviços públicos em geral, pelo Congresso Legislativo. Agora o reitor é escolhido pelo presidente da República de uma lista tríplice eleita pelo Conselho Universitário e os diretores designados pelo reitor com aquiescência do presidente da República, dentre nomes indicados pela congregação. O orçamento da universidade estabelece apenas a quantia global concedida à universidade e o Conselho Universitário elabora a discriminação da despesa, de parceria com um novo órgão: o Conselho de Curadores.

Decide livremente quanto à atividade didática, respeitado o padrão mínimo fixa do em lei: condições de ingresso, número de séries de cada curso e ensino das disciplinas previstas na legislação".[77]

Para o ano letivo de 1946, a Universidade do Rio de Janeiro registra matricula da ordem de oito mil alunos, sessenta por cento dos quais freqüentando os cursos de Medicina (2.359), Direito (1.510) e da Escola Politécnica (899). A Faculdade de Filosofia registrava a matrícula de 334 alunos, equiparável à do ano de sua fundação.

Balanço e conclusão

É sabido que o impulso original que a pesquisa científica veio a alcançar entre 1935 a 1945 leva a uma grande frustração na década de cinqüenta. Tornada instrumento de consolidação da universidade, que fora recusada sistematicamente ao longo de mais de um século, a pesquisa científica não chega contudo a assumir igualmente feição acabada. Multiplicam-se as universidades, mas com o franco predomínio da formação profissional. Somente nos anos recentes retoma-se aquela linha de atividade.

Assim, o movimento que empolgou toda uma geração, ao longo de mais de dois decênios, se conseguiu institucionalizar a universidade, o que não lograra alcançar as sucessivas gerações que antecederam, não teve força suficiente para dar à universidade a feição que lhe atribuía. Essa circunstância não deve levar-nos, contudo, a obscurecer sua enorme significação. O surpreendente é que haja conduzido tão longe essa bandeira.

Deste modo, os resultados alcançados, embora a posteridade haja indicado que não eram definitivos mas efêmeros, devem ser consignados, como ponto de partida para um balanço mais amplo e geral.

Cabe portanto ter presente que a criação da Faculdade de Filosofia da USP e da Escola de Ciências da UDF, posteriormente transformada cm Faculdade Nacional de Filosofia, teve desde logo o mérito de aglutinar os estudiosos da história natural taxionômica, das geociências de tipo exploratório, da química tradicional, da fisiologia, da medicina bacteriana e da matemática. Os cultores dessa ciência, que configuravam verdadeiras vocações isoladas, formadas à mercê do auto-didatismo ou pela ação das poucas figuras marcantes que haviam aparecido no panorama científico brasileiro, tinham agora a possibilidade de transmitir uma experiência sistematizada, para turmas sucessivas de jovens. Esses estudiosos tiveram logo a satisfação de encontrar uma primeira geração extremamente receptiva, em muitos casos já tendo freqüentado ou concluído cursos profissionais, que deu base à estruturação, no processo ora estudado, do núcleo constitutivo do corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia, supondo-se que outra não tenha sido a circunstância verificada na Faculdade de Filosofia da USP.

No início do pós-guerra, a Faculdade Nacional de Filosofia conta em seu corpo docente com cerca de trinta professores de matemática, física, química, geologia, mineralogia, biologia, botânica e zoologia, que se formaram ou concluíram a sua formação na Escola de Ciências da UDF ou na própria faculdade. Para aferir a magnitude desse contingente basta ter presente que a Academia Brasileira de Ciências, tão logo assumiu estrutura definitiva nos anos vinte, tinha cerca de setenta membros e esse número permaneceu constante aproximadamente até 1945, não apenas pelos critérios de admissão mas sobretudo em face da ausência, no pais, de mecanismos institucionalizados para o preparo de novos cientistas e pesquisadores.

No período que vai de 1935 a 1945, a Escola de Ciências da UDF e a Faculdade Nacional de Filosofia não apenas formaram os docentes de ciências exatas que iriam tomar em suas mãos o ensino dessas disciplinas como igualmente prepararam diversos pesquisadores que passaram a integrar os quadros do Instituto Oswaldo Cruz, do Museu Nacional, do Departamento Nacional da Produção Mineral e do Instituto Nacional de Tecnologia. Nesse mesmo ciclo iniciaria o programa de formação de professores de ciências para o ensino secundário, que iria registrar notáveis sucessos. E embora voltado sobretudo para essas ciências exatas, o movimento que ensejou o surgimento daquelas escolas trouxe igualmente significativo progresso às ciências humanas e à filosofia. Esta, que até então era ensinada de forma restritiva nas escolas profissionais, como filosofia do direito, da matemática, etc., passa a contar com instituto que lhe é especialmente dedicado. A história, a sociologia, a economia, a etnologia e a antropologia também adquirem a possibilidade de institucionalizar seu ensino de modo autônomo. De sorte que a Faculdade Nacional de Filosofia deu forma nova a uma tradição existente, escoimando-a dos defeitos denunciados por sucessivas gerações, em especial o auto-didatismo e a improvisação. No caso específico das ciências exatas, os novos docentes que se haviam formado, freqüentando laboratórios espalhados pela cidade, pertencentes a diversos órgãos, contavam com essas instalações implantadas na própria faculdade. A pesquisa que era igualmente privilégio de umas poucas instituições passa a integrar a formação curricular. O intercâmbio com instituições estrangeiras, a coleta sistemática de bibliografia e a realização de simpósios e seminários se incorporam ao estilo de trabalho dos cientistas e pesquisadores, já agora de forma institucional. O contato freqüente com professores estrangeiros é outra novidade que se introduz no ensino superior.

Contudo, em que pese a significação dos resultados apontados, não reside em tais aspectos o principal mérito da nova experiência.

Quando a Academia Brasileira de Ciências lançou a idéia da criação das Faculdades Superiores de Ciência, no início da década de vinte, a iniciativa se entendia como passo necessário à manutenção de nossos vínculos com a evolução do pensamento científico mundial, que os positivistas pretenderam obstar em nome de uma disciplina batizada de sociologia e que, na verdade, nada tinha de científica, como Amoroso Costa teria oportunidade de indicar. Naquele decênio, acompanhar o curso da ciência significava acompanhar o tipo de investigação simbolizada pela teoria da relatividade. E ainda que Licínio Cardoso a chamasse de imaginária, a Academia Brasileira de Ciências logrou superar a interdição positivista, promovendo a vinda de Einstein ao Brasil e mantendo acesa a discussão em torno do tema. Deste modo, o propósito do movimento não consistia apenas em dar nova dimensão aos setores clássicos da ciência, mas simultaneamente de incorporar os novos segmentos. Na época da segunda guerra mundial, semelhante plataforma revestia-se de conteúdo bastante diverso daquele assumido na década de vinte. Posição de primeiro plano iria alcançar a física nuclear.

No Brasil, o elemento de transição para a física nuclear correspondeu aos estudos da radiação cósmica, que era o campo de preferência do pequeno núcleo de físicos então formados no Rio de Janeiro e em São Paulo, do mesmo modo que de seus mestres estrangeiros, em especial Gleb Wataghin e Bernhard Gross, A circunstância criou desde logo a possibilidade de estabelecer contato com um dos núcleos mais avançados da física mundial, o do professor Arthur Compton, da Universidade de Chicago, que se tornaria, logo a seguir, uma das figuras centrais da física nuclear norte-americana.

O evento que marca o cumprimento do programa estabelecido, isto é, o de acompanhar a evolução da ciência ao invés de voltar-lhe as costas, é o Simpósio de Radiação Cósmica realizado no Rio de Janeiro, sob o patrocínio da Academia Brasileira de Ciências, de 4 a 8 de agosto de 1941, por ocasião da visita da missão científica norte-americana, chefiada por Arthur Compton e integrada por quatro outros professores.

A reunião é acompanhada pela velha geração de professores que soube manter-se fiel ao ideário da Academia Brasileira de Ciências, como Álvaro Alberto, Inácio Azevedo Amaral, Francisco Magalhães Gomes, Luiz Freire, Adalberto Menezes de Oliveira, entre outros, e conta com dois outros tipos de participantes que a singularizam em relação a outros momentos da história da ciência do Brasil. Os primeiros são os professores estrangeiros contratados pelas novas escolas criadas no pais e que, naquele ano, voltados para essa disciplina, eram em número de oito, tendo à frente Gleb Wataghin, Bernhard Gross e Luigi Sobrero. Os últimos eram os pioneiros dentre os jovens físicos que, no ciclo subsequente, iriam integrar o núcleo que assumiria os destinos dessa ciência em nossa terra: Joaquim Costa Ribeiro, Marcelo Damy e Paulus Pompéia.

O simpósio teria o mérito de estimular a pesquisa física e despertar novas vocações que iriam completar a formação no exterior, já agora diretamente voltada para a física nuclear, como seria o caso de Mário Schenberg, Leite Lopes e Cesar Lattes, além de Marcelo Damy e Paulus Pompéia, antes mencionados. Parte igualmente destacada dessa nova etapa seriam as pesquisas de Joaquim Costa Ribeiro, que o levariam à descoberta do fenômeno termo-dielétrico, e os estudos sobre produção de eletricidade pelos seres vivos, de Carlos Chagas Filho, que daria lugar, mais tarde, à criação, na universidade, do Instituto de Biofísica,

Vê-se, pois, que a velha geração soube encontrar as pessoas capazes de servir de elo entre a ciência de seu tempo e aquela a que deveria dedicar-se à nova geração.

Tal é a circunstância vigente no período que se seguiu imediatamente ao término do conflito.

A experiência ulterior iria indicar que a simples disponibilidade de pesquisadores e cientistas, a par da institucionalização do ensino de ciência, desvinculado da formação profissional, não seriam suficientes para assegurar o desenvolvimento científico do país, escapando aos objetivos da presente análise o estudo das determinantes do desfecho subsequente.

Nosso propósito limitava-se à investigação dos destinos do ideal de universidade, acalentado na década de vinte, o que nos permitiu verificar que veio a encontrar o seu momento de plena realização, no caso do Rio de Janeiro, por volta de 1945.

Apêndice

Apresentação

Em vista de que as referências bibliográficas do assunto aqui estudado são escassas e de difícil acesso, pareceu imprescindível organizar a informação disponível sobre professores e pesquisadores citados no texto, o que se efetiva neste apêndice. Tais informações são apresentadas em ordem alfabética.

Afonso Pena Junior (1879/1968)

Político e jurista de grande evidência, desempenhou papel singular no movimento em prol da institucionalização do ensino da ciência. Tendo assumido a reitoria da UDF num momento de crise, deu-lhe continuidade e impediu que a experiência se frustrasse em seguida ao afastamento de Anísio Teixeira. Os êxitos da Escola de Ciências da UDF representavam os primeiros resultados práticos de uma hipótese cuja efetividade até então não tivera oportunidade de ser verificada. Devem, em parte, ser imputados a Afonso Pena Junior, que colocou seu prestigio político a serviço daquela idéia.

Exerceu o magistério na Faculdade de Direito de Belo Horizonte e foi sucessivamente secretário do Interior do Estado de Minas Gerais, deputado federal, membro do Superior Tribunal da Justiça Eleitoral e ministro da Justiça. Foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Alfred Schaeffer (1879/1957)

Natural da Alemanha, formou-se em farmácia em 1902, passando em seguida a estudar química na Universidade de Munich, onde doutorou-se em 1906. Foi assistente do Instituto de Química Aplicada da mesma universidade. Convidado pelo governo de Minas Gerais, veio instalar o Laboratório de Análises do Estado, em 1911, radicando-se no Brasil.

Foi professor da Faculdade de Medicina e Farmácia de Belo Horizonte, desde sua fundação, em 1912, passando em 1919 para a Escola de Engenharia, onde implantou e dirigiu o Instituto de Química. A partir de 1935 transfere-se para o Rio de Janeiro, a fim de reger as cadeiras de química inorgânica e analítica da Escola Técnica do Exército, fundada naquele ano. No biênio 1935-1937 regeu a cadeira de química da Escola de Ciências da UDF. Abandonou essas funções e não chegou a se transferir para a Faculdade Nacional de Filosofia, em virtude da chamada lei da desacumulação, que proibia o exercício de mais de uma função pública. Aposentou-se das atividades docentes em 1949. Continuou, entretanto, realizando trabalhos de pesquisa no laboratório da Escola Técnica do Exército.

Era membro da Academia Brasileira de Ciências.

Álvaro Osório de Almeida (1882/1952)

Foi um dos dirigentes do movimento em prol da reforma do ensino superior para dar lugar à universidade na segunda metade dos anos vinte, tendo presidido a seção correspondente da Associação Brasileira de Educação e se ocupava de abordar o tema considerando os seus diversos aspectos. Era um dos maiores entusiastas dos cursos de extensão da ABE, por considerá-los uma demonstração cabal da existência de condições favoráveis à organização da universidade, para dar lugar à formação de cientistas e pesquisadores.

Diplomou-se em medicina em 1906, seguindo para Paris onde trabalhou no Instituto Pasteur. De volta ao Brasil, instalou modesto laboratório de fisiologia no porão da residência de seus pais, na rua Almirante Tamandaré. Com a mudança da família para a rua Machado de Assis, o laboratório expandiu-se de modo significativo, tornando-se um centro de consultas, reuniões, preparo de teses, enfim, um dos pontos isolados em que se praticava a atividade científica do pais no período considerado.

Ingressou no magistério em 1911, como professor extraordinário de fisiologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo ascendido à cátedra em 1927. É considerado precursor da luta contra as endemias rurais, sendo autor de inúmeros trabalhos originais. A partir de 1933, dedicou-se exclusivamente ao estudo e a pesquisa do câncer.

Anísio Teixeira (1900/1971)

É considerado como a figura mais proeminente da Escola Nova ou pelo menos daquela vertente desse movimento que se manteve fiel à inspiração de John Dewey, de quem foi discípulo na Universidade de Columbia em 1929, e que consistia em vincular o processo educacional à formação democrática dos cidadãos.

Teve oportunidade de ocupar vários cargos na administração escolar, vinculando-se a diversas iniciativas pioneiras, como é o caso da reforma do ensino no Distrito Federal (1934/1935), da criação da Universidade do Distrito Federal (1935) e da concepção e implantação da Universidade de Brasília, na década de sessenta. Foi conselheiro da Unesco para ensino superior, secretário da Capes, diretor do INEP e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e membro do Conselho Federal de Educação. Dedicou-se igualmente ao magistério, em especial na Faculdade Nacional de Filosofia.

Autor de extensa bibliografia, tendo alguns de seus livros merecido sucessivas reedições, destacando-se Vida e educação -introdução à pedagogia pragmática de Dewey (1930); Educação progressiva (1932); Em marcha para a democracia (1934); Universidade e liberdade humana (1954); A educação e a crise brasileira (1956) e Educação não é privilégio (1957).

Antônio Augusto de Azevedo Sodré (1864/1929)

Autor de projeto de reforma do ensino superior amplamente debatido nos começos da República e participante ativo do movimento em prol da universidade, nos anos vinte. Formou-se em medicina em 1885. Na faculdade, foi professor de patologia clínica e de clínica médica, e também diretor. Fundou a publicação Brasil Médico, que lhe sobreviveu. Pertenceu à Academia Nacional de Medicina e exerceu a Diretoria Geral de Saúde. Dedicou-se igualmente à política, tendo sido deputado federal e prefeito do Distrito Federal, quando se ocupou, em especial, da instrução pública.

Athos da Silveira Ramos (nascido em 1906)

Formado em química industrial pela Escola Superior de Agricultura, foi o primeiro catedrático de química orgânica e biológica da Faculdade Nacional de Filosofia. Mais tarde, passou a integrar o corpo docente da Escola Nacional de Química. Ainda na Universidade do Rio de Janeiro, dirigiu o Instituto de Química, entidade voltada para a pesquisa.

Foi sucessivamente vice-presidente e presidente do Conselho Nacional de Pesquisas.

Bernhard Gross (nascido em 1905)

Natural de Stuttgart, Alemanha, concluiu a Escola Técnica Superior de Stuttgart e a Universidade de Berlim, doutorando-se em física em 1932. Foi professor do Instituto de Física de Stuttgart, tendo-se transferido pata o Brasil em fins de 1933, passando a integrar os quadros do Instituto Nacional de Tecnologia a partir de 1934.

Incumbiu-se da organização do Curso de Física da Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal, deixando de transferir-se para a Faculdade Nacional de Filosofia, que o absorveu e substituiu, em 1939, em vista da legislação então introduzida, que proibia acumulações no serviço público. Devendo optar por um único estabelecimento, preferiu o INT. Ali dedicou-se à pesquisa científica durante largos anos.

Foi diretor da Divisão de Física do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da Comissão de Energia Nuclear (1967/1 969). Aposentando-se, aceita as funções de professor visitante do Instituto de Física e Química de São Carlos.

Membro da Academia Brasileira de Ciências, desde 1935, da American Physical Society e de diversas outras organizações científicas internacionais. No transcurso do seu 70o aniversário, em 1975, promoveu-se em sua homenagem o Simpósio Internacional sobre Eletretos e Dielétricos, e a Universidade de São Paulo concedeu-lhe o título de doutor Honoris causa.

Na apresentação dos Anais do simpósio, editados pela Academia Brasileira de Ciências, Sérgio Mascarenhas, do Instituto de Física e Química de São Carlos, considera-o fundador da física experimental de padrão internacional no Brasil.

Domingos Artur Machado Filho

Diplomou-se em veterinária pela Escola Nacional de Veterinária (1937) e em história natural pela Escola de Ciências da UDF (1938). Concluiu igualmente o Curso de Medicina na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1948), passando a integrar o corpo docente dessa escola, na cadeira de parasitologia.

Dedicou-se à pesquisa biológica no Instituto Oswaldo Cruz, especializando-se em helmintologia e bioecologia dos parasitas.

Emanoel de Azevedo Martins (nascido em 1907)

Diplomado pela Faculdade de Medicina (1934) e pela Escola de Ciências da UDF (1937). Foi professor assistente de geologia e paleontologia da Faculdade Nacional de Filosofia (1938/1940) e catedrático a partir de 1951. Integrou a equipe de pesquisadores do Museu Nacional de 1940 a 1961. Autor de diversos trabalhos de sua especialidade, divulgados em revistas técnicas.

Fernando de Azevedo (1894/1974)

Educador de grande renome, tendo sido um dos principais animadores do movimento denominado Escola Nova, teve participação das mais destacadas em todo o processo de criação da universidade brasileira.

Recém-formado, na década de vinte, dedicou-se inicialmente ao magistério e mais tarde (1926/1930) à direção da Instrução Pública no Distrito Federal. Foi, alguns anos mais tarde, diretor da Instrução Pública no Estado de São Paulo (1933). Ao longo da década de trinta está presente a toda a polêmica educacional, tendo exercido a presidência da ABE. Elaborou, para figurar como volume introdutório do recenseamento de 1940, o livro A cultura brasileira, que constitui marco significativo na história do pensamento nacional.

Dirigiu, nos anos de 1941 e 1942, a Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Na USP, foi ainda, durante largo período, membro do Conselho Universitário. Exerceu o cargo de secretário de Educação do Estado e da Prefeitura de São Paulo, e de diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, com sede naquele Estado.

Fundou, na Companhia Editora Nacional, a Biblioteca Pedagógica Brasileira e pertenceu a diversas associações internacionais. Foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Autor de extensa bibliografia, destacando-se, entre os seus livros mais conhecidos, além de A cultura brasileira, já mencionado, A educação e seus problemas, Educação entre dois mundos, Sociologia educacional e As ciências no Brasil.

Gustavo Mendes de Oliveira Castro (1904/1978)

Biologista, diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1945, integrou o corpo docente da Escola de Ciências da UDF. Pesquisador em biologia do Instituto Oswaldo Cruz, publicou grande número de trabalhos sobre protozoários, insetos dípteros e ecologia vegetal. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Heitor Lira da Silva (1879/1926)

Criador da Associação Brasileira de Educação, diplomou-se pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e trabalhou, em seguida, nas oficinas de Jundiai, da Companhia Paulista de Vias Férreas. Foi, mais tarde, diretor dos serviços elétricos de Barra do Piraí. Tendo ascendido à direção da Estrada de Ferro da Central do Brasil, Aarão Reis convidou-o e a outros engenheiros para projetar a eletrificação daquela estrada. A serviço desse projeto, viajou à Europa.

Regeu por mais de dez anos a cadeira de resistência de materiais e estabilidade das construções do Curso de Arquitetura. Falando do programa da ABE no primeiro aniversário de sua constituição teria oportunidade de dizer: "Nós esperamos vir a formar um núcleo poderoso no seio da sociedade brasileira", vaticínio que se confirmou plenamente. Publicou estas obras didáticas: Problemas práticos de física elementar, e Geometria (Biblioteca de Educação Geral, 1923).

A ABE editou, em 1972, volume de 238 páginas, In Memoriam de Heitor Lira da Silva. Apresenta-o Carlos Américo Barbosa de Oliveira, seguindo-se estes textos: discursos pronunciados na sessão comemorativa de 18 de dezembro de 1926, pronunciados por Tobias Moscoso, em nome de seus colegas; Graça Couto, em nome da Congregação da Escola Nacional de Belas Artes; A. Carneiro Leão, em nome dos educadores brasileiros; Maria Luiza de Almeida Cunha, em nome do Curso Jacobina; Fernando Magalhães, em nome da Associação Brasileira de Educação. Além destes, o discurso de Vicente Licínio Cardoso na ocasião do seu enterro; o artigo de Afonso d'E. Taunay publicado no Correio Paulistano (21/11/1926); os artigos de Alvares Rodrigues, Euclydes Mendes Viana e Eduardo Agostini, aparecidos no Jornal do Brasil (8/1 2/1926).

O volume em apreço contém ainda trabalhos de Heitor Lira: xonferência sobre a oportunidade da introdução de manual training no ensino secundário do Brasil (Liga Pedagógica. 1922; p. 105-148); tese apresentada ao Congresso de Ensino Centenário da Independência, sobre problemas do ensino (p. 149-1 72); texto sobre método de ensino e norma de exame de matemática, subsídio à Reformado Ensino (1923; p. 173-180); programa da Biblioteca de Educação Ativa (p. 181 185); discurso de inauguração (p. 187-208) e de encerramento (p. 209-218) de série de conferências no Curso Jacobina (1817); discurso na inauguração da Escola Regional de Meriti   (p. 219-226) e Programa de ABE (p. 227 -233).

Hermann Lent (nascido em 1911)

Pesquisador do Laboratório de Helmintologia do Instituto Oswaldo Cruz e diplomado em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi professor assistente da cadeira de zoologia da Escola de Ciências da UDF e, posteriormente, professor catedrático de parasitologia da Escola de Medicina e Cirurgia e da Faculdade Nacional de Farmácia.

Membro da Academia Brasileira de Ciências, e há vários anos, editor de seus Anais.

Hugo de Souza Lopes (nascido em 1909)

Médico veterinário pela Escola Nacional de Veterinária (1933) cursou história natural na Escola de Ciências da UDF. Diplomando-se em 1938, passou a integrar a equipe do Instituto Oswaldo Cruz, tendo se tornado especialista de renome em entomologia e malacologia. No magistério, foi professor catedrático da Universidade Rural. É membro da Academia Brasileira de Ciências.

Inácio Manoel Azevedo do Amaral (1883/1950)

Teve atuação destacada em todo o movimento científico brasileiro deste século, notadamente a partir da criação da Academia Brasileira de Ciências, de que foi membro ativo e cuja presidência exerceu no biênio 1939/1941. Concluiu a Escola Naval na turma de guardas-marinhas de 1900, ingressando desde logo no magistério militar, como professor da Escola Naval. Mais tarde, em 1912, fez concurso para a Escola Politécnica, Foi ainda professor da Escola Normal e do Colégio Pedro II.

Em sua carreira na Escola Naval, chegou a catedrático de termodinâmica, caldeiras e combustíveis, em 1922, posteriormente transferido para a cadeira de balística. Em 1924, foi nomeado chefe do Departamento de Artilharia e, em 1931, chefe do Departamento de Ensino de Armamento. Na Politécnica foi livre docente de geometria analítica e cálculo infinitesimal e, em 1927, professor catedrático por concurso.

Pertenceu ao Conselho Universitário e ao Conselho Nacional de Educação, tendo sido diretor da Escola de Engenharia (1942) e reitor da Universidade do Rio de Janeiro, então denominada do Brasil (1945/1948).

Pertenceu a outras instituições científicas do pais, além da Academia Brasileira de Ciências, e do estrangeiro. Publicou diversos trabalhos científicos, quase todos de matemática.

João Moojen de Oliveira (nascido em 1904)

Assumiu a cadeira de biologia, na Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal, em 1938. Anteriormente, exercera as funções de professor de genética na Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. Entre 1942 e 1945, fez doutoramento em vertebrados, biologia e paleontologia nas Universidades de Berkeley e Kansas, nos Estados Unidos. Nos dois decênios subsequentes ocupou-se de complementar a coleção de mamíferos brasileiros do Museu Nacional, colocando-a entre as maiores do mundo. Descreveu dois gêneros e quinze espécies novas de mamíferos, Desenvolveu um novo método de extermínio de murídeos (ratos).

Joaquim Costa Ribeiro (1906/1960)

Diplomou-se pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1928, passando desde logo a integrar o corpo docente, como assistente da cadeira de física. Em 1933 foi aprovado em concurso para livre-docente.

Foi catedrático de física experimental da Escola de Ciências da UDF e, nessa condição, transferiu-se para a então criada Faculdade Nacional de Filosofia. Efetivou-se na cadeira, mediante concurso, em 1946. Posteriormente foi chefe do Departamento de Física e sócio fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

Iniciou sua atividade científica em 1940, com trabalhos originais sobre um novo método para a realização de medidas de radioatividade e aplicação desse método ao estudo de minerais radioativos brasileiros. Em 1942, em colaboração com o professor italiano Luigi Sobrero, da Universidade de Roma e que lecionou na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, desenvolveu a construção de um novo tipo de aparelho de polarização autocolimador, especialmente indicado para estudos de fotoelasticidade. Em 1943 iniciou, em colaboração com o professor Bernhard Gross, estudos experimentais sobre propriedades dielétricas da cera de carnaúba. Em prosseguimento a esses trabalhos descobriu, em 1944, um novo fenômeno físico, de caráter muito geral, consistindo na produção de cargas elétricas associadas a mudanças de estado físico de dielétricos, em que uma das fases é sólida, fenômeno que denominou "efeito termo-dielétrico" e que foi incorporado à física com o nome de efeito Costa Ribeiro, Essa descoberta despertou grande interesse nos círculos científicos internacionais. A propósito do tema, ministrou cursos na Sorbonne e no Instituto de Física de Strasbourg (1945), no Massachussets Institute of Technology e na Universidade de Yale (1945). Incumbido de saudá-lo na oportunidade da entrega do prêmio Albert Einstein, da Academia Brasileira de Ciências, Bernhard Gross tivera oportunidade de afirmar: "Uma descoberta feita é, de certo modo, algo impessoal. Toma vida própria independente. Mas o caminho que levou a ela revela uma atitude fundamental: os traços característicos do descobridor. . . O efeito termo-dielétrico não foi descoberto num laboratório estrangeiro de tradição antiga, a pesquisa não foi orientada por nenhum mestre experimentado - tudo foi feito por um único homem isolado num laboratório brasileiro. Tanto mais admirável é a descoberta quando se julga o fato não apenas pelo mérito intrínseco que possui, mas pelas condições em que foi realizada".

Costa Ribeiro era membro da Academia Brasileira de Ciências, da Societé Philomatique de Paris, da Associación Física Argentina, da American Physical Society e da congênere alemã. Exerceu diversas funções públicas, entre outras a de director-geral da Divisão Técnico-Científica do Conselho Nacional de Pesquisas. Foi membro do Conselho Consultivo e da Secretaria Executiva do Comitê das Nações Unidas para aplicações pacificas da energia nuclear, com sede em Viena.

José Lacerda de Araújo Feio (1912/1973)

Tendo concluído a Faculdade de Medicina, em 1936, matriculou-se no curso de história natural da Escola de Ciências da UDF, formando-se quando esta já havia sido incorporada à Faculdade Nacional de Filosofia, em 1940. Ingressou no Museu Nacional como pesquisador em zoologia. Foi diretor dessa instituição de 1967 a 1970. Entre outros trabalhos publicou os seguintes livros: Sinopse de sistemática zoológica e Apreciação litográfica sobre sinopse de sistemática zoológica.

José Leite Lopes (nascido em 1918)

Diplomou-se em química industrial pela Escola de Engenharia de Pernambuco (1939) e foi da primeira turma de formandos do Curso de Física da então criada Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1942). Fez o doutorado em física na Universidade de Pricenton e, de volta ao Brasil, tornou-se catedrático de física teórica da Faculdade Nacional de Filosofia. Na faculdade foi ainda chefe do Departamento de Física.

Sócio fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, ocupou nessa entidade os cargos de chefe do Departamento de Física Teórica e diretor científico, Membro da Academia Brasileira de Ciências e da American Physical Society.

Lauro Travassos (1890/1970)

Integrou o grupo de professores responsáveis pela implantação da Escola de Ciências da UDF. Diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1911, passando a integrar os quadros do Instituto Oswaldo Cruz, como pesquisador e especialista em helmintologia e entomologia. Foi professor da Escola Nacional de Veterinária e da Escola de Medicina da USP. Autor do livro Introdução ao estudo da helmintologia (1950). Grande colecionador e viajante, excursionou pela maior parte do território nacional. Publicou numerosas memórias e comunicações científicas. Pertenceu à Academia Brasileira de Ciências.

Lélio Gama (1892/1981)

Discípulo de Amoroso Costa, na Escola Politécnica, participou ativamente de todo o movimento que se seguiu à criação da Academia Brasileira de Ciências. Desde jovem seu interesse principal voltou-se para a matemática e a astronomia, ingressando nos quadros do Observatório Nacional. Foi diretor dessa instituição, a partir de 1952. Apoiou com entusiasmo a criação da Universidade do Distrito Federal, tendo pronunciado a aula inaugural de seus cursos, em 1935. Dirigiu a seção de matemática da Escola de Ciências.

No observatório, dedicou-se em especial às seguintes pesquisas: latitudes e sua variação, magnetismo terrestre e flutuações anuais do eixo da terra. É autor de inúmeros trabalhos de matemática.

Levi Carneiro (1882/1971)

Foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Educação, à qual prestou grande colaboração no ciclo inicial de sua formação, embora se dedicasse sobretudo ao direito. Alcançou grande notoriedade nos meios jurídicos, onde foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, consultor geral da República e juiz da Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia. Foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Licínio Cardoso (1852/1926)

Foi um dos últimos positivistas da Escola Politécnica, tendo se negado peremptoriamente a reconhecer a validade da ciência que se estabeleceu a partir dos começos do século.

Nasceu em Lavras no Rio Grande do Sul e ingressou no serviço militar, no Rio de Janeiro, em 1873, aos 21 anos de idade, sendo admitido como aluno da Escola Militar em começos de 1877, concluindo o curso de engenharia militar em 1879. Em 1880 passava a fazer parte do corpo docente do Curso Preparatório. Depois da República, transferiu-se para a cadeira de sociologia e moral da Escola Militar. Em 1887 foi nomeado lente de mecânica racional da Escola Politécnica, depois de haver-se classificado em primeiro lugar no concurso então realizado, abandonando a carreira militar. Manteve, entretanto, a condição de professor da Academia. Integrou a comissão de professores enviada por Benjamin Constant à França, onde permaneceu ao longo do ano de 1892.

Na Academia Militar, Licínio Cardoso foi conquistado para o positivismo de Augusto Comte por Benjamin Constant, que fora seu professor. À difusão do comtismo dedicaria seu magistério. tanto na Academia Militar como na Escola Politécnica.

Em 1895, aos 43 anos de idade, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Desejava o diploma de médico para dedicar-se à homeopatia. Formando-se em 1900, inicia a carreira de médico homeopata. Tornou-se presidente do Instituto Hahnemaniano em 1912, e é o artífice da criação da Faculdade Hahnemaniana, no ano seguinte. Seu falecimento ocorreu em Lisboa, em 1926, em vista da circunstância de ter seguido para a Europa, a fim de assistir o conclave internacional de homeopatia.

O Instituto Hahnemaniano publicou, ainda em 1926, um livro dedicado à memória de Licínio Cardoso, do qual consta alguns dos artigos de sua autoria, inclusive o de combate à física de Einstein, denominado "Relatividade imaginária". Além desses ensaios, escreveria o livro intitulado O ensino que nos convém (Anuário do Brasil, Rio de Janeiro, 1922) de combate à reforma de 1925. Sua filha Leontina Licínio Cardoso escreveria a sua biografia (Licínio Cardoso, seu pensamento, sua obra, sua vida, Rio de Janeiro, Valverde, 1944).

Luiz Freire (1896/1963)

Professor da Escola de Engenharia de Pernambuco, participou ativamente de todo o movimento em prol do acompanhamento dos novos caminhos encetados pela matemática e pela física e em favor da criação de escolas aptas a formar pesquisadores e cientistas. A par disto, contribuiu diretamente para a formação científica de diversos jovens, entre outros Mário Schenberg e Leite Lopes, que iriam tomar a seu cargo a realização do projeto das gerações anteriores no que respeita à implantação da pesquisa dedicada à física nuclear. Tendo se dedicado ao magistério secundário, na década de vinte, foi mais tarde diretor da Educação Normal de Pernambuco. Tornou-se professor catedrático de física da Escola de Engenharia em 1934. Em 1938, por alguns meses, dirigiu os cursos de Matemática da Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal. Em Pernambuco, foi presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Tecnológico e, a partir de 1950, passou a integrar o corpo docente da Escola de Química. Tendo permanecido na Escola de Engenharia, ali organizou, em 1954, o Instituto de Física e Matemática, que contou com a colaboração de diversos matemáticos e físicos portugueses, entre outros Alfredo Gomes Pereira e Manoel Zaluar, Luiz Freire foi membro do Conselho Nacional de Pesquisas, desde sua fundação em 1951, até o falecimento. Era membro da Academia Brasileira de Ciências, onde teve atuação destacada. Participou do Segundo Colóquio Internacional de Lógica Matemática, realizado em Paris, em agosto de 1952.

Publicou diversos ensaios e memórias, além destas teses: Da ciência Matemática, sua Metodologia, e Bases para uma Axiomática da Termodinâmica, Estudou o pensamento matemático de Gomes Teixeira e Teodoro Ramos e, na sessão conjunta da Academia Brasileira de Ciências e do CNPq, estudou a obra de Roberto Trompowski, por ocasião da comemoração do centenário de seu nascimento, em 1953. Colaborou nos Anais da Academia de Ciências e na Gazeta Matemática de Lisboa.

Na sessão da academia dedicada à sua memória, coube ao antigo discípulo, Leite Lopes, traçar-lhe o perfil. Nesse discurso teria oportunidade de assinalar: "A ciência brasileira deve hoje muito dos seus melhores valores à ação catalisadora de Luiz Freire no Recife - Mário Schenberg, Leopoldo Nachbin, Hervásio de Carvalho, Maria Laura Moutinho, Leite Lopes. Samuel MacDowell, Ricardo Palmeira, Fernando de Souza Barros, Manfredo Perdigão, Sônia Santos, Rômulo Maciel, Francisco Brandão, entre outros".

Luiz Emídio de Melo Filho (nascido em 1913)

Cursou a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, diplomando-se em 1939, e, simultaneamente, a Escola de Ciências da UDF. Ingressou no Museu Nacional em 1944, especializando-se em pesquisa botânica.

Diretor do Museu Nacional a partir de 1976.

Manoel Amoroso Costa (1885/1928)

Considerado como um dos maiores matemáticos do país, tendo alcançado reconhecimento internacional, embora falecido prematuramente, aos 43 anos de idade, é sem dúvida, o autor da hipótese de que a universidade brasileira deveria estruturar-se para permitir o desenvolvimento da pesquisa científica, tendo como núcleo principal a Faculdade Superior de Ciências. No movimento desencadeado na segunda metade dos anos vinte essa idéia granjeou inúmeros adeptos e assumiu às dimensões que foram caracterizadas. A incumbência de levar à prática semelhante projeto acabaria assumida por dois de seus discípulos: Teodoro Ramos e Roberto Marinho de Azevedo, o primeiro em São Paulo, e o segundo no Rio de Janeiro.

Amoroso Costa diplomou-se pela Escola Politécnica com apenas 21 anos de idade, em 1906. Em 1912 seria admitido como membro de seu corpo docente. Seu magistério dedicou-o à eliminação da influência de Augusto Comte nos meios científicos brasileiros, tarefa iniciada na Politécnica por Otto de Alencar (1874/ 1912). Seria em parte bem sucedido. No que respeita à possibilidade da intelectualidade brasileira ter acesso à nova física combatida pelos positivistas, foi notável a contribuição de Amoroso Costa. Desejava, entretanto, manter o interesse pela filosofia da ciência, no que, entretanto, não logrou formar discípulos. Estudou durante mais de três anos na França, nos começos da década de vinte, tendo freqüentado o curso de Teoria do movimento da lua, de Andoyer, por exigência de suas atribuições docentes, e dois cursos de filosofia, para atender a sua curiosidade intelectual: Introdução à filosofia das ciências, de Abel Rey, e Teoria do conhecimento, de Leon Brunschvig. Mais tarde, ministraria cursos de sua especialidade na Universidade de Paris tendo, segundo Miguel Osório de Almeida, deixado profunda impressão entre os professores daquela instituição. Amoroso Costa deixou obra significativa de matemática, astronomia e física e um longo ensaio sobre a teoria da relatividade (Rio de Janeiro, 1922). Os seus trabalhos relacionados à filosofia das ciências foram em parte reeditados recentemente (As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, São Paulo, Editoras Grijalbo/USP, 1971). Lélio Gama teria oportunidade de dizer que o talento de Amoroso Costa, "como aquela força celeste que faz surgir subitamente uma nova estrela no espaço, fez fulgurar em dia a celebração do Brasil no seio das constelações científicas do mundo".

Manoel Lourenço Filho (1897/1970)

Foi presidente da Associação Brasileira de Educação e participou ativamente de todo o movimento educacional desde os começos da década de vinte, quando se incumbiu da reforma do ensino público no Ceará (1922/1923). Nos anos trinta foi sucessivamente diretor geral do Ensino Público em São Paulo, membro do Conselho Nacional de Educação e diretor geral do Departamento Nacional de Educação. O governo deu-lhe a incumbência, em 1938, de organizar o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), que implantou e dirigiu até 1946. Fundou, em 1944, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. De 1947 a 1951 voltou a exercer às funções de diretor geral do Departamento Nacional de Educação.

Esteve sempre vinculado ao magistério, inicialmente em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro, onde integrou o corpo docente da UDF e, depois, da Faculdade Nacional de Filosofia.

Suas obras completas, em 10 volumes, foram publicadas pela Editora Melhoramentos, destacando-se seus livros Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) e Tendências da Educação Brasileira (1940).

Miguel Osório de Almeida (1890/1953)

Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dedicou-se à pesquisa, ao magistério e à divulgação científica, tendo sido um dos grandes animadores do movimento desencadeado pela Academia Brasileira de Ciências em prol do desenvolvimento científico, em geral, e da criação da universidade, em particular. Foi diretor do Laboratório de Fisiologia do Instituto Oswaldo Cruz e professor da disciplina na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, que daria origem à Universidade Rural. Na Academia Brasileira de Ciências ocupou sucessivamente os cargos de secretário-geral, vice-presidente e presidente, Em decorrência dos acordos de intercâmbio cultural franco-brasileiro, foi professor visitante na Faculdade de Ciências de Paris, em 1927 e 1932. Era livre docente de fisiologia. física biológica e higiene; membro de diversas associações científicas internacionais; doutor Honoris Causa das Universidades de Paris, Lion e Argel; e membro da Academia Brasileira de Letras.

Colaborou com grande freqüência na imprensa periódica, reunindo posteriormente em livros os artigos e ensaios assim divulgados (Homens e coisas de ciências, 1925; Vulgarização do saber, 1931; Ensaios, críticas e perfis, 1938). Redigiu inúmeras memórias para revistas científicas editadas no país e no estrangeiro, sendo ainda autor do Tratado elementar de fisiologia.

Newton Dias dos Santos (nascido em 1916)

Licenciado em história natural pela Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal (1938), doutorou-se nessa disciplina, em 1950, na Faculdade Nacional de Filosofia. Formou-se igualmente em medicina (1940) pela Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro (à época denominada Universidade do Brasil).

Logo após a formatura, passou a integrar o quadro de pesquisadores do Museu Nacional, tendo se tornado conhecido entomologista, com grande número de trabalhos científicos publicados.

Exerceu às funções de diretor do Museu Nacional no período 1961/1964.

Oswaldo Frota Pessoa (nascido em 1917)

Diplomou-se em história natural pela Escola de Ciências da UDF (1938) e em medicina pela Faculdade de Medicina da então denominada Universidade do Brasil (1941). Cursou técnicas de pesquisas biológicas no Instituto Oswaldo Cruz em 1941. Doutorou-se em história natural na Faculdade Nacional de Filosofia, Em seguida à formatura, ocupou-se de pesquisa, dedicando-se posteriormente ao magistério, primeiro na Faculdade Nacional de Filosofia (1948/1958) e depois na Faculdade de Filosofia da USP.

Autor de diversos trabalhos e pesquisas nos campos da genética humana e da citogenética, sendo membro das Sociedades Brasileiras de Botânica e de Genética.

Raul Leitão da Cunha (1881/1947)

Ocupa um lugar central na história da universidade brasileira. Como reitor da Universidade do Rio de Janeiro, implantou os cursos de ciências, destinados à formação de cientistas, pesquisadores e professores, tendo, com vistas a esse fim, liderado o processo de absorção da UDF e sua transformação na Faculdade Nacional de Filosofia. Nesse período inicial, acumulou as funções de reitor da universidade e diretor da faculdade, desde que vinculava o processo de consolidação da primeira aos destinos da última. Além disto, como ministro da Educação do governo de transição que se implantou no país, em seguida à deposição de Vargas em 1945, elaborou e obteve a promulgação do Decreto-Lei no. 8.393, de 17 de dezembro de 1945, concedendo à universidade autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar.

Médico patologista, diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1903. No mesmo ano seguiu para a Europa, a fim de especializar-se em anatomia patológica. Ingressou no magistério em 1907, ocupando a cátedra de histologia e passando, mais tarde, para a de microbiologia e, finalmente, para a de anatomia patológica. Foi diretor da Instrução Pública (1919/1920) e da Saúde Pública (1920/1926). Ocupou igualmente cargos no legislativo, tendo sido vereador no Distrito Federal e deputado à Assembléia Constituinte de 1933. Publicou diversos trabalhos de sua especialidade.

Roberto Marinho de Azevedo (1878/1962)

Professor da Escola Politécnica, assume posição de evidência, na década de vinte, entre os divulgadores da teoria da relatividade. Com semelhante objetivo escreve na Revista Brasileira de Engenharia e na Revista de Ciências, órgão da Academia. Nesta, em 1926, responde às objeções levantadas pelos positivistas brasileiros. Participa do movimento da ABE em prol de uma universidade que complemente o ensino superior, ministrando cursos de ciência pura, além do ensino profissional, Coube-lhe, no Rio de Janeiro, a exemplo do que faria Teodoro Ramos em São Paulo, a tarefa de liderar a realização desse projeto, em caráter pioneiro, na condição de diretor da Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal.

Foi membro da Academia Brasileira de Ciências, onde desempenhou cargos de direção.

Vicente Licínio Cardoso (1890/1931)

Foi dirigente da Associação Brasileira de Educação, em sua fase inicial. Concluiu o curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica em 1913. Em 1917 foi aprovado no concurso da cadeira de história da arte, da Escola Nacional de Belas Artes, tendo concorrido com a tese intitulada Filosofia da Arte. Publicou diversos livros, entre outros: Pensamentos brasileiros, Afirmações e comentários e À margem da história do Brasil. Era filho de Licínio Cardoso.

Teodoro Ramos (1895/1935)

Diplomou-se em 1916 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, tendo acompanhado o movimento de renovação científica liderado, entre outros, por Amoroso Costa. Ingressou na Academia Brasileira de Ciências, em sua fase inicial, e participou ativamente de seus trabalhos.

Logo após a formatura, radicou-se em São Paulo, tornando-se catedrático de física e matemática da Escola Politécnica.

Teve posição das mais destacadas na criação da Universidade de São Paulo, primeiro como animador de todos os debates então realizados, em prol da criação das Escolas Superiores de Ciências, destinadas a formar cientistas e pesquisadores, e, mais tarde, como integrante do núcleo dirigente encarregado de sua estruturação. Nessa qualidade, incumbiu-se da contratação de professores estrangeiros na Europa. É de sua iniciativa a mobilização dos professores alemães e de outras nacionalidades que colaboraram na implantação da Faculdade de Filosofia da USP.

Viktor Leinz (nascido em 1904)

Nasceu em Heidelberg, Alemanha, tendo se graduado em geologia na universidade dessa cidade e concluído curso de pós-graduação em petrografia de sedimentos. Transferiu-se para o Brasil em 1935, contratado pelo Departamento de Produção Mineral. Nesse período, integrou igualmente o corpo docente da Escola de Ciências da UDF. Mais tarde, ingressou na USP, como chefe do Departamento de Geologia e Paleontologia (a partir de 1949). Membro da Academia Brasileira de Ciências, é autor de extensa bibliografia dedicada à geologia da Brasil.

Notas *

Trabalho realizado por convênio entre o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Publicado em S. Schwartzman (organizador), Universidades e Instituições de Pesquisa no Rio de Janeiro, Brasília, CNPq, 1982.

[1] Obras Científicas, políticas e sociais, coligadas por Edgard Cerqueira Falcão, Santos, 1964, vol. 1.

[2] Vol. cit., p. 40.

[3] Os cursos da Academia Real Militar (Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810) tinham desde logo duração de oito anos, exigindo-se que o corpo docente deveria ser integrado por onze professores e cinco substitutos, equiparados aos lentes da Universidade de Coimbra, etc.

[4] Apud Relatório Seabra (1906) in Documentos Parlamentares. Instrução Publica. Volume VI, Rio de Janeiro, 1919, p. 237.

[5] A ilustração brasileira e a idéia de universidade, São Paulo, Faculdade de Filosofia da USP, 1959, p. 320-21.

[6] Sistema de Política Positiva, ed. francesa de 1912, tomo 1, p. 122.

[7] Filosofia teológica (1874) e Filosofia metafísica (1876), não tendo publicado o livro dedicado à filosofia positiva.

[8] Em Evolução do pensamento de Pereira Barreto. São Paulo, Brijalbo/USP, 1967, e no livro antes mencionado.

[9] Apud Roque Spencer Maciel de Barros. A ilustração brasileira e a idéia de universidade, op. cit., p. 328-329.

[10] Cf. A universidade 2ª edição, Rio de Janeiro, 1913 e Roque Spencer Maciel de Barros, op. cit., p. 331-32.

[11] O problema universitário brasileiro, Rio de Janeiro, A Encadernadora, 1929, p. 371.

[12] Documentos Parlamentares. Instrução Pública . Vol. VI, p. 63-157.

[13] Op. cit., p. 69 e 70.

[14] "Projeto Azevedo Sodré e pareceres". Documentos Parlamentares. Instrução Pública. Vol. cit., p. 257/401.

[15] Op. cit., p. 273.

[16] O problema universitário brasileiro. ed. cit., p. 474. A conferência intitulava-se "Criação e desenvolvimento dos cursos de ensino superior no Brasil: função social das universidades”, proferida na Biblioteca Nacional em 10 de outubro de 1918, tendo sido publicada na Revista da Universidade do Rio de Janeiro, 1(1):27-45, 1926. O autor foi membro da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira no. 35.

[17] Quanto à pretensa influência alemã na reforma do ensino levada a cabo em 1870 por Leôncio de Carvalho, consulte-se a obra de Roque Spencer Maciel de Barros, dedicada ao tema e antes citada (p. 265 a 296).

[18] Cf. Ivan Lins. História do positivismo no Brasil. 2ª edição, São Paulo, Cia, Editora Nacional, 1967.

[19] No Brasil, o castilhismo constitui a principal vertente da filosofia de inspiração positivista.

[20] Conferência sobre Otto de Alencar (1918) in As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, São Paulo, Grijalbo/USP, 1971, p. 71.

[21] Idem, p. 71-72.

[22] Cf. Revista da Academia Brasileira de Ciências 1 (1): 125-130, abril de 1926.

[23] No âmbito das ciências humanas não se logrou idêntica superação da influência do positivismo.

[24] “Pela Ciência Pura” (maio, 1923) in Obra Citada, p. 151 e 152.

[25] Cf. "In Memoriam" de Heitor Lira da Silva. Boletim da Associação Brasileira de Educação 3(9) : 1, Jan-fev 1927: "A criação e o criador". Boletim de Ariel 4(4) : 112-113. jan. 1 935 (discurso de Francisco Venâncio Filho na comemoração do décimo aniversário da ABE; e “Heitor Lira e a ABE” . Educação, órgão da Associação Brasileira de Educação 1(1):1, fev., 1939.

[26] Boletim da ABE 1(4) :4, abril, 1926.

[27] O primeiro foi publicado, logo após sua morte, na coleção dirigida por Pontes de Miranda (As Idéias fundamentais da matemática, Rio de Janeiro, Pimenta de Melo, 1929, 264 p.) e reeditado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (São Paulo. Editores USP/Grijalbo 1971). Os dois últimos permanecem inéditos.

[28] No discurso em nome da ABE, por ocasião da morte de Ferdinando Laboriau, Vicente Licínio Cardoso afirmaria: "A União criara antes, no papel apenas, por ser bem mais fácil, sem despesas e sem nenhum curso novo, a Universidade do Rio de Janeiro. Laboriau, dirigindo os pelotões da Associação Brasileira de Educação, organizou, criou, realizou, em suma, durante dois anos, um programa notável, de verdadeiros cursos de extensão universitária." (O problema universitário brasileiro, Rio de Janeiro, 1929. p. 18.)

[29] Boletim da ABE 3(10):10, março-abril, 1927.

[30] Boletim da ABE 1(21:1) novembro, 1925.

[31] O problema universitário brasileiro, Inquérito promovido pela Seção de Ensino Técnico e Superior da Associação Brasileira de Educação . Rio de Janeiro, A Encadernadora, 1929, 53 pp.

[32] O problema universitário brasileiro, ed. cit . p. 211/212.

[33] Das primeiras conferências segundo se indicou, somente se publicaram os anais da terceira: Anais da III Conferência Nacional de Educação, São Paulo, Diretoria Geral de Instrução Pública, 1930, 1001 p.

[34] O problema universitário brasileiro. p. 127-128.

[35] O problema universitário brasileiro, p. 499/500

[36] O problema universitário brasileiro, p. 93-94.

[37] O Problema universitário brasileiro p. 354.

[38] O problema universitário brasileiro, p. 150.

[39] O problema universitário brasileiro, p. 430.

[40] O problema universitário brasileiro, p. 437-438.

[41] Ver obra citada, p. 173.

[42] Anais da III Conferência Nacional de Educação, edição citada, p. 863.

[43] Anais, op. cit., p. 880.

[44] O problema universitário brasileiro. p. 303-304.

[45] O problema universitário brasileiro, p. 130.

[46] O problema universitário brasileiro. p. 345-346.

[47] Foi criada a 7 de setembro de 1927 e instalada a 15 de novembro desse mesmo ano.

[48] O problema universitário brasileiro, p. 168.

[49] Obra citada, p. 493 e 507.

[50] Obra citada, p. 74 e 93.

[51] Idem p. 432-433.

[52] Obra citada p 94.

[53] Boletim da ABE 3(11), maio-junho, 1927.

[54] Educação e Cultura, ed. cit., p. 48/49.

[55] Educação e Cultura, ed. cit., p. 55.

[56] Educação e Cultura. ed. cit., p 67

[57]

[58] A Cultura Brasileira, ed. cit., p. 395.

[59] Cf. Revista da Universidade de Rio de Janeiro, 2(2), 1932, p. 245-259.

[60] Educação, órgão da ABE 1(2):12, maio de 1939.

[61] Lourenço Filho, 'A educação nacional', in Os grandes problemas nacionais, Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), 1942, p. 65.

[62] No período anterior à revolução, a universidade tivera estes reitores: Ramiz Galvão (1921-1925): Afonso Celso (1925-1926) e Cícero Peregrino da Silva (1926-1930). Pelo Decreto no. 14.343, de 7 de setembro de 1920, que a criou, o cargo de reitor seria exercido pelo presidente do Conselho Superior de Ensino.

[63] Revista da Universidade do Rio de Janeiro, série lI . no. 1, p. 1 2.

[64] 64 O último número (do biênio 1936-1937) dessa publicação, aparecido em 1939, indica que não mais circulará, devendo ser substituída pelos Arquivos da Universidade do Brasil, já que a Lei no. 452, de 27/06/1937, mudou-lhe a denominação, Os arquivos nunca circularam. Na década de cinqüenta aparecem cinco números dos Anais da Universidade do Brasil (número 1, 1950: no. 2, 1951: no. 3, 1952: no. 4, 1958 e no. 5 em 19591.

[65]  Publicada na Revista, no. 4-5, de junho de 1934, p. 291 e seguintes.

[66] Anais da Universidade do Brasil, 1(1), dezembro, 1950, p. 131.

[67] "Breve histórico da Universidade do Brasil e da Faculdade Nacional de Filosofia", in Digesto da Faculdade Nacional de Filosofia, Rio de Janeiro, 1955, p. 18.

[68] Com a consolidação da universidade, essa idéia seria retomada. Assim, em 1950. funcionavam estes institutos: Nutrição (Josué de Castro), Eletrotécnica (Ernani da Mota Resende), Puericultura (Joaquim Martagão Gesseira), Psiquiatria (Maurício de Medeiros), Biofísica (Carlos Chagas Filho), Psicologia (Nílton Campos) e Ginecologia (Arnaldo de Moraes).

[69] A lei criou a Comissão do Plano da Universidade, mais tarde denominada Escritório Técnico da Cidade Universitária que, já por volta de 1945, se havia fixado pela Ilha do Fundão. Como se sabe, a idéia somente seria concientizada na década de sessenta.

[70] Tinha em seu seio um digno representante na pessoa do professor Leitão da Cunha, a cujo nome se vincula tanto a consolidação da universidade como a conquista de sua autonomia, segundo se mencionará oportunamente. Em extenso discurso na Constituinte, teria ocasião de examinar a situação do ensino no pais, em especial o ensino superior, transcrito na Revista da Universidade do Rio de Janeiro, fase II, no. 6, 1935.

[71] Boletim da Universidade do Distrito Federal, 1(1) julho-dezembro, 1935, p. 15

[72] Reunidas no livro Lições inaugurais da Missão Universitária Francesa durante o ano de 1936, Rio de Janeiro, UDF 1937. 191 p.

[73] Obra cit., p. I-II

[74] Os documentos da UDF, constituídos de correspondência do reitor, expediente das escolas, relatórios de professores, programas, recortes de jornais, documentos da contabilidade, etc., encontram-se arquivados no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, e nunca foram publicados.

[75] Cientistas entrevistados pela pesquisa História Social da Ciência no Brasil, dirigida por Simon Schwartzman e sob o patrocínio da Finep, consignam que o professor Sobrero despertou vocações para a física teórica, o que não ocorreria em sua ausência, em vista de que Costa Ribeiro achava-se integralmente voltado para a física experimental, distinção que se entendia corno válida no período, embora seja discutida posteriormente. O professor Bernhard Gross, por seu turno, consigna o alto nível dos cursos do professor Mamanna, a que assistia com seus auxiliares do Instituto Nacional de Tecnologia.

[76] "No décimo aniversário de fundação da FNF" in Decenário da Faculdade Nacional de Filosofia, Rio de Janeiro, Universidade do Brasil, 1951, p. 23.

[77] Digesto da Faculdade Nacional de Filosofia, p. 19.